Autores

Romano, M.P.C. (UFPB) ; Franco, V.V. (UFPB) ; Souza, J.O.P. (UFPB)

Resumo

Alguns problemas em relação a construção de barragens no semiárido são os relacionados a dinâmica dos fluxos de energia e sedimento nos sistemas fluviais semiáridos, que dependem de diversos fatores relativos para a dinâmica fluida desse sistema. Para identificar elementos como o impacto de construções de impedimento nos sistemas fluviais semiáridos foi escolhido utilizar a metodologia de conectividade de paisagem, elemento que controla a evolução dos sistemas fluviais, de maneira a compreender como os elementos do sistema fluvial semiárido se relacionam e mantem fluidez, a partir da identificação desses impedimentos e analise destes nas suas respectivas bacias. A área de estudo compreende ao alto e médio curso da bacia do Pianco, no sertão Paraibano, e que apresentou em seu evento de baixa magnitude, diversas áreas desconectadas. Nos eventos de média e grande magnitude, foi possível identificar que houve uma maior conectividade em toda a bacia.

Palavras chaves

semiárido; conectividade da paisagem; sistema fluvial semiárido

Introdução

A ZCIT (Zona de convergência Intertropical) é a principal responsável pela dinâmica pluvial do semiárido, trazendo as chuvas na direção NO-SE, proporcionando a quadra chuvosa de abril a junho, único período do ano em que a taxa de precipitação supera a de evaporação. Além do comportamento hidrológico, também é interessante pontuar a questão litológica da região, pois a àrea pertence a uma região majoritariamente de origem cristalina, o que torna os processos erosivos específicos e de origem química. Esses dois elementos imbricados tornam a paisagem semiárida o que ela é hoje, rica em recorrência de pedimentos, serras, matacões, lajedos, e uma comunidade vegetal específica, pertencente a caatinga. O sistema fluvial semiárido é completamente dependente do regime hidrológico da região, que por sua vez não tem uma regularidade definida, estando a maior parte do ano com ausência de chuvas e água, no entanto, devido ao controle freático, alguns canais sempre apresentam alguma quantidade de água irrisória em superfície, e subsuperficialmente. Como já foi citado anteriormente, o comportamento pluvial dessa região é controlado majoritariamente pela ZCIT, e o ciclo da água possui suas diferenciações, nesse interím, os canais fluviais recebem seu fluxo predominantemente por meio de escoamento superficial (BRAKEN e CROKE, 2007). Sabe-se que processos tectônicos, hidrológicos e antrópicos influenciam diretamente na morfologia e nos processos geomorfológicos do ambiente, assim no ambiente fluvial semiárido, por exemplo, o comportamento das cheias influenciará diretamente os processos fluviais. Dentro dessa perspectiva, com as atividades antrópicas intensas no semiárido, especialmente no semiárido paraibano, transformando mais rápido e em menos tempo o comportamento e a dinâmica dos sistemas naturais, o desenvolvimento e intensificação das atividades agrícolas, implantação de barragens, extração mineral e escavações no leito interferem diretamente na dinâmica do sistema fluvial semiárido. Uma vez que isso resulta em impedimentos à montante e à jusante do rio, configurando elementos desconectantes quanto à transmissão de matéria e energia no sistema fluvial semiárido (SOUZA E MATIAS 2015). Além disso, vale salientar que a construção de barragens para o abastecimento humano no semiárido é generalizada. Considerando que a conectividade pode ser definida como a área de transferência de energia e matéria entre dois compartimentos de paisagem ou dentro de um sistema como um todo (CHORLEY E KENNEDY 1971 apud FRYIRS et al 2007), é importante levar em consideração que modificações na forma do rio podem gerar tanto pontos de desconectividade quanto pontos de conectividade. Dentro dessa ideia, de acordo com Brierley, Fryirs e Jain (2006), uma vez que a conectividade canal-encosta tende a ser menos recorrente à jusante ocasiona o processo de acúmulo de sedimento e água, tal fato corrobora para a ocupação humana nos vales ao longo da história. Seguindo esta ideia, o entendimento da conectividade da paisagem facilita a análise dos processos e da forma do rio, bem como a compreensão das escalas temporais e espaciais de diferentes graus de (des)conectividade. Além disso, com relação as forças de distúrbio tanto naturais quanto antrópicas, a conectividade influencia fortemente a resistência e a resiliência dos rios, além da identificação dos fatores que interferem no armazenamento de água, sedimentos, matéria orgânica, etc. Por fim, a conectividade fornece informações sobre os comportamentos não-lineares que ocorrem nos rios, auxiliando no planejamento e manejo das áreas (WOHL 2017). Além disso, é importante levar em conta que as barragens configuram os principais elementos de desconectividade no semiárido (CASTELO BRANCO 2017). O trabalho tem como objetivo identificar a conectividade de sedimento no alto e médio curso do rio Piancó, levando em consideração em três situações de vazão, como por exemplo, em baixa magnitude, média magnitude e alta magnitude.

Material e métodos

A Sub-bacia do Piancó possui 7.290,5 Km² e se localiza no sertão paraibano (Figura 1). A área de estudo pertence a um padrão de clima semiárido, atingindo uma média de 800mm de chuvas anuais, sendo os meses de fevereiro a abril os mais chuvosos concentrando nesse período cerca de 60-80% de toda a chuva anual. A área apresenta a presença majoritária de terrenos de material cristalino, possuindo alguns pontos sedimentares, como aluviões e arenitos. A vegetação da área de estudo é xerófila, plantas adaptadas ao clima seco que trocam as folhas por espinhos para melhor relacionar-se com o ciclo hidrológico do local, parte da vegetação de caatinga (MOURA, 2007) Para a produção do mapa de declividade, é necessário a obtenção de alguns dados secundários como, dados de SRTM da localização escolhida, shapefile da área de estudo para a realização do recorte da imagem. São dados extraídos a partir de ambiente SIG, de forma automática pelo processamento de delimitação da bacia. Após a coleta dos dados, é necessário inseri-los em ambiente SIG para desenvolver o projeto. O primeiro passo é executar o mosaic para agregar os dados em SRTM que estavam separados, tornando-os apenas uma informação; em seguida deve-se recortar a informação no limite da área de estudo escolhida a partir da extração da bacia; o terceiro passo é criar a sombra do relevo para dar um nível de detalhe ao mapa, e em seguida, deve-se organizar as classes da altimetria em cinco, e torna-las decimais apenas com duas casas após a virgula; na sequencia deve-se corrigir a projeção usando a ferramenta Project to raster;e entao preencher as falhas do mapa com a ferramenta fill; para então finalmente executar a ferramenta slope, no caso do presente trabalho, foi escolhido trabalhar com o a declividade em porcentagem, para utilizar a classifição da EMBRAPA. A classificação dessa declividade foi realizada pelo Manual técnico de Pedologia. O mapa de conectividade consta os pontos de desconexão do sistema, sinalizando elementos que dificultam a conexão de energia de fluxo ou sedimento do rio, que fazem com que a transmissão de água, energia e sedimento não seja livre, fazendo com que o material fique retido na paisagem, dentro da rede de drenagem. Os impedimentos podem ser de origem antrópica ou natural, os impedimento de origem antrópica são as barragens, passagens molhadas, estradas, e os impedimentos naturais podem ser áreas mais planas com preenchimentos de vale, soleiras rochosas. No presente trabalho foi utilizado exclusivamente os impedimentos de origem antrópica, de forma majoritária, as barragens, comuns em áreas semiáridas. Foram identificados então, no Google Earth (2016) através de pontos marcados na imagem, várias barragens ao longo da bacia, sempre identificando a direção do fluxo e as áreas de drenagem dos canais. Foram classificadas em três tamanhos, as grandes, que possuíam mais de oitenta metros, as médias, entre quarenta e setenta metros, e as pequenas, até quarenta metros. A partir dessa etapa, foi possível criar sub-bacias de captação para cada barragem identificada, caracterizando os impedimentos de transmissão de cada área da bacia (SOUZA E CORREA 2012), sendo relevante ressaltar que a conectividade foi analisada em três ocorrências diferentes de vazão: em vazão de baixa magnitude, de média magnitude e de alta magnitude. Além disso, foram diferenciados os tipos de conectividade para cada subbacia, entre áreas conectadas, áreas parcialmente desconectadas e áreas desconectadas. Assim, as áreas conectadas são aquelas que há a transmissão de material de carga de fundo, as áreas parcialmente conectadas são aquelas que parte do material de carga de fundo é transmitida, entretando, uma boa parte do material continua retida na barragem. Por fim, as áreas desconectadas são aquelas que praticamente todo o sedimento de carga de fundo fica retido no impedimento.

Resultado e discussão

A área de estudo possui uma média altimétrica de 650 metros, estando a área mais baixa no centro norte e centro, e as áreas mais altas no entorno sul, sudeste, e oeste da bacia, o que provoca uma dinâmica no sistema fluvial de convergir para uma área central do terreno. As áreas mais altas correspondem as zonas residuais da Borborema e uma área plana de processos pediplanares. O mapa de declividade demonstra uma zona bastante íngreme entorno do centro da bacia, justamente a área onde estã localizado os açudes Coremas e Mãe D’água. A declividade drena toda a água para o centro da bacia como já foi citado anteriormente, área mais plana e de menor altimetria da bacia. É clara a diferenciação de unidades geomorfológicas na área, entre o relevo da Borborema e área Pediplanada no centro da bacia. As barragens foram os elementos desconectantes estabelecidos, uma vez que é o tipo de impedimento mais recorrente na bacia do alto e médio curso do Rio Piancó. Foram identificadas 6 barragens grandes, 23 barragens médias e 26 barragens pequenas, as quais, em sua maioria, estão inseridas nas áreas de cabeceiras. Nos eventos de baixa magnitude (Figura 2) as barragens pequenas, medias e grandes permanecem desconectadas, devido a falta de capacidade de fluxo de manter uma uma energia de transferência suficiente para tornar as partes conectadas. Dessa forma, apenas as bacias que não apresentam nenhum tipo de impedimento permanecem conectadas,podendo fornecer sedimento e fluxo. No entanto, a ocorrência de barramentos em bacias a jusante, efetivam o impedimento dessas bacias sem barramentos a montante. Da área de estudo em baixa vazão, 1067,1 Km2 estao desconectadas, de um total de 7.290,5 Km2, e a maioria da bacia, conectada, totalizando 6.223,4 Km2 de toda a bacia. Ou seja, em baixa magnitude, os pontos de impedimento provocam desconex’ao de forma efetiva. No evento de magnitude moderada ou média magnitude (Figura 3), as barragens grandes apresentam-se desconectadas, uma vez que a vazão moderada não é capaz de ultrapassar os limites das barragens e transportar o material à jusante. Com relação as as barragens médias, estas apresentam-se parcialmente conectadas, uma vez que a água, o sedimento de suspensão, e pequena porção do material de carga de fundo podem ser transportados ao longo do canal, todavia, boa parte do material de carga de fundo fica retido na barragem. Por fim, as barragens pequenas apresentam-se conectadas, uma vez que estas barragens na área de estudo apresentam estruturas rústicas que podem ser transbordadas facilmente pela vazão, e, portanto, o material sedimentar pode ser transportado à jusante da rede de drenagem. Em eventos de média magnitude a bacia do alto e médio curso da bacia do rio Piancó apresenta 264,2 km² de área desconectada, 633,1 km² de área parcialmente conectada, e 6393,2 km² de área conectada. Assim, uma porção da área desconectada está presente nas grandes barragens, as áreas parcialmente conectadas estão presentes nas médias barragens e as áreas conectadas estão presentes nas barragens pequenas e em áreas sem impedimentos. Nos eventos de alta magnitude (Figura 4) as barragens grandes e médias apresentam-se parcialmente conectadas, sendo importante ressaltar que uma vez que há o impedimento de barragens estruturalmente maiores e mais resistentes, uma porção do material de carga de fundo fica retido na barragem. Assim, o boa parte do sedimento não chega às grandes barragens por ficarem retidos nas barragens médias. Com relação as barragens pequenas, estas apresentam-se conectadas, uma vez que, configuram estruturas rústicas e muitas delas foram assoreadas com o passar do tempo, facilitando o transporte de material de carga de fundo ao longo da rede de drenagem. Vale salientar que a foz, ou seja o nível de base, é localizada no açude de Curemas, assim o sedimento que deveria ser transportado diretamente para a barragem de Curemas é retido principalmente nas médias e grandes barragens que antecedem a barragem de Curemas. Por fim, cerca de 897,3 km² de área da bacia do alto e médio curso da bacia do rio Piancó apresenta-se parcialmente conectada, configuram principalmente as médias e grandes barragens. Além disso, 6393,2 km² apresenta-se conectado, cujas áreas apresentam as pequenas barragens e as áreas sem impedimento. De forma geral, a bacia apresenta baixo índice de desconectividade , uma vez que existe grande quantidade de barramentos pequenos e rústicos concentrados nas áreas de cabeceiras, barramentos estes que desconectam pequenas áreas. Sendo assim, foi possível inferir que mesmo nos eventos de baixa magnitude, as áreas que apresentam desconectividade são pequenas, representando no máximo 14% nos eventos de baixa magnitude, já nos eventos de alta magnitude a bacia não apresenta nenhuma área completamente desconectada, porém apresenta apenas 12% de áreas parcialmente conectadas. Desse modo, a bacia apresenta-se com alto nível de conectividade de sedimentos.

Figura 01

Localização, Altimetria e Declividade do alto e médio curso do Rio Piancó

Figura 02

Área de captação efetiva em eventos de baixa magnitude.

Figura 03

Área de captação efetiva em eventos de média magnitude.

Figura 04

Área de captação efetiva em eventos de alta magnitude.

Considerações Finais

As análises foram realizadas em três eventos, os quais foram em eventos de baixa magnitude, média magnitude e alta magnitude. Assim, nos eventos de baixa magnitude observou-se que as áreas que apresentaram algum tipo de barramento são desconectadas, entretanto, as áreas que não apresentam impedimentos configuram áreas conectadas. Tal situação se dá pela baixa vazão, ou seja, baixa capacidade de transportar o material à jusante da rede de drenagem. Nos eventos de média magnitude, foi possível observar que as áreas onde estão inseridas as pequenas barragens e as áreas sem impedimentos apresentam-se conectadas, as áras que apresentam-se parcialmente conectadas foram equivalente as áreas que estão inseridas as médias barragens. Por fim, as áreas que configuram as grandes barragens apresentam-se desconectadas, uma vez que uma vazão moderada não é capaz de tranbordar a barragem e transportar os sedimentos. Por fim, nos eventos de alta magnitude as áreas sem impedimentos e as áreas de pequenas barragens aprestam-se conectadas. Entretanto, as áreas onde estão presentes as médias e grandes barragens apresentam-se parcialmente conectadas, uma vez que a existência de impedimentos com estruturas maiores e mais resistentes impedem o transporte de boa parte do material de carga de fundo.

Agradecimentos

Referências

BRACKEN, Louise J.; CROKE, Jacky. The concept of hydrological connectivity and its contribution to understanding runoff‐dominated geomorphic systems. Hydrological processes, v. 21, n. 13, p. 1749-1763, 2007.
BRIERLEY, Gary; FRYIRS, Kirstie; JAIN, Vikrant. Landscape connectivity: the geographic basis of geomorphic applications. Area, v. 38, n. 2, p. 165-174, 2006.
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FRYIRS, Kirstie A. BRIERLEY, G. J., PRESTON, N. J., & KASAI, M. Buffers, barriers and blankets: the (dis) connectivity of catchment-scale sediment cascades. Catena, v. 70, n. 1, p. 49-67, 2007.
MOURA, Eulina Maria de. Avaliação da disponibilidade hídrica e da demanda hídrica no trecho do Rio Piranhas-Açu entre os açudes Coremas-Mãe-D’água e Armando Ribeiro Golçalves. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em Engenharia Sanitária da Univerisdade Federal do Rio Grande do Norte, p.140, 2007.
SOUZA, Jonas Otaviano Praca de; ALMEIDA, Joana D.'arc Matias de. Processos fluviais em terras secas: uma revisão. OKARA: Geografia em debate, v. 9, n. 1, p. 108-122, 2015.
SOUZA, Jonas Otaviano Praça de; CORREA, Antonio Carlos Barros. Conectividade e área de captação efetiva de um sistema fluvial semiárido: bacia do riacho Mulungu, Belém de São Francisco-PE. Sociedade & Natureza, v. 24, n. 2, 2012.