Autores

Silva, C.B. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS) ; Santos, D. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS)

Resumo

Nesse trabalho é realizada a caracterização e a análise geoambiental da sub-bacia hidrográfica dos riachos da Torta e do Mel na região semiárida do estado de Alagoas. Estes são contribuintes da bacia hidrográfica do rio Traipú (alto curso), que por vez é afluente do rio São Francisco. Nesse sentido, buscou-se caracterizar a geomorfologia, a hidrografia e as formas de uso e ocupação da terra da sub-bacia. Essas informações são fundamentais na compreensão dos processos de degradação e da fragilidade socioambiental em ambientes fluviais. A metodologia adotada no desenvolvimento da pesquisa está pautada na análise espacial de informações, subsidiadas por técnicas de geoprocessamento (com dados secundários), análise bibliográfica e visitas a campo. Como resultados obteve-se o mapeamento geomorfológico, hipsométrico e de uso e ocupação das terras da sub-bacia subsidiando a análise das atividades humanas em conjunto com os elementos naturais.

Palavras chaves

Sistema fluviais; Semiárido; Análise geoambiental

Introdução

As bacias hidrográficas são importantes unidades de planejamento e estudo, levando em consideração seu caráter geossistêmico e integrado que permite reconhecer e avaliar os diferentes componentes da paisagem sejam estes físicos/naturais ou antrópicos, resultantes da ação humana. Essa visão integrada discutida por Guerra e Cunha (2012) permite uma abordagem conjunta do comportamento desses sistemas e das relações existentes entre o homem e os elementos físicos da paisagem. Como unidade física, delimitada naturalmente pelos divisores de água que são reconhecidos como a parte mais elevada do terreno, as bacias hidrográficas de qualquer hierarquia podem ser compreendidas como a área da superfície da terra drenada por um rio principal e seus tributários (CUNHA e GUERRA, 2012; BOTELHO e SILVA, 2012; COELHO NETTO, 2015 et al). Essas bacias, “representam a área de captação natural das águas precipitadas que faz convergir o escoamento para um único ponto de saída, o exutório” (NOVO, 2008, p. 220). A caracterização geoambiental de uma bacia hidrográfica pode revelar as principais características ambientais que compõem a paisagem, e também indicar o grau de vulnerabilidade e as potencialidades do ambiente. Essas análises devem ser realizadas levando em consideração as formas de apropriação do homem e a atual configuração ambiental. Nesse sentido, ocupa lugar de destaque a análise dos fatores físicos da paisagem como a geomorfologia, a hidrografia e as formas de uso e ocupação das terras. Em regiões áridas e semiáridas, como o Nordeste brasileiro, a caracterização geoambiental de sistemas fluviais está ocupando lugar de destaque nas ultimas décadas já que essas análises permitem a compreensão fisiográfica da paisagem e dos elementos que a constituem. A dinâmica fluvial no semiárido compreende, além de elementos naturais, a complexidade do homem que ocupa o caminho das águas e o uso atribuído ao ambiente. Estudos dessa natureza podem possibilitar o desenvolvimento de estratégias de tomada de decisões, pois envolvem os elementos físicos do espaço geográfico e o uso social dos recursos naturais. Nesse contexto, esse trabalho tem por objetivo desenvolver a caracterização e a análise geoambiental da sub-bacia hidrográfica dos riachos da Torta e do Mel inseridos no alto curso do rio Traipú, no semiárido alagoano. Para o desenvolvimento dessa caracterização buscou-se espacializar (mapear) com técnicas de geoprocessamento (pessoas, softwares e técnicas) as principais características que compõem a paisagem.

Material e métodos

A sub-bacia hidrográfica dos riachos da Torta e do Mel está inserida no alto curso do rio Traipú (afluente direto do rio São Francisco, no Estado de Alagoas) próximo ao conjunto de serras que fazem a divisa dos Estados de Alagoas e Pernambuco, as encostas do planalto da Borborema. Na delimitação da sub-bacia dos riachos da Torta e do Mel fez-se necessária a aquisição da carta topográfica folha: SC - 24 -X Palmeira dos Índios escala 1: 100.000, digitalizada e georreferênciadas pelo Instituto de Meio Ambiente de Alagoas - IMA (2010). Essa delimitação foi realizada com base no perfil altimétrico a partir da aquisição dos dados do projeto Topodata/SRTM de 90m (Shutt Radar Topographic Mission) atualmente disponibilizados no site da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA e do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial - INPE. Os dados SRTM também constituíram material basilar para a elaboração do mapa hipsométrico e consequente analise da rede de drenagem sobre a superfície. Por vez, o mapa dos domínios das formas de relevo foi desenvolvido a partir dos dados do Instituto de Meio Ambiente de Alagoas (IMA, 2010). O mapa de uso e ocupação da terra foi construído a partir dos dados fornecidos pelo IMA (2010) e atualizados com as imagens do software livre Google Earth (imagens do ano de 2016) e também das observações e informações coletadas em campo. O processamento dos dados e a confecção dos mapas foram realizados no software livre QGIS, que possibilita a geração e o processamento de diversos documentos cartográficos, e permitiu contato direto com o banco de dados que pode ser editado e atualizado a todo instante. O banco de dados, assim como a tabela de atributos pode ser formado por dados de diferentes procedências, inclusive atualizado com informações colhidas pelo pesquisador. A escolha do software QGIS se deu, principalmente, por esse ser de código aberto e gratuito. A realização das atividades de campo possibilitou a observação de aspectos fisiográficos dos riachos do Mel e da Torta bem como de outros contribuintes do rio Traipú. Além disso, foi possível a observação in loco dos aspectos socioeconômicos e ambientais da área, das formas de relevo e do uso da água enquanto elemento mantenedor da vida no planeta. No desenvolvimento das atividades de campo foi utilizada uma caderneta de campo, essencial a coleta e anotação de dados, foi utilizado ainda um GPS (sistema de posicionamento global), modelo Garmin (Dakota 10-20), que também possibilitou a identificação dos pontos de coleta no próprio campo a partir da malha dos municípios alagoanos. Foram realizados, também, registros fotográficos em todos os pontos de coleta, levando em consideração a análise da paisagem que a fotografia pode proporcionar.

Resultado e discussão

A análise das características geoambientais (geomorfologia, hidrografia e uso da terra) da sub-bacia hidrográfica dos riachos da Torta e do Mel se deu a partir da confecção do mapeamento temático, que evidencia as especificidades das formas residuais do relevo, a organização da rede de drenagem sobre a superfície e as formas de uso e ocupação das terras. Essa abordagem de análise geoambiental, segundo Lopes (2006, p. 28) “deve passar pela concepção de paisagem natural, em que, ao observar um determinado local da superfície terrestre, percebem-se projeções de um passado e um presente de feições e de ambientes que se formaram e se transforam constantemente”. Na sub-bacia em estudo, essas características representam o amalgama das relações homem-natureza que se dá e se transforma no tempo e no espaço. A espacialização e mapeamento dos domínios geomorfológicos da sub-bacia dos riachos da Torta e do Mel com uso de geoprocessamento possibilitou a identificação das principais classes residuais do relevo (mapa 01), apresentando padrões regionais com influência direta de duas grandes estruturas residuais do Nordeste brasileiro: o planalto da Borborema e a depressão sertaneja do São Francisco. O relevo da sub-bacia compreende áreas com domínio de morros e de serras baixas que formam os divisores topográficos da bacia do rio Traipú e os limites dos Estados de Alagoas e Pernambuco. O médio e baixo curso compreende superfícies aplainadas, retocadas e/ou degradadas, com influência da depressão sertaneja do São Francisco (IMA, 2010). São áreas com poucas ondulações, com exceção de alguns afloramentos cristalinos (inselbergs) que se destacam na paisagem local e regional. Essas estruturas residuais compreendem um espaço físico amplamente antropizado em decorrência dos usos atribuídos ao ambiente. Os processos de dissecação do relevo são visíveis na paisagem que é constituída por elevações moderadas drenadas por canais intermitentes e sazonais. Esses rios/riachos conforme evidencia Ab’ Saber (1999, p. 13) “saem das bordas das chapadas e “castelos d’ água” de velhos maciços em abóbada (Borborema), percorrem as extensas depressões interplanauticas, quentes e secas e acabam chegando ao mar ou engrossam as águas do Parnaíba ou do São Francisco”. O mapa hipsométrico (mapa 02) objetivou compressão detalhada do arranjo da rede de drenagem sobre o relevo dos riachos da Torta e do Mel. A partir dessa espacialização pode-se perceber a existência de pequenos vales abertos, com canais pouco profundos e vertentes rebaixadas. Em alguns pontos da sub-bacia a calho dos canais de drenagem são pouco perceptíveis em virtude dos processos de degradação, fazendo-se necessário o desenvolvimento de análises mais detalhadas tanto in loco como em ambiente SIG. Ao analisar de forma detalhada a fisiografia da sub-bacia pode-se afirma que o escoamento superficial ocorre de forma lenta, obedecendo ao desnível altimétrico do terreno, ser de pouca amplitude. Esse escoamento, favorece o abastecimento de pequenos barramentos, essenciais a manutenção de diversas atividades desenvolvidas no ambiente fluvial. Os pequenos vales e áreas de várzea são, em parte, utilizados para o desenvolvimento e produção de gêneros agrícolas. Essas áreas permanecem úmidas durante boa parte do ano e representam um dos mais importantes espaços dos sertões semiáridos, tanto na escala local como regional. As áreas úmidas e subúmidas do semiárido nordestino podem receber diferentes nomenclaturas, variando de acordo com os saber culturais e as formas de uso de cada agrupamento social. O levantamento de uso e ocupação da terra da sub-bacia hidrográfica dos riachos da Torta e do Mel permitiu a espacialização da forma de organização do território e dos usos a ele atribuindo, esse levantamento pode ser melhor analisado a partir do mapa de uso e ocupação das terras (mapa 3), que representa a possibilidade de espacialização das atividades humanas em conjunto com os elementos naturais. Esse mapeamento em conjunto com as análises hora desenvolvidas foi realizado a partir da abordagem dos geossistemas, integrando o homem (atividades/ações) e os elementos naturais. Os geossistemas são compostos por sistemas abertos e dinâmicos que mantêm relação direta com outros sistemas componentes da paisagem absorvendo e refletindo energia. Nesse sentido, o estudo de uma dada paisagem deve ser subsidiado por todos os elementos componentes já que dentro de um sistema todos os elementos desempenham funções especificas e interagem entre si. Essa interação permite o reconhecimento da dinâmica física/ambiental e da ação humana. (SILVA; SANTOS, 2017, p. 06). Como exemplo de um sistema aberto é possível considerar aquele representado pelos sistemas fluviais como as bacias hidrográficas, que ao serem estudas deve-se levar em consideração não apenas os processos decorrentes do escoamento das águas, mas também aqueles referentes aos processos hidrogeomorfológicos que desempenham importante função na esculturação do relevo da superfície do planeta (COELHO NETTO, 2015). No que se refere à sub-bacia dos riachos da Torta e do Mel considera-se que o mapeamento de uso e ocupação da terra em conjunto com o trabalho de campo permitiu identificar que a sub-bacia apresenta características tipicamente rurais e a atividade econômica dominante é a pecuária extensiva. Embora não representado no mapeamento em função da escala de análise, existem alguns pontos ao longo da sub-bacia onde se pratica a agricultura de subsistência, desenvolvida nas proximidades dos canais de drenagem e nas áreas de várzea, conforme já evidenciado. Além das atividades agropastoris praticadas na sub-bacia, verifica-se no mapa a existência de duas classes de caatinga: caatinga densa e caatinga semidensa e aberta. A primeira classe ocorre, principalmente, sobre os divisores topográficos e elevações isoladas. Em casos recobre também as margens de canais de drenagem, principalmente em áreas de afloramento cristalino, impróprios para o desenvolvimento da pecuária. Na segunda classe (caatinga semidensa e aberta) ocorre principalmente nas margens de canais de drenagem, acompanhando o curso dos riachos. Geralmente são áreas que aparentam intenso processo de antropização e consequente degradação das paisagens. Esses processos degredacionais são agravados pela fragilidade natural dos sistemas fluviais e pela condição de semiaridez prevalente na região. A identificação e análise dos processos de degradação da sub-bacia foram realizadas levando em consideração as formas de uso da terra e as condições naturais do ambiente, conforme a proposta de Cunha e Guerra que apontam para a necessidade de que “ao se caracterizar processos físicos, como a degradação ambiental, deve-se levar em consideração critérios sociais que relacionam a terra com seu uso” (2012, p.342). Com a espacialização do uso e ocupação da terra da sub-bacia hidrográfica foi possível verificar muitas parcelas de solo exposto (Mapa 4), essas áreas estão distribuídas por quase todo sistema fluvial, considerando as dimensões podemos considerar que representam uma proporção grande da sub-bacia.Os processos de degradação das terras desse sistema fluvial estão associados diretamente ao mau uso dos recursos naturais, mas deve-se levar em conta também a fragilidade imposta pelas condições naturais da região, principalmente aquelas relacionadas ao clima. A escassez hídrica associada à baixa cobertura vegetal está ocasionando sérios danos ao solo, deixando-o exposto e susceptível a degradação.

Figura 1

Domínios do Relevo da Sub-bacia dos Riachos da Torta e do Mel

Figura 2

Hipsometría da Sub-bacia dos riachos da Torta e do Mel

Fugura 3

Uso e ocupação das terras da sub-bacia dos riachos da Torta e do Mel

Figura 4

Manchas de solo exposto na sub-bacia dos riachos da Torta e do Mel

Considerações Finais

A análise geoambiental traz importantes contribuição aos estudos dos recursos naturais, estes buscam desvelar as relações existentes entre o funcionamento dos sistemas ambientais com os usos que o homem faz destes. No caso específico dos sistemas fluviais do riacho da Torta e do Mel buscou-se justamente isso associar elementos físicos com o uso do solo e demostrar os resultados derivados desses usos. Na área em estudo encontramos as características típicas de regiões semiáridas e suas dinâmicas influenciadas diretamente das questões climáticas, chuvas concentradas em alguns meses do ano, com processos erosivos intensos e escassez de água no restante do tempo. O resultado é uma vegetação típica de caatinga, mas muito degradada pelo uso intenso do solo, o predomínio do uso é da pecuária extensiva nas regiões, um fator histórico de toda a região do nordeste brasileiro, assim como a agricultura de subsistência também identificadas na área. O entendimento dos atributos da sub-bacia hidrográfica do riacho da Torta e do Mel relacionados a geomorfologia, às variações altimétricas, associadas ao uso do solo elucidam os resultados encontrados de uma área desprotegida, sem vegetação nativa, com uso intenso do solo e que possui manchas de solo exposto sujeitos a alterações e degradação mais intensas ainda. A identificação desses problemas requer atenção para que o a atual situação não vire um problema ambiental de maior magnitude.

Agradecimentos

Agradecemos a Bolsa de Iniciação Científica concedida pela Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de Alagoas FAPEAL, em convênio com a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação PROPEP, da Universidade Estadual e Alagoas - UNEAL.

Referências

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