Autores

Cavalcante, D.R. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE) ; Silva, I.B. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE) ; Bastos, F.H. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE)

Resumo

O município de Tejuçuoca localiza-se na microrregião do médio Curu, região norte do Ceará, possuindo uma área de aproximadamente 750 Km2, sendo composto pela sede municipal de Tejuçuoca e Caxitoré, seu único distrito. O objetivo do referido trabalho é caracterizar os aspectos geológicos e geomorfológcos do município em questão. Para chegar ao objetivo proposto foram realizados levantamentos bibliográficos e cartográficos, bem como trabalhos de campo. No que diz respeito aos seus aspectos geológicos, o município possui substrato litológico do Complexo Ceará, com predominância de rochas das unidades Canindé e Independência, onde há primazia de rochas metamórficas datadas do pré- cambriano. Observou-se a depressão sertaneja como principal feição geomorfológica, além dos relevos residuais, as planícies fluviais e os relevos cársticos. Dessa forma o presente trabalho busca subsidiar futuros trabalhos como, por exemplo, análises ambientais integradas, zoneamentos e ordenamento territorial.

Palavras chaves

ORDENAMENTO TERRITORIAL; RIO CAXITORÉ; RELEVO CÁRSTICO

Introdução

A Geomorfologia surgiu como ciência formal no século XIX, no entanto suas bases já vinham sendo construídas desde séculos passados como, por exemplo, nos séculos XVI e XVII, onde houve tentativas de explicações da formação do relevo terrestre, sobretudo dos vales fluviais, podendo ser citados nomes como Domenico Guglielmini, Leonardo da Vinci e Bernard Palissy (GAMA; DIMUCCIO, 2013), bem como através de contribuições no século XVIII, sendo observado um aumento gradativo de pesquisas nesse campo de estudo, através de contribuições de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, porém com maior participação de pesquisadores da Geologia, como James Hutton, JhonPlayfair, Charles Lyell, entre muitos outros (PENTEADO, 1983). A Geologia e a Geomorfologia possuem estreitos laços colaborativose são ciências que dãosignificativas contribuições para o fortalecimento das geociências de modo geral, mas também têm importância quando o assunto é ciências humanas, tendo em vista que a Geologia e a Geomorfologia constituem o suporte das interações naturais e sociais (CASSETI, 1995). Dessa forma, estudos de cunho geológico e/ou geomorfológico podem contribuir para gestão e ordenamento territorial, bem como na prevenção de desastres naturais através de estudos de modelagens ambientais. Bastos e Cordeiro (2012) destacam que os processos envolvidos na elaboração das paisagens, envolvem uma notável complexidade natural, demandando assim, uma perspicácia acurada do pesquisador junto a um censo crítico para identificar o verdadeiro papel de cada componente ambiental. Dentre os vários componentes ambientais, pretende-se aqui, destacar a Geologia e a Geomorfologia do município de Tejuçuoca através da caracterização, bem como do mapeamento de ambos os componentes. Tal município localiza-se na microrregião do médio Curu, região norte do Ceará, possuindo uma área de aproximadamente 750 Km2, sendo composto pela sede municipal e Caxitoré, seu único distrito. Tejuçuoca situa-se a cerca de 140 Km da capital Fortaleza, tendo como principal via de acesso a BR – 222.Os limites municipais correspondem aos municípios de Itapajé e Irauçuba ao norte; Irauçuba e Canindé ao sul; General Sampaio, Apuiarés, Pentecoste e Itapajé a leste; por fim Irauçuba a Oeste (CEARÁ, 2016).

Material e métodos

O referido estudo foi dividido em três etapas visando uma melhor organização e evolução do estudo para se chegar aos resultados almejados. A divisão das etapas se deu em levantamento bibliográfico/cartográfico, trabalhos de campo e a integralização dos dados obtidos. A primeira etapa consistiu em levantamentos bibliográficos de caráter interdiciplinar, onde se buscou por estudos já realizados no município de Tejuçuoca (MAPURUNGA, 2002; XIMENES, 2005). Já para os estudos setorizados foram levantadas as bibliografias especializadas, sendo utilizadas bibliografias geológicas (BRITO NEVES, 1999; MABESSONE, 2002; CAVALCANTE; PADILHA, 2005; ARTHAUD, 2007), bem como geomorfológicas (SOUZA, 1988; PEULVAST; CLAUDINO SALES, 2002, 2006; BÉTARD; PEULVAST, 2011). No levantamento cartográfico, os mapas mais consultados para uma melhor interpretação da área de estudo foram o mapa geológico da CPRM (BRASIL, 2003) na escala de 1:500.000, o mapa morfoestrutural do Ceará e adjacências de Peulvast e Claudino Sales (2003) na escala de 1:500.000, além de imagens ALOS PALSAR da área de estudo. Realizou-se também trabalhos de campo na área de estudo, onde se buscou identificar as principais formas de relevo do município, em ambos os campos foram utilizados os mapas geológico e morfoestrutural. Por fim, na integralização dos dados obtidos foram elaborados dois mapas temáticos do município em questão, sendo eles os mapas geológico e geomorfológico. O mapa geomorfológico só pôde ser concluído graças aos trabalhos de campo, sendo que sem estes o mapa ficaria no mínimo incompleto.

Resultado e discussão

A área de estudo está inserida no setor setentrional da Província Borborema, onde, seu passado geológico compreende uma complexa história evolutiva, marcado por processos tectônicos de aglutinações e dispersões de grandes massas continentais durante sua longa e ainda contínua evolução (MABESSONE, 2002), sendo quatro processos de fusão e quatro de fissão os principais responsáveis por sua atual configuração (BRITO NEVES, 1999). Dois grandes eventos tectônicos dos quatro referidos tiveram papéis importantes para a formação do que se conhece hoje como Província Borborema, o primeiro foi a colagem Brasiliana/Pan Africana, ocorrida no Neoproterozóico que correspondeu à formação do supercontinente Gondwana através da coalescência de fragmentos de outro supercontinente denominado Rodínia (BRITO NEVES, 1999). A partir do Ordoviciano Brito Neves (1999) afirma que houve um grande período de estabilidade, que em alguns domínios chegou até o final do Jurássico, onde neste caso a estabilidade perdurou por cerca de 350 Ma. Provavelmente, foi nesse período de estabilidade tectônica citado anteriormente, marcado por grande calmaria e predomínio de processos erosivos, que se desenvolveu a superfície Gondwana, considerada a superfície mais antiga entre as quatro superfícies de aplainamento identificadas por King (1956). O segundo evento, não menos importante, corresponde ao processo de fissão de Pangea, onde uma série de fatos culminou na separação do supercontinente Gondwana por processos de tafrogênese seguidos de rifts, individualizando os continentes Africano e Sul-Americano como se conhece no presente. Cabe aqui destacar a importância de outros eventos orogenéticos que tiveram expressiva participação na gênese do arcabouço geológico da Província Borborema, no caso, cita-se aqui, o exemplo do ciclo orogênico Cariris Velhos que antecedeu a orogênese Brasiliana (BRITO NEVES, 2011). A área de estudo encontra-se no bloco tectônico denominado Domínio Ceará Central, onde seus limites correspondem à zona de cisalhamento Sobral-Pedro II a oeste e a leste pela zona de cisalhamento de Senador Pompeu (BRASIL, 2003). O Domínio Ceará Central de acordo com Arthaud(2007) é formado principalmente por rochas do Complexo Ceará e da Unidade Acopiara. Arthaud (2007) afirma que o Complexo Ceará é uma sequência proterozóica de margem passiva, onde sua deposição se iniciou em torno de 800 Ma, em consequência de um rifting e afinamento crustal, que também formou um oceano, logo após esse processo houve o fechamento do oceano, onde essa sequência foi envolvida numa colisão sofrendo grande metamorfismo. A litoestratigrafia do Complexo Ceará (Figura 1) é dividida de acordo com Brasil (2003) em Unidade Canindé, Unidade Independência, Unidade Quixeramobim e, por fim, Unidade Arneiroz. A área de estudo é constituída por rochas do Complexo Ceará, principalmente representada pelas Unidades Canindé e Independência com primazia de litologias metamórficas. A Unidade Canindé apresenta a maior abrangência espacial da área de estudo. De forma generalizada, predominam rochas metamórficas, tais como, gnaisses de origem sedimentar e magmática, migmatitos, lentes de quartzitos, rochas calcissilicáticas e calcários cristalinos (CAVALCANTE; PADILHA, 2005). Na Unidade Independência também prevalece a ocorrência de rochas metamórficas, tendo como exemplos os xistos, quartzitos, gnaisses, calcários cristalinos (mármores) e rochas calcissilicáticas (CAVALCANTE; PADILHA, 2005). Os mármores encontram-se bastante fraturados e dobrados em sentidos multi- direcionais, além disso, pode-se identificar o alto grau de impurezas nos mármores que afloram na região. Tais impurezas ocorrem por toda a estrutura carbonática, sendo que em alguns locais existe a presença de cristais de quartzo, por vezes apresentando arestas arredondadas, lembrando seixos. Esses eventos geológicos, de fato, tiveram repercussões na configuração do relevo regional. Para Maia, Bezerra e Claudino Sales (2010), o relevo do Nordeste brasileiro é condicionado por importantes eventos tectônicos e paleoclimáticos ocorridos no passado, tendo como principais eventos tectônicos a orogênese Brasiliana e a reativação cretácea. De acordo com Bétard e Peulvast (2011), após a orogênese Brasiliana, ocorreram dois importantes eventos geodinâmicos para o relevo regional, o primeiro ligado ao rifting intracontinental no Cretáceo inferior e o outro evento está relacionado à abertura do oceano Atlântico. O rifting intracontinental ocorrido no Cretáceo inferior soergueu expressivos volumes montanhosos ao longo de estruturas de rifts abortados que se alinham por todo o eixo Cariri-Potiguar (BÉTARD; PEULVAST, 2011). Esses volumes montanhosos soerguidos representam os ombros de rifts oriental e ocidental da zona de rift Cariri-Potiguar. Peulvast e Claudino Sales (2006) explicam que o soerguimento dos ombros em ambos os lados pode não ter ocorrido de forma homogênea, onde se verificou diferenças significativas nos movimentos tectônicos entre os dois compartimentos, nesse caso o ombro noroeste possui topografias mais expressivas. Essa diferença topográfica entre os ombros de rifts pode ter ocorrido tanto por soerguimento diferencial durante o rifting intracontinental, como por soerguimentos causados por eventos tectônicos posteriores (PEULVAST; CLAUDINO SALES, 2006), porém não se pode descartar as diferentes resistências litológicas em ambos os lados, ressaltando a erosão diferencial como um importante aspecto na morfogênese regional. A área de estudo está inserida no domínio das depressões intermontanas e interplanálticas semiáridas com áreas de fraca decomposição de rochas, drenagens intermitentes sazonais e uma considerável irregularidade no volume global de precipitações (AB’ SÁBER, 2003). A Geomorfologia regional da área de estudo (Figura 2) compreende uma vasta superfície de aplainamento, denominada regionalmente como Depressão Sertaneja e documenta o produto final da evolução geomorfológica dessa área a partir de ciclos erosivos em climas secos. Esta superfície é intercalada por relevos residuais como inselbergs, pequenas cristas e alguns esporões, estes representando continuidades da serra do Machado. Existem também as planícies fluviais relacionadas ao rio Caxitoré, importante afluente do rio Curu e por fim os relevos cársticos objeto desse estudo. A Depressão Sertaneja é a feição geomorfológica mais abrangente da área de estudo e corresponde à superfície de aplainamento sobre rochas metamórficas da Unidade Canindé. A depressão sertaneja local apresenta-se com uma topografia levemente rugosa a horizontalizada em alguns setores. A planície fluvial do rio Caxitoré localiza-se no setor ocidental do município de Tejuçuoca. Aparentemente a planície apresenta uma sequência de terraços fluviais encaixados com presença expressiva de sedimentos aluviais, onde o rio Caxitoré demonstra ter claramente um condicionamento estrutural, pois em algumas áreas o rio segue drenando entre duas zonas de cisalhamento. Os relevos residuais (Figura 3A) locais rompem a planura da depressão sertaneja e são caracterizados por sobressaltos topográficos, justificados por erosão diferencial, tendo em vista a maior resistência das rochas que os compõe. Comumente encontram-se inselbergs, cristas e esporões representando continuidades do maciço cristalino do Machado. É comum a ocorrência de microformas nos inselbergs, como a presença de taffoni. Os relevos cársticos (Figura 3B) aqui mencionados se encontram na vertente setentrional da serra do Machado num esporão da referida serra que, segundo Ximenes (2005), recebe localmente o topônimo de serra da Catirina e está localizado no extremo SW do município, apresentando-se como um relevo ruiniforme acima das superfícies sertanejas, possuindo topografias que se aproximam da cota 400 m.

Figura 1:

Mapa geológico do município de Tejuçuoca.

Figura 2:

Mapa geomorfológico do município de Tejuçuoca.

Figura 3:

Em (A) exemplo de relevo residual, no caso, um inselberg com presença de Taffoni; (B) As setas em amarelo indicam onde ocorrem os relevos cársticos.

Considerações Finais

O referido estudo apresentou de forma sucinta uma caracterização dos aspectos geológicos e geomorfológicos que compreende o município de Tejuçuoca, localizado no setor centro-norte do Ceará. Nesse contexto Tejuçuoca apresenta uma dinâmica particular, onde na sua geologia há primazia de rochas metamórficas e seu relevo apresenta significativa heterogeneidade com feições erosivas, residuais e deposicionais. Desta forma, o presente estudo busca servir de base para estudos futuros mais detalhados sobre as diversas temáticas ambientais no município de Tejuçuoca, tais como estudos geomorfológicos, zoneamentos, estratégias de ordenamento territorial, análises ambientais integradas, entre outros.

Agradecimentos

Referências

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