Autores

Ximenes Neto, A.R. (LGCO/UECE) ; Bezerra, G.G. (LGCO/UECE) ; Pessoa, P.R.S. (LGCO/UECE) ; Morais, J.O. (LGCO/UECE) ; Pinheiro, L.S. (LABOMAR/UFC)

Resumo

O objetivo deste estudo foi classificar a geomorfologia do sistema desembocadura do Rio Coreaú (Ilha do Amor, canal e margem esquerda). A partir da realização de modelos digitais topobatimétricos (LIDAR, estação total e batimetria) e atividade de campo foi possível interpretar os padrões morfológicos da área. A margem esquerda apresenta feições erosivas associadas à retrogradação de uma falésia costeira (seção basal dobrada) do Grupo Barreiras e consequente formação de uma plataforma de abrasão. A margem direita é composta pela Ilha do Amor que apresenta dunas, ripples, face de praia e berma e a planície intertidal, além de um grande banco com sobreposição de dunas e ripples. O canal principal do Coreaú é confinado entre estas margens e possui uma grande depressão batimétrica na forma de calha. Destaca-se que a associação entre processos modernos (vento, deriva litorânea, ondas e maré) e pretéritos (neotectônica) foram fundamentais para o atual padrão fisiográfico da foz do Coreaú.

Palavras chaves

Barreira Costeira; Grupo Barreiras; Dunas Costeiras

Introdução

O objetivo da pesquisa foi classificar os padrões morfológicos associados à foz do Rio Coreaú, costa Norte do Estado do Ceará, Brasil. A bacia hidrográfica do Rio Coreaú drena uma área de 10.633,66 km² (7% do território cearense) (COGERH, 2009). O seu baixo curso é caracterizado por um vale estuarino encaixado em um relevo tabuliforme com fracas dissecações da Formação Barreiras (SOUZA, 1981). Os principais sistemas morfológicos da planície flúvio-marinha do Coreaú são as planícies de maré, arenitos de praia, paleoplataformas de abrasão, terraços marinhos, falésias mortas e ativas, campos de dunas, bancos areno-argilosos e canais (MEIRELES e SILVA, 2002). De acordo com Colares (2015) o estuário do Rio Coreaú apresenta um cenário de assoreamento, com sedimentação com forte influência marinha. Segundo Rodrigues (2014) a região próxima a foz (margem leste) apresenta altas taxas de sedimentação (até 1 cm/ano). O principal agente hidrodinâmico que controla os processos advectivos e de sedimentação no estuário do Coreaú são as marés, destaca-se que na região da foz é evidenciada uma elevada hidrodinâmica com predomínio de sedimentos grossos (COLARES et al., 2016). Na foz do Coreaú é identificado um sistema de barreira costeira (a Ilha do Amor) que é associada aos processos morfosedimentares (deriva litorânea, vento, ondas). Segundo Pitombeira (1976) o crescimento lateral deste cordão arenoso foi responsável pela migração para Oeste da atual desembocadura, ainda destaca que este deslocamento para Oeste está cessado, pois a margem esquerda é composta por materiais rochosos (Barreiras). Ressalta-se que esta costa apresenta regime de mesomaré com periodicidade semidiurna e possui a predominância de ondas do tipo Sea (80%) e secundariamente ondas do tipo Swell (20%) (PINHEIRO et al., 2016).

Material e métodos

A pesquisa foi dividida em duas etapas: Gabinete e Campo. A etapa de Gabinete foi responsável pela delimitação da área, atividade pré-campo, processamento e interpretação de dados primários (perfis topográficos) e secundários (carta náutica, Google Earth, LIDAR). Na etapa de campo, foram realizados quatro perfis topográficos com uma estação total (modelo Topcon GTS – 236W) na margem esquerda da foz do Coreaú. Além de registros fotográficos, descrições e medição morfológicas (margem esquerda e Ilha do Amor). Destaca-se que cada medida (y) um ponto foi marcado (x, y) com um GPS Garmin etrex 20. O cálculo do Referencial de Nível de cada ponto foi calculado em relação à cota zero da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), para isto foi utilizado da Tábua de Maré do Porto de Luís Correia (Piauí). Para análise da batimetria do canal do Coreaú foi utilizado da Carta Náutica 601 da DHN. Esta foi georreferenciada no software Qgis 2.12 e posteriormente foi realizada a etapa de digitalização da carta (x, y e z) no software Surfer 11. Os dados topográficos da Ilha do Amor (margem direita) foram adquiridos junto a Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (SEMACE) através de dados de Light Detection And Ranging (LIDAR) realizados em 2014, apresentam resolução de 50 cm. As informações x, y e z foram extraídas no software Global Mapper 11. Com isto, os dados topográficos (LIDAR – Ilha do Amor e estação total – margem esquerda) e batimétricos (carta náutica 601) foram agrupados em um arquivo BLN. Posteriormente, foram gerados modelos topobatimétricos – contorno, 3D e perfis. As unidades geomorfológicas foram classificadas a partir destas ferramentas e descrições de campo, além do auxílio do Google Earth.

Resultado e discussão

A área de estudo abrange os sistemas morfosedimentares da Foz do Rio Coreaú, sendo três setores principais: A Ilha do Amor, o canal principal e a margem esquerda, figura 1. Esta desembocadura apresenta um canal confinado a uma grande barreira costeira (Ilha do Amor) de acreção lateral (L-W) na parte leste e falésias do Grupo barreiras na parte oeste. A margem esquerda apresenta um padrão erosivo ocasionado por 2 vetores principais (as ondas e a maré), sendo composta por falésias ativas em processo retrogradacional, uma ampla plataforma de abrasão, um platô com marcas de ravinamento erosivo, uma face de praia cascalhosa e dunas fixas em direção ao continente. Nas falésias, afloram duas formações do grupo Barreiras: a Formação Barreiras Indiviso (seção superior) e a Formação Camocim (seção basal). Segundo a CPRM (2003) a primeira é composta por arenitos argilosos e a segunda por ortoconglomerados oligomíticos. De acordo com Saadi e Torquato (1992), nestas falésias a Formação Camocim se apresenta dobrada e com presença de diques clásticos, demonstrando o importante papel da neotectônica na fisiografia costeira. A plataforma de abrasão apresenta o mesmo material da seção basal e larguras variando de 30 a 690 metros, figura 2. Em alguns locais no topo da falésia ocorre um setor relativamente plano com alguns ravinamentos, em seguida tem-se o capeamento eólico das dunas com vegetação pioneira. Destaca-se que várias feições ocorrem associadas à falésia, tais como pilares, blocos, cavernas e enseadas. A falésia por apresentar dobramentos na seção basal faz com que em alguns setores a seção superior fique exposta diretamente a ação hidrodinâmica, porém por ser de material semi-consolidado apresenta uma erodibilidade maior. Sendo assim, nestes setores a falésia se encontra mais recuada, já os setores mais resistentes são associados à Formação Camocim, figura 3. O canal principal do Rio Coreaú possui seu talvegue principal próximo a margem esquerda, sua principal incisão ocorre na foz e atinge profundidade de até -16 metros. Esta incisão principal ocorre confinada entre a margem esquerda e a Ilha do Amor. Associando formato de calha e diferença batimétrica de mais de 10 metros do seu curso normal, esta feição pode está associada à influência neotectônica, assim como se verifica na falésia dobrada. Destaca-se que a diferença altimétrica entre o topo falésia da margem esquerda e esta calha batimétrica é de ~23 metros. Desta forma, possivelmente este setor deprimido seja uma continuação do processo dúctil que ocorreu na falésia costeira. Bezerra et al., (2001) afirma que o nordeste brasileiro apresenta importantes indicadores de atividade neotectônica do Neógeno ao Holoceno, tais como as estruturas de liquefações em sedimentos aluviais. A margem direita é representada pela barreira costeira que forma a Ilha do Amor, ressalta-se também um grande banco intermarés e canais de maré. O sistema da barreira costeira é composto por diversas feições morfológicas: dunas (longitudinal, domo, nebkha, sombra, barcana, sand sheet, megarriples, blowouts), ripples, face de praia e berma e a planície intertidal. Destaca-se que o setor estudado é apenas o adjacente a foz, a Ilha do Amor apresenta mais de 5,5 km de comprimentos. Todas estas feições de dunas e ripples se apresentam nitidamente orientadas (ENE) pelo vento. Segundo Maia et al., (2001) a velocidade média do vento é de 7,9 m/s nesta região. O agente aerodinâmico (vento) mais a vegetação formam os principais fatores pelo alinhamento dos depósitos eólicos. Destacam-se sucessões de dunas longitudinais e blowouts. As dunas longitudinais possuem até 16 metros de altura, 480 metros de comprimento alinhados e 60 metros de largura. Alguns blowouts funcionam como lagoas interdunares no período chuvoso e podem apresentar depressões de até 3,5 metros. No setor norte destas dunas é verificado em corredores de deflação (alguns como blowouts) a presença de campos de megaripples, estas apresentam altura de até 20 cm e comprimento de até 4 metros. Foi evidenciada uma segregação granulométrica entre os setores mais elevados adjacentes a estas pequenas depressões que concentram as megarriples. Sendo que nestes setores mais elevados são verificados materiais mais grossos (como cascalho e conchas) e nos setores das megaripples os sedimentos são mais finos. Alguns eolianitos foram identificados nos corredores de deflação. A região entre marés da Ilha do Amor apresenta dois nítidos setores: uma planície intertidal (estirâncio inferior) com sedimentos arenosos finos e uma face de praia íngreme (estirâncio superior) com sedimentos arenosos grossos. Pinheiro et al., (2016) aponta que o estágio morfodinâmico destas praias com dois padrões de estirâncio são praias de terraços de baixa mar e reflectiva, típico de praias modificadas pela maré. Acima da Ilha do Amor e a leste do canal do Coreaú ocorre um grande banco arenoso, o qual é nitidamente orientado pela maré. Ele apresenta ~1,6 km de comprimento e largura entre 80 e 800 metros. Esta macrofeição arenosa é cortada por dois canais de maré. Neste banco intertidal é possível identificar outras formas de fundo sobrepostas, tais como ripples e principalmente dunas (2D e 3D). Segundo Ashley (1990), feições acima de 0,6 m de comprimento são consideradas dunas subaquosas. Destaca-se que as dunas identificadas sobrepostas ao banco apresentam orientações variadas, ressaltam-se alguns campos de dunas orientadas no sentido da maré enchente.

Figura 1

Localização da área de estudo – Foz do Rio Coreaú em Camocim, Ceará – Brasil.

Figura 2

Aspectos topográficos e batimétricos da foz do Rio Coreaú, CE (A e B). C – canal principal. D – dunas longitudinais. E – blowout. F – megaripples

Figura 3

Padrões morfológicos associados à foz do Rio Coreaú

Considerações Finais

A foz do Rio Coreaú apresentou uma gama de feições sedimentares que apontam para uma desembocadura fluvial de complexos vetores energéticos: maré (banco, ripples e dunas subaquosas), onda e deriva litorânea (ripples, barreira costeira) e vento (dunas de vários padrões e ripples eólicas), além da conjunção destes agentes na morfodinâmica da margem esquerda, fazendo com que apresente um padrão retrogradacional de falésias do Grupo Barreiras e formação de plataformas de abrasão. A erosão diferencial na falésia atua recuando mais a seção arenítico-lamosa. A seção basal conglomerática apresenta padrões fortemente dobrados, fazendo com que ora apresente a litofácies conglomerática exposta a ação marinho-abrasiva ora a litofácies areno-lamosa. Sendo assim, diversas feições ocorrem: enseadas, blocos, entalhes, pilares, cavernas. O canal principal do Coreaú apresenta-se confinado próximo a margem esquerda devido à acreção lateral da Ilha do Amor. A depressão batimétrica em forma de calha na foz, juntamente com o Barreiras elevado e dobrado da margem esquerda reforça a perspectiva de atividade neotectônica. Sendo assim, o atual padrão fisiográfico da desembocadura do vale estuarino do Coreaú apresenta na relação entre os processos modernos e herdados como fundamentais para a sua evolução durante o Quaternário.

Agradecimentos

A CAPES pelo financiamento da bolsa de mestrado, ao Projeto Pronex “Geodiversidades, Interações e Impactos Socioambientais no Sistema Praia-Plataforma da Costa Oeste do Estado do Ceará” e ao Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica – LGCO/PROPGEO/UECE.

Referências

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