Autores

Madureira, E.A.L. (UERJ) ; Silva, A.L.C. (UERJ) ; Macedo, A.V. (UERJ) ; Carvalho, D.G. (UFF)

Resumo

O presente trabalho objetivou caracterizar o lixo encontrado nas praias de Dois Rios e Lopes Mendes (Angra dos Reis, RJ) quanto à origem, composição e distribuição, assim como, averiguar a presença de microplástico na área de estudo. Foram realizados 5 pontos de monitoramento entre as praias (inverno, 2015; verão, 2016). Plástico e matéria orgânica são os materiais predominantes em Lopes Mendes e Dois Rios, respectivamente. Verificou-se uma maior concentração de lixo em Lopes Mendes, principalmente no meio do arco praial e setor sudeste. Apesar do maior fluxo de turistas no setor noroeste o lixo é recolhido por ambulantes, o que não ocorre nas demais áreas. Em Dois Rios o acúmulo de plástico na faixa de areia provém principalmente do comércio local. O lixo encontrado nessas praias se encontra desgastado e é proveniente de fonte marinha. Constatou-se também a presença de microplásticos nas praias, com destaque para os tipos fragmentos e fibras.

Palavras chaves

Poluição marinha; Praias; Ilha Grande

Introdução

A Ilha Grande está localizada em Angra dos Reis, no litoral sul do estado do Rio de Janeiro (Figura 1). Nos últimos anos essa área vem apresentando problemas em decorrência da grande quantidade de resíduos sólidos produzidos na Ilha, principalmente nos períodos de férias e feriados, quando o fluxo e o número de visitantes aumentam bastante e, com isso, a quantidade de resíduos acumulados neste ambiente se eleva (PRADO, 2003). O acúmulo de resíduos em diferentes locais tende a causar sérios danos sociais e ambientais, principalmente naquelas áreas cuja economia depende em grande parte de um conjunto de atividades relacionadas ao turismo (rede hoteleira, navegação, pesca, etc.), assim como, a biota marinha que em geral é diretamente afetada por materiais, em especial aqueles flutuantes. Nos litorais em geral predominam dois tipos de resíduos sólidos: (1) aqueles provenientes de fonte local, normalmente deixado por banhistas e moradores; (2) e o resíduo não local, quando provenientes das correntes marinhas e da dinâmica de ondas e marés junto à costa. O monitoramento de resíduos sólidos nos litorais e o conhecimento da origem destes materiais são necessários para que se possa compreender o grau de impacto no ambiente e nos ecossistemas costeiros, na saúde humana e na economia (SANTOS et al., 2008). De acordo com Frias et al. (2011) e Moore et al. (2011), apud Santana Neto et al. (2016), os itens que possuem plástico em sua composição representam a categoria mais encontrada entre os resíduos sólidos presentes nos mais diversos ambientes, conforme apontado pela maioria dos estudos relacionados à quantificação e composição do lixo marinho. A Ilha Grande (Figura 1) possui cerca de 80 praias distribuídas ao longo de 155 km de litoral (BAPTISTA, 2017). As praias de Dois Rios e Lopes Mendes, selecionadas para este estudo, estão localizadas na borda sul-oriental da Ilha Grande e voltadas para o oceano, portanto expostas à aproximação de ondas de tempestades (GRALATO et al. 2015). A praia de Dois Rios (Figura 1) possui cerca de 1.300 m de extensão e está localizada dentro de uma enseada, limitada nas suas extremidades por rios, o que deu origem ao nome desta praia. Nessa área, está localizada a Vila de Dois Rios, com cerca de 150 moradores, e o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS-UERJ). Esta praia apresenta um perfil suave, com deslocamento expressivo da linha d’água em resposta as variações nas condições de mar e de maré (GRALATO, 2016). A praia de Lopes Mendes, com 2.500 m de extensão é limitada por promontórios em ambas as extremidades. O mar é geralmente agitado devido a exposição direta à entrada de ondas na enseada, que incidem na praia com grande energia alcançando cerca de 3 metros de altura durante a ocorrência de ressacas (GODOI et al., 2011). A praia de Lopes Mendes é dinâmica, com variações expressivas na morfologia e na largura; apresenta forte corrente de deriva litorânea predominando para oeste no meio do arco praial, formando extensos canais na face de praia (GRALATO, 2016).

Material e métodos

A metodologia da pesquisa contou com dois trabalhos de campo realizados nas estações de inverno (2015) e verão (2016). A partir disso, foi feita a contagem, identificação e classificação dos materiais encontrados no pós- praia (parte emersa da praia). No total, foram selecionadas 5 áreas de monitoramento, sendo 2 na praia de Dois Rios e 3 em Lopes Mendes. Os locais foram definidos com base na extensão e localização do arco praial. Foram selecionadas áreas no pós-praia com dimensões de 10 x 50 metros. Os materiais encontrados nas praias estudadas foram contados, catalogado e fotografado, para a posterior caracterização e verificação do estado de preservação destes, necessário para se entender a relação entre as áreas fonte e a distribuição. Os resultados foram processados no software Microsoft Excel, onde foram confeccionados gráficos e tabelas, contendo a quantidade, o tipo de material e demais informações. Com o objetivo de verificar a existência de micropartículas de plásticos em meio a areia da praia foram coletados cerca de 200 gramas de sedimentos na região do pós-praia. No laboratório, foi utilizada a metodologia empregada por Carvalho (2016) para a extração de microplásticos presentes nos materiais das praias. A amostra de sedimento superficial da praia foi colocada em um balde contendo água hipersalina, permitindo a flutuação e posterior separação dos resíduos de plásticos. Em cada balde foi adicionada uma quantidade de água 1,5 a 2 vezes maior do que o volume da amostra. Foi adicionada 140 g de NaCl para cada litro de água, conforme o método proposto por Thompson et al. (2004), citado por Carvalho (2016). O balde contendo a solução hipersalina e a amostra foi agitado por um período de três a quatro minutos. Após este procedimento, aguardou-se o tempo necessário para que os sedimentos estivessem decantados no fundo do balde. A partir de então, os microplásticos presentes nas amostras foram removidos da superfície da água, utilizando-se uma pequena jarra de vidro. O conteúdo flutuante foi coletado e transferido para um filtro de papel (4,7mm), permitindo a separação do material flutuante; os filtros foram identificados e posteriormente secos. Os resíduos sólidos foram transferidos para a placa de petri e analisados em uma lupa binocular, para a identificação e classificação dos mesmos.

Resultado e discussão

Os resultados obtidos por meio dos monitoramentos realizados nas praias estudadas entre as estações de inverno e verão (2015 e 2016, respectivamente), apontam para uma maior concentração de resíduos em Lopes Mendes, com destaque para o meio do arco praial (área do setor 2) e setor sudeste (área do setor 1) (Tabela 1; Figuras 2 e 3). Apesar do maior fluxo de turistas no extremo noroeste (área do setor 3), o lixo é diariamente recolhido pelos ambulantes que trabalham neste local, o que não ocorre nas demais áreas. Em Dois Rios a concentração de materiais foi maior no meio do arco praial (área do setor 2 – Tabela 1; Figuras 2 e 3). Neste local, principalmente no verão, existe um fluxo maior de turistas e um comércio incipiente que, possivelmente, pode estar contribuindo com o descarte irregular de lixo na praia. Em ambas as praias estudadas, o plástico representa o lixo mais facilmente identificado, totalizando 443 itens, o que equivale a 55% de todo o material encontrado, considerando ambas as estações (Tabela 1; Figuras 2 e 3). A decomposição do plástico acontece de forma lenta e geralmente leva alguns poucos séculos para que a total degradação do material venha a ocorrer. Os materiais mais leves, como o plástico tendem a flutuar e são facilmente transportados pelas correntes costeiras ao longo da costa e pela ação dos ventos. Dessa forma, podem ser transportados por longas distâncias como ressaltado por Santos et al. (2008). A maior concentração de resíduos compostos por plástico nas praias de Dois Rios e Lopes Mendes constitui um problema e representa uma ameaça para a fauna costeira e marinha da Ilha Grande. A depender do tipo e forma do lixo (materiais cortantes, perfurantes, etc.), os riscos se estendem também aos banhistas e frequentadores dessas praias. Fezes de animais foram encontradas em toda a extensão da praia de Dois Rios (Figuras 2 e 3), possivelmente, de um grupo de capivaras frequentemente avistadas na praia durante a noite. Cordas, madeira, um balde de obra e até mesmo uma bóia de navio (com cerca de 2 m de diâmetro e 2,5 de comprimento) estão entre os materiais encontrados nas praias estudadas (Figuras 2 e 3). Esse tipo de material é, de certa forma, estranho ao ambiente de praia, considerado por Santos et al. (2008) como lixo “não local”, proveniente do ambiente marinho. Tratam-se de materiais possivelmente transportados de outras áreas por correntes costeiras e depositados sobre a faixa de areia da praia. Uma boa parte dos resíduos encontrados nessas praias apresenta-se bastante desgastado, provavelmente devido ao elevado tempo de exposição subaérea e pelo retrabalhamento pela dinâmica de ondas e correntes. Apesar do ligeiro aumento na quantidade de lixo no verão (Figuras 2 e 3), a maior parte dos materiais encontrados parece ser proveniente de fontes externas, neste caso o mar. Trata-se de materiais comumente descartados no mar por embarcações de diversos tamanhos, como traineiras, lanchas, barcos de pesca e até mesmo navios e plataformas de petróleo. A análise do conteúdo de micropartículas de plástico nos sedimentos superficiais da praia permitiu verificar a presença destes materiais em meio aos grãos de areia em cada setor dos ambientes praiais estudados. Os resíduos sólidos considerados como sendo microplásticos apresentam, em geral, diâmetro inferior a 5 mm (BROWNE, 2007; apud CARVALHO, 2016), o que nem sempre é uma regra geral estabelecida. Diversos autores divergem acerca dessa questão. Entre as micropartículas de plástico encontradas estão principalmente as do tipo fibra e fragmentos (Figura 3 O a T); poliestireno (isopor) e pellet não foram identificados nas análises. Estes pequenos resíduos podem ser gerados no próprio ambiente aquático, por meio da fotodegradação e pela degradação mecânica. Segundo Browne et al., (2007) apud Carvalho (2016), a incidência de ondas e abrasão por sedimentos, também contribuem para o retrabalhamento dos microplásticos, tornando-os ainda menores, o que não os torna menos degradantes ao meio ambiente. Apesar das contribuições dadas por diversos autores (IVAR DO SUL e COSTA, 2007; SANTOS et al., 2008; COSTA et al., 2010; FISNER et al., 2013; ALONSO, 2014; apud CARVALHO, 2016), o impacto das micropartículas de plásticos em ambientes costeiros ainda é pouco conhecido, o que aumenta a necessidade de novas pesquisas envolvendo um aprofundamento teórico-metodológico e a investigação dos impactos causados por esses materiais em litorais no Brasil e no mundo. A poluição por microplásticos vem sendo observada em diversas partes do litoral brasileiro e em diversos estudos (IVAR DO SUL e COSTA, 2007; SANTOS et al., 2008; COSTA et al., 2010; FISNER et al., 2013; ALONSO, 2014; apud CARVALHO, 2016). A presença de microplásticos em praias da Baía de Guanabara foi estudada de forma pioneira por Carvalho e Baptista Neto (2016) e Carvalho (2016). Esses autores identificaram altas concentrações de microplásticos nos sedimentos presentes nas praias e no fundo da Baía de Guanabara.

Figura 1

Mapa de localização de Ilha Grande. Fonte: Evelyn de Castro, 2016.

Figura 2

Resultados dos monitoramentos das praias estudadas durante o inverno (2015) e verão (2016).

Figura 3

Composição do lixo monitorado nas estações de inverno 2015 e verão 2016.

Figura 4

Tipos de lixo catalogados nos monitoramentos das estações de inverno 2015 e verão 2016.

Considerações Finais

As praias de Dois Rios e Lopes Mendes na Ilha Grande, apesar de estarem entre as mais belas do Brasil e estarem entre as praias mais visitadas da ilha, apresentam problemas devido à poluição por resíduos sólidos. Uma quantidade expressiva de resíduos foi identificada na faixa de areia emersa, principalmente em praia de Lopes Mendes, que é uma das mais visitadas da região, o que pode causar danos à fauna costeira e marinha e a saúde dos frequentadores. O plástico e a matéria orgânica animal representam os materiais predominantes nas praias de Lopes Mendes e Dois Rios, respectivamente. Em ambas as praias, a presença de latas de óleo, boias de navio, cordas, madeira modificada, entre outros, encontram-se em grande parte desgastados pela dinâmica costeira e parecem ser provenientes de fonte marinha, o que merece especial atenção das autoridades competentes. A presença de microplásticos na parte emersa de ambas as praias, com destaque para as fibras e fragmentos de plásticos, evidencia que os resíduos se encontram a bastante tempo sendo retrabalhados no ambiente costeiro e representam uma ameaça aos ecossistemas costeiros e aos banhistas.

Agradecimentos

Agradecimentos especiais ao CEADS-UERJ por disponibilizar as instalações na Ilha Grande e ao INEA-RJ pela autorização concedida para a realização do presente estudo. Agradecemos também ao Departamento de Geografia da FFP-UERJ.

Referências

CARVALHO, D. G. Poluição por microplástico em praias e sedimentos de fundo da Baía de Guanabara, RJ. 2016. Dissertação (Mestre em Dinâmica dos Oceanos e da Terra) – UFF / Universidade Federal Fluminense. Instituto de Geociências, Departamento de Geologia Marinha.
CARVALHO, D. G.; BAPTISTA NETO, J. A. 2016. Microplastic pollution of the beaches of Guanabara Bay, Southeast Brazil. Ocean e Coastal Management, 128, 10-17.
GODOI, V. A., CALADO, L., WATANABLE, W. de B., YAGINUMA, L. E., Bastos, M. Evento extremo de ondas na Baía da Ilha Grande: um estudo de caso. Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, Campos dos Goytacazes/RJ, v. 5 n. 2, p. 27-44, jul. / dez. 2011.
GRALATO, J. C. A.; SILVA, A. L. C.; SILVESTRE. C. P.; BATISTA, A. S. 2015. Caracterização fisiográfica e textural das praias no litoral oriental da Ilha Grande no município de Angra dos Reis, RJ. Anais do XVI Simpósio de Geografia Física e Aplicada. Teresina, pp. 1720-1727.
GRALATO, J. C. A. Dinâmica costeira e vulnerabilidade do litoral oriental da Ilha Grande (Angra dos Reis - RJ) às ondas de tempestades. 2016. 138f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
FISNER, M. Grânulos plásticos em praias arenosas: avaliação de um método amostral quantitativo e da contaminação química. 2012. Tese (Doutora em Ciências) – USP / Universidade de São Paulo. Programa de oceanografia, área de oceanografia biológica.
PRADO, R. M. 2003. Tensão no Paraíso: Aspectos da Intensificação do Turismo na Ilha Grande. Caderno Virtual de Turismo. Vol. 3, N° 1.
SANTANA NETO, S. P.; SILVA, I.R.; BITTENCOURT, A. C. S. P. Distribuição do lixo marinho e sua interação com a dinâmica de ondas e deriva litorânea no litoral norte do Estado da Bahia, Brasil. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 35, n. 2, p.231-246, 2016.
SANTOS, I.R., WALLNER-KERSANACH, M., BAPTISTA NETO, J. A., 2008. Poluição marinha, por resíduos sólidos. pp. 309-330.