Autores

Spanghero, P.E.S.F.S. (UNICAMP) ; Souza, S.O. (UNICAMP) ; Charles, R. (UNICAMP) ; Oliveira, R.C. (UNICAMP)

Resumo

A erosão costeira no trecho urbanizado da cidade de Alcobaça vem provocando mudanças na paisagem. Este processo é decorrente de processos e dinâmicas naturais próprios, mas também atribuídos a causas antrópicas como a ocupação antrópicas na linha de costa e alteração da mudança de uso e ocupação da terra ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Alcobaça que tem provocado à diminuição do fluxo de sedimentos e consequentemente o agravamento da erosão. Este estudo tem por objetivo identificar o comportamento da linha de costa da área urbana do município de Alcobaça, Bahia, a partir da análise multitemporal dos anos de 1984 e 2016. Para isso foi utilizado técnicas de geoprocessamento e sensoriamento em ambiente de sistema de informação geográfica na qual realizou o mapeamento da linha de costa.

Palavras chaves

Erosão Costeira; Linha de Costa; Alcobaça

Introdução

As zonas costeiras apresentam abundância de recursos naturais que atraem a ocupação e atividades humana. O último censo demográfico divulgado pelo IBGE (2010) constatou que 26% da população brasileira vive em municípios litorâneos, ou seja, mais de 50 milhões de pessoas. No que concerne o enfoque geográfico, as atividades desenvolvidas pelo ser humano no continente afetam diretamente a zona costeira, alterando os processos e as características físicas, químicas e biológicas deste sistema natural, acarretando graves problemas ambientais que muitas vezes são irreversíveis. (ANDRADE, DOMINGUEZ, 2002). A ocupação e urbanização da zona costeira, caso realizadas sem o devido planejamento, podem vir a ocasionar graves problemas decorrentes do desequilíbrio dos processos naturais, a exemplo da erosão costeira, entendido aqui enquanto um processo natural decorrente do balanço sedimentar negativo, associado a circunstâncias que podem ser atribuídos tanto para fatores naturais quanto para fatores antrópicos (WHITE, 1978). Desse modo, ao se estudar a variação da linha de costa, devemos levar em consideração as interferências antrópicas, próximas ou não da linha de costa, que acabam tendo um papel relevante no controle da dinâmica costeira, sem desconsiderar os condicionantes naturais (BIRD, 2008). Nas zonas costeiras as planícies são as áreas mais disputadas devido ao apelo paisagístico e turístico. No entanto, estas planícies configuram ambientes geomorfológicos muito dinâmicos e de elevada complexidade, visto que estão suscetíveis a ocorrência de processos oceânicos, continentais e atmosféricos em conjunto. Tendo em vista esses processos, as mudanças de posição da linha de costa costumam estar associadas a processos de elevação do nível do mar, alteração no balanço de sedimentos, movimentação tectônica, associados ou não a ação antrópica (CAMFIELD, MORANG, 1996). Dentre os elementos morfológicos da planície, tem-se a linha de costa que responde ao equilíbrio dinâmico de recepção e perda de matéria a partir dos processos erosivos, responsáveis pela elaboração dessa zona. Esses processos que moldam a linha de costa ao longo dos anos, ora causam erosão, ora causam acréscimo de sedimento. Dolan (1980) conceituou linha de costa como a interface entre a terra e o mar, sendo, portanto, uma linha móvel, marcado pela variação espaço temporal (BOAK, TURNER, 2005). Desta forma, as mudanças na posição da linha de costa habituam ser respostas aos processos costeiros atuantes que poderão vir a ocorrer em diferentes intervalos temporais (BIRD, 2008). Levando em consideração estes aspectos, a realização de mapeamentos temporais da linha de costa permite compreender à dinâmica evolutiva da costa e identificar a variabilidade associada à sua tendência erosiva ou deposicional (BOAK E TURNER, 2005). Nos estudos sobre morfodinâmica costeira, a utilização do sensoriamento remoto, em diferentes escalas temporais vem sendo amplamente utilizada na atualidade devido aos baixos custos associados e à sua eficiência para a gestão costeira. Tendo como exemplo os trabalhos de Batista el al., (2012), García-Rubio et al., (2012), Santos et al., (2012) (AZEVEDO et al., 2016). Nesses estudos, as taxas médias de variação da linha de costa constituem índices adequados para a determinação das tendências evolutivas do litoral e para a realização de diagnósticos dos impactos reais ocorrentes na costa, tais como em áreas com risco de erosão. No entanto, os valores determinados para as taxas médias de variação devem ser analisados com cautela, pois correspondem à comparação de situações de diferentes anos, não refletindo o que se verificou entre elas nem a eventual excepcionalidade (RANIERI, EL-ROBRINI, 2015). Dentro deste contexto, o presente artigo tem como objetivo identificar o comportamento da linha de costa da área urbana do município de Alcobaça, Bahia, a partir da análise multitemporal dos anos de 1984 e 2016.

Material e métodos

Para alcançar os objetivos propostos neste estudo, o mesmo foi dividido em três principais etapas: a primeira é composta de revisão bibliográfica acerca da identificação de linhas de costa em escala temporal; a segunda, composta pela elaboração da cartografia básica. A terceira etapa caracterizada pela elaboração dos mapas, cálculo da variação da linha de costa e pela redação final. Apresenta-se a seguir, o detalhamento dos principais procedimentos realizados. Considerando a identificação do comportamento da linha de costa da área urbana do município de Alcobaça com base na proposta Boak e Turner (2006), procedeu-se o desenvolvimento de rotinas de geoprocessamento. Iniciando pela aquisição de duas imagens multiespectrais referente à data 01 de junho de 1984 (LandSAT 5) e 11 de julho de 2016 (LandSAT 8), ambas com resolução espacial de 30m² e processadas com a utilização do software ArcGis™ 10.4. Cabe ressaltar que as imagens foram obtidas gratuitamente do catálogo de imagens do Instituto de Pesquisa Espaciais (INPE). E tiverem como critério de escolha, inicialmente a maior escala temporal possível, seguido pela escolha de imagens que não apresentavam presença de nuvens, o que poderia vir a interferir na interpretação. A partir da cartografia base, realizou-se o pré-processamento no ArcGIS 10.4 realizando técnicas de realce, contraste, correção atmosférica e, por fim, com auxílio das cartas topográficas digitais referentes aos municípios de Prado (SE. 24-V-D-III) e Caravelas (SE. 24-V-D-VI), fornecidas pela Superintendência de Estudos Socioeconômicos da Bahia (SEI,2000) em escala 1:100.000 e georreferenciadas sendo admitido o erro máximo de 4,5 metros para cada imagem de satélite. Após concluir o georreferenciamento das imagens foi iniciado o processo de mapeamento manual da posição do indicador da linha de costa proposto por Boak e Turner (2006). Segundo os autores, este indicador refere-se ao limite oceano- continente, ou simplesmente ao limiar entre o seco e o molhado. O processo de mapeamento da linha de costa foi realizado no ArcGis 10.4 através da interpretação e vetorização manual da linha de costa e, em seguida, foi elaborado a sobreposição e identificação das áreas erosivas e de alta complexidade. Nas datas das imagens utilizadas a maré alta e baixa não ultrapassaram o limiar de 1,5 metros, e levando em consideração à resolução espacial do pixel das imagens LandSAT 5 e 8 de 30x30 pode-se afirmar que não exerceram influência significativa sobre o mapeamento da linha de costa. A taxa média de variação foi calculada através da relação entre a área erodida e largura de cada zona no período de 32 anos. Este valor representa um dado linear, ou seja, entende que variação média anual é igual ao longo de toda linha de costa de uma zona específica.

Resultado e discussão

A Costa das Baleias, onde se localiza o município de Alcobaça, até meados da década de 1950 manteve-se isolada, tendo como única forma de comunicação com as outras regiões a via marítima. A construção da BR-101 na década de 1970 foi o marco para a transformação da paisagem da região com o desflorestamento da Floresta Atlântica e em seguida com o aparecimento da pecuária extensiva junto à implantação de novas culturas, como o coco-da-baía, mamão, maracujá, melancia e posteriormente a silvicultura e consolidação da pecuária de corte como principais receitas dos municípios da Costa das Baleias. Após diversas crises econômicas, o Governo Federal em conjunto com o Governo Estadual implantou na década de 1990 programas de incentivos fiscais para a instalação da indústria e monocultura de eucalipto e planos de incentivo a indústria do turismo. A região hoje é uma das maiores responsáveis pela produção de eucalipto do Brasil. Alcobaça situa-se entre os paralelos 17º20’ e 17º40’ de latitude sul e os meridianos 39º10’ e 39º40’ de longitude oeste, limitando a norte pelo município de Prado, a oeste pelo município de Teixeira de Freitas, a sul pelo município de Caravelas e a leste pelo Oceano Atlântico e apresenta atualmente uma população de 21.271 habitantes (IBGE, 2010) e uma área de 1.480km². A área de estudo compreende toda a linha de costa do setor urbano da do município de Alcobaça (Figura 1). A linha de costa do tipo arenosa, presente na área de estudo, é caracterizada por apresentar processos morfológicos bem dinâmicos. Portanto, o mapeamento e estudo dela apresenta-se enquanto uma ferramenta eficiente e imprescindível para o monitoramento e gerenciamento costeiro (GARCIA, 2011). A partir dos critérios e procedimentos descritos anteriormente, apresenta-se na Figura 2 os resultados obtidos com o mapeamento do comportamento da linha de costa da área urbana do município de Alcobaça. Segundo a literatura, a linha de costa da área estudada se estende por 5 km, de orientação N-S, e o seu estado morfodinâmico predominante se caracteriza como dissipativo. Esta área apresenta as ondas mais efetivas para o transporte sedimentar oriundas dos quadrantes nordeste e leste, com período de 5 a 10 s e altura entre 1 e 2 m. Eventualmente nos meses de junho a setembro, as ondas originadas por frentes mais ao sul atingem o litoral, com ondulações sul e sudeste e período médio entre 7 e 12 s e altura de 1 a 2 m (TESSLER E GOYA, 2005). Nesse sentido, a partir do mapeamento elaborado foi possível compartimentar a linha de costa em quatro zonas que apresentavam diferentes graus erosivos. A zona 1 localizada na parte norte, zona 2 a parte centro-norte, zona 3 centro e zona 4 correspondente ao sul, área de maior dinâmica da área de estudo (Figura 2). No período de 32 anos, a linha de costa apresentou taxa média de variação equivalente a -0,76m/ano o que representa um valor de 21 ha de área erodida. A maior taxa de erosão está no trecho sul da Zona 3, apresentando valores de 81 metros de recuo, em seguida a Zona 1 apresentou a segunda maior taxa de recuo com valor 0,43 m/ano. A Zona 2 apresentou menores taxas erosivas em relação às outras áreas, a variação média apresentada foi de 0,43m/ano, na qual apresentou áreas com apenas 6 metros erodidos (Tabela 1). A erosão costeira vem ao longo dos anos causando inúmeros impactos urbanos, principalmente na zona 3 e 4. No entanto, diversos fatores vêm acelerando os efeitos da dinâmica erosiva no litoral alcobacense, como por exemplo, a interferência humana com ocupações próximas a linha de costa sem os devidos estudos de prevenção de danos como, por exemplo, a ocupação das planícies e terraços marinhos com empreendimentos urbanos e comerciais, que em sua maioria, hoje se encontram solapados pelo efeito da erosão costeira (Figura 3). Outra fonte de importante valor que deve ser levada em conta para o agravamento da erosão costeira são as interferências antrópicas no balanço sedimentar, como por exemplo, a desembocadura fluvial, que com modificações ao longo do seu curso pode vir a alterar a morfodinâmica costeira. De acordo com Addad e Martins-Neto (2000) a erosão costeira no município de Alcobaça é resultado do intenso processo de desmatamento observando desde 1970, que causou não apenas um aumento significativo na concentração de sedimentos em suspensão, que “amortecem” a turbulência e favorecem a deposição dos sedimentos de maior calibre, como também ocasionou o aumento da descarga de água e da carga sedimentar de fundo que, no entanto, ficaria retida preferencialmente no estuário superior. De acordo com Spanghero (2017, no prelo), o município de Alcobaça em 1977 havia a presença de aproximadamente 55% de vegetação nativa e 45% de pastagem, hoje (2017) temos presente apenas 20% de vegetação nativa, 33% de pastagem e 40% de eucalipto, constatando a rápida interferência antrópica no uso e ocupação da terra no município de Alcobaça. A erosão costeira vem causando várias consequências na cidade de Alcobaça, , destacando-se: 1. Redução da largura praial e ou recuo da linha de costa em direção ao continente; 2. Perda e desequilíbrio da fauna e flora da restinga e manguezais; 3. Intrusão da água salina do mar nos aquíferos costeiros; 4. Destruição de infraestruturas paralelas à linha de costa; 5. Perda do valor imobiliário das áreas próximas à praia; 6. Perda do valor paisagístico da praia; 7. Comprometimento do potencial turístico da cidade; 8. Prejuízos nas atividades socioeconômicas da cidade; 9. Interferência por via de construções de muretas e deposição de pedras de forma ineficiente ao longo da linha de costa. Baseando-se nos dados apresentados acima, consideramos a linha de costa da cidade de Alcobaça como uma área de elevada suscetibilidade a impactos econômicos/sociais e também ambientais.

Figura 1

Localização do município de Alcobaça, Bahia

Figura 2

Mapa do comportamento da linha de costa

Tabela 1

Média erosiva por ano das zonas urbanas

Figura 3

Ocupação urbana paralela à linha de costa. Fotografia: Thiago Mares Vieira, 2017.

Considerações Finais

Frente à problemática apresentada, podemos considerar que a linha de costa da zona urbana do município de Alcobaça reflete alto potencial a danos socioeconômicos e ambientais devido aos intensos e complexos processos erosivos costeiros atuantes, associados a proximidade da desembocadura do Rio Alcobaça e a inexistência de planos e políticas locais que discutam a problemática da erosão e proporcionem uma gestão costeira eficiente frente à complexa dinâmica costeira local, que venha a realizar levantamentos sistêmicos de caráter físico, social e econômico que considerem a elevada fragilidade e vulnerabilidade socioambiental do município em potencialidades para o desenvolvimento econômico e social equilibrado.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela disponibilidade da bolsa de estudos, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp pela estrutura e as Fatima Salamim Spanghero e Thiago Mares Vieira por disponibilizar suas fotografias.

Referências

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