Autores

Aderaldo, P. (UNICAMP) ; Nery, J.T. (UNICAMP) ; Amorim, R.R. (UNICAMP)

Resumo

As contribuições sobre o tema da desertificação, no contexto das paisagens semiáridas têm a sua considerável relevância, visto ser um problema agravado a cada ano e enfrentado por muitos sertanejos. O trabalho aborda sobre a relação geomorfológica e climática presente nos municípios de Independência - CE, Tauá - CE, Pedra Branca - CE e Mombaça - CE. Tem-se como objetivo, a colaboração no entendimento da interação, chuva e relevo, no contexto da desertificação. A abordagem geossistêmica, dará requisitos para tal investigação. Apresenta-se durante a análise, a compartimentação geomorfológica, a contextualização entre relevo e chuva, e um mapa síntese. Conclui-se que a desertificação presente na área de estudo, além dela ser frutos de fatores antrópicos e climáticos, a mesma está sendo influenciada pela atuação, relevo e chuva.

Palavras chaves

desertificação; climatologia; geomorfologia

Introdução

A geomorfologia, como um dos elementos formadores da paisagem pode ser configurada, como critério para delimitação de compartimentos ambientais. Souza (2000), aplicou para as paisagens do estado do Ceará, esse tipo de critério, possibilitando averiguar que na área de estudo, composta pelos municípios de Independência, Tauá, Pedra Branca e Mombaça, estão presentes principalmente depressões sertanejas, maciços residuais, inselbergs e planícies fluviais. Nesse âmbito de composição paisagística da área de estudo, verifica-se outros dois importantes elementos constituintes, um natural e outro antrópico, respectivamente. O primeiro condiz às condições climáticas atuantes, que tem como padrão natural, há prevalência de chuvas concentradas em poucos meses do ano, torrencialidade e sazonalidade. O segundo constitui por historicamente, os tipos de usos e ocupações, não se adequarem a capacidade de suporte natural imposta pela semiaridez vigente (SILVA, 2007). É nessa conjuntura de associação climática semiárida e má ação antrópica, que dois municípios, no caso Independência e Tauá, encontram-se com áreas desertificadas (IPECE, 2017). Explanando sobre a desertificação, tem-se constatado na literatura que a conceituação da mesma, é bastante ampla, com aproximadamente 60 tipos diferentes de conceitos. Existindo aqueles que se igualam e se diferem nas mais distintas características (NASCIMENTO, 2006). Entretanto, em 1994, durante Convenção de Combate à Desertificação nos países afetados por seca e/ou desertificação, formulou-se o conceito aceito mundialmente, mostrando que a desertificação é a degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas (CEARÁ, 2010). Saindo um pouco da relação climática e antrópica, na medida em que esses são os principais critérios para se gerar uma área desertificada (CEARÁ, 2010), o atual trabalho abordará, a relação geomorfológica e climática presente nos municípios em questão, tendo como objetivo da pesquisa, a contribuição de um melhor entendimento na interação, chuva e relevo, no contexto da desertificação. Para tal análise realizar-se-á, a compartimentação geomorfológica, apresentando em uma tabela síntese, a contextualização entre relevo e chuva, utilizando dentre outros perfis topográficos, por fim a realização de um mapa contemplando a compartimentação geomorfológica, os totais pluviométricos e a poligonal da área desertificada.

Material e métodos

O trabalho trata de uma interação entre dois importantes elementos constituintes das paisagens semiáridas, o relevo e a chuva. A abordagem geossistêmica, dará requisitos para tal investigação, visto que a mesma proporciona, relações mútuas entre os componentes do potencial ecológico e da exploração biológica e destes com a ação antrópica, possibilitando entender de forma clara os processos pretéritos e atuais, formadores de paisagens (BERTRAND, 1968). No que tange a descrição da compartimentação geomorfológica, utilizou-se de forma adaptada à área de estudo, a metodologia aplicada ao tema da Geomorfologia pelo Projeto Radambrasil (1981), levando em consideração a evolução das formas e podendo classificá-las em superfícies de acumulação, dissecação e erosivas. Realizando ao fim dessa temática, uma tabela síntese com estrutura baseada em Cavalcante (2014) e Souza (1975) e com dados obtidos de Souza (2000) e Brandão (2014). Quanto aos dados pluviométricos, foi utilizada a média anual, dos últimos 16 anos, ou seja, de 2001 a 2016, a partir de dados diários. Dos dez pluviômetros usados, apenas o denominado de Tauá_01, é de domínio do Instituto Nacional de Metereologia (INMET), todos os outros são de domínio da Fundação Cearense de Metereologia e Recursos Hídricos (FUNCEME). Os critérios para escolha destes foram, a consistência nos dados, como a inexistência de falhas e a distribuição espacial em todos os municípios. Ressalta-se que apenas o denominado de Pedra Branca, apresentou falha em sua série histórica, sendo substituído por alguns dados de seu vizinho mais próximo, com distância de dois quilômetros, o denominado de Açude Trapiá. Todos os dados foram retirados da Agencia Nacional de Águas (ANA), no site hidroweb. Sobre os produtos realizados para contextualização da interação, relevo e chuva, verifica-se a construção de perfis topográficos gerados pelo software Google Earth utilizando imagens LandSat – 8 e pelo software ArcGis 10.5.1, utilizando imagens Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), retiradas no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais,Topodata (INPE), com cartas, 05S405; 06S405; 06S42_; 05S42_. Para a construção do mapa, foi utilizada para compartimentação geomorfológica, o software ArcGis 10.5.1 com utilização também das mesmas imagens do satélite LandSat – 8, do software Google Earth e das cenas da SRTM retiradas no site do INPE. Já para espacialização das séries pluviométricas, foram construídas isoietas com dados da média pluviométrica dos últimos 16 anos, a partir da técnica da krigagem. Por fim, para delimitação das áreas desertificadas, foi utilizado o arquivo shape, com a última atualização, repassado pela FUNCEME, durante visita técnica.

Resultado e discussão

Compartimentação Geomorfológica A síntese dos compartimentos geomorfológicos está na Figura 1. A depressão sertaneja é o compartimento geomorfológico mais expressivo na área em estudo, e situa-se nas porções leste e oeste do maciço residual de Pedra Branca fazendo limite com bacias sedimentares do Iguatu e da Ibiapaba (SOUZA, 2000). Por conta da representatividade, diferentes padrões morfológicos de superfícies aplainadas e sua variação altimétrica, este compartimento foi dividido em dois (BRANDÃO, 2014). Na Depressão Sertaneja 1 (DS1) nota-se a presença de pediplanos bem elaborados, com vastas superfícies arrasadas, com altitude que variam de 250 a 350 metros e sendo embasada por rochas ígneo-metamórficas do Pré- Cambriano. A sua superfície dissecada apresenta solos rasos e é recoberta por caatingas xerófitas arbustivas, com drenagem de baixa densidade com baixa capacidade de entalhe (BRANDÃO, 2014). A depressão sertaneja 2 (DS2) apresenta o relevo mais dissecado, sob forte condicionamento estrutural, em especial, por zonas de cisalhamento Brasilianas. Em relação a DS1, apresentam maiores amplitudes altimétrica entre 350 e 450 metros e maior entalhamento. As rochas predominantes são as ígneo-metamórficas, recobertas por caatingas herbácea e arbustiva e com drenagem variando de média a baixa (BRANDÃO, 2014). O Maciço Residual Cristalino (MRC) apresenta as maiores amplitudes do contexto estudado, variando de 600 a 800 metros (SOUZA, 2000; BRANDÃO, 2014). Esse compartimento está sob o processo de recuo paralelo de suas vertentes, podendo formar em estágios avançados de dissecação, cristas e inselbergs (Figura 2), lembrando as notas feitas por King (1956). Tem-se como maior exemplo o maciço de Pedra Branca, formado rochas ígneo- metamórficas de idade pré-cambriana (BRANDÃO, 2014). Nesse contexto averígua-se que suas características, proporcionam situações de barlavento e sotavento, desenvolvendo-se uma vertente mais úmida, com presença de caatinga arbórea e uma vertente mais seca, com presença de caatinga herbácea e arbustiva. Por fim, as planícies fluviais (PF), que se desenvolvem por ação do forte entalhamento, ocasionado pela drenagem, são configuradas pelas baixas cotas altimétricas, estando posicionadas nos fundos de vales, recebendo toda a carga hídrica relativa ao caimento topográfico em sua volta. Apresenta-se como área de exceção no contexto das paisagens semiáridas, por existirem os melhores tipos de solos e de fontes hídricas, tendo como bioindicador as carnaúbas (SOUZA, 2000). Interação: Chuva e Relevo E fundamental a correlação entre a precipitação e os compartimentos de relevo. Na área em estudo nota-se a prevalência de quatro fatores climáticos atuantes: (a) os sistemas de leste, onde as massas equatoriais atuam se dirigindo para o oeste, potencializado pelos alísios; (b) os sistemas de oeste, que representam as linhas de instabilidade tropicais, que se deslocam para o leste; (c) o El Niño, que se desenvolve no oceano Pacífico e geram valores de pluviometria abaixo do esperado, configurando secas entre os intervalos de três a cinco anos; e (d) o sistema representado pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que atua no sentido nordeste/sudoeste (SILVA, 2007). A origem principal da pluviosidade na área é decorrente da ação da ZCIT, entre os meses de fevereiro a abril (NIMER, 1989). Neste período, as chuvas são irregulares e torrenciais. Nos outros nove meses, os volumes pluviométricos são pouco expressivos e somadas as elevadas temperaturas médias durante o ano, não possibilita o acúmulo hídrico de rios e açudes, prevalecendo à seca durante boa parte do ano. Na área de estudo, os sítios com as menores quantidades de chuvas, estão primordialmente desertificadas. Essa relação é visualizada em três perfis topográficos realizados no sentido W-E, com distâncias variando de 100 a 135 quilômetros e divididos no sentido N-S (Figura 3). No perfil A (Figura 3) visualiza-se o Maciço Residual de Pedra Branca. Este apresenta-se com maiores quantidades de chuva e está proporcionando para a depressão sertaneja desertificada, uma situação de barlavento. Quando comparadas os volumes de chuvas, percebe-se pouca variação entre a DS1/DS2 e o MRC. O perfil B (Figura 3), que corta a área de estudo ao meio, é o que melhor representa a dinâmica do relevo com a chuva. Na medida em que se têm a presença dos maiores compartimentos e da nítida situação de barlavento e sotavento. A DS1/DS2, posicionada a sotavento do maciço residual, apresenta menores quantidades de chuvas e está em processo de desertificação. Contudo a DS1/DS2, posicionada a barlavento do MRC, configurando-se por maior volume de chuvas e não está em processo de desertificação. Quando comparados todos os compartimentos geomorfológicos, verifica-se que os maiores totais pluviométricos, estão localizados na porção leste, configurada principalmente pela DS1/DS2. Percebe-se também que os totais pluviométricos, vistos no sentido E-W, diminuem gradativamente ao ir no sentido do MRC, chegando ao menor total pluviométrico, situado na periferia oeste do mesmo. Além disso, perceb-se o aumento na porção do extremo oeste, dos totais pluviométricos, ao se distanciar do maciço residual. No perfil C (Figura 3) verifica-se maiores quantidades de chuvas na DS1/DS2, que está possiocionada na porção oeste do maciço residual e menores quantidades de chuvas na depressão sertaneja, possicionada na porção leste do mesmo. Nesse perfil verifica-se uma dimuição graditiva dos totais pluviométricos, visto no sentido E-W. Entretanto, ao se distanciar do maciço residual que está na porção central do perfil e indo de encontro ao outro maciço residual possionando no extremo oeste do perfil, verifica-se que os totais pluviométricos aumentam gradativamente. Ressalta-se também, que a porção desertificada, está com as menores quantias médias de chuvas. Nota-se nos três perfis, que os fatores climáticos que têm movimentos preferencialmente nos sentidos E-W e NE-SE, estão interagindo com os diferentes relevos e proporcionando diferentes quantidades de chuvas. Observando-se que a diferenciação da topografia e da compartimentação geomorfológica, dentro de um contexto paisagístico de outros elementos naturais e sociais atuantes, está diretamente associada as médias pluviométricos. Em todos os perfis percebeu-se que a depressão sertaneja posicionada na porção leste do maciço residual, no caso, de Pedra Branca, esteve durante os último 16 anos, com maiores chuvas de todos os compartimentos geomorfológicos presentes e não se apresentando desertificada. Já a depressão sertaneja posicionada na porção oeste do maciço residual, apresenta-se com as menores quantidades de chuvas de todos os compartimentos geomorfológicos e está em processo de desertificação. Visto o principal conceito sobre a desertificação, como já tratado, percebe- se nos totais pluviométricos, um dos principais fatores delimitadores de áreas propícias para a desertificação. Nesse sentido, se a chuva varia conforme a diferenciação espacial do relevo e a mesma é um dos importantes fatores delimitadores de áreas propícias para a desertifcação, entende-se, que a geomorfologia dentro de um contexto de relações mútuas de elementos naturais, está influenciando na formação de paisagens desertificadas. Para uma melhor explanação dessa relação no contexto da desertificação, verifica-se na (Figura 4), a espacialização de isoietas com as médias pluviométricas dos últimos 16 anos, bem como, a delimitação dos compartimentos geomorfológicos e a poligonal de áreas desertificadas. Possibilitando visualizar claramente as médias pluviométricas nos diferentes compartimentos; as delimitações dos compartimentos geomorfológicos; em qual compartimento e em quais médias pluviométricas a desertificação está mais presente; comparar e interagir os diferentes tipos de relevos e de quantidades de chuvas; por fim, abordar a interação do relevo e da chuva, com a desertificação.

Figura 1: Síntese Geomorfológica de Independência-CE, Pedra Branca-CE,



Figura 2: Inselberg (Foto - A) e Maciço Residual (Foto - B), ambos no



Figura 3: Perfis topográficos A, B e C, relacionando o relevo e a chuv



Figura 4: Mapa de interação relevo – chuva. Fontes: Elaboração própri



Considerações Finais

Abordando apenas de forma natural e partindo das médias pluviométricas, influenciada dentre outros, pelos diferentes compartimentos geomorfológicos, acredita-se que ao longo do tempo, as paisagens que receberam maiores quantidades de chuvas, tiveram como reflexos diretos, um maior adensamento de caatingas, uma maior proteção pedológica aos efeitos torrenciais, uma maior fixação hídrica no subsolo, uma maior prevalência da fauna silvestre e um maior acúmulo hídrico superficial. Já em paisagens com poucas quantidades de chuvas, verifica-se a presença de caatingas mais espaçadas, menor proteção dos solos aos efeitos torrenciais, afloramento rochoso, menor ou inexistência de fixação hídrica no subsolo, êxodo da fauna silvestre e um menor acúmulo hídrico. Imagina-se esses cenários, quando associados à desertificação a essas áreas com menores quantidades de chuvas, como ocorridos na área estudo. Percebe-se que além das limitações e característas naturais, existe uma forte influência degradacional imposta pelo ser humano, principalmente pela constante extração vegetal, queimadas e pecuária extensiva. Possibilitando com a pesquisa, considerar que a desertificação presente na área de estudo, além dela ser frutos de fatores antrópicos e climáticos, a mesma está sendo influenciada pela atuação, relevo e chuva.

Agradecimentos

Referências

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