Autores

Lima, R.P.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ/LABOMAR) ; Gastão, F.G.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ/LABOMAR) ; Castelo Branco, M.P.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ/LABOMAR) ; Pinheiro, L.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ/LABOMAR)

Resumo

O litoral de Fortaleza vem sofrendo alterações em sua zona costeira, resultante do avanço econômico e populacional, desencadeando consequentemente várias obras de construções civis na zona costeira, obras de dragagem e aprofundamento de canais e construção de espigões. Essas obras vêm causando modificações na morfologia praial e de fundo no setor da plataforma continental interna ao longo das últimas décadas, acarretando alterações nos padrões naturais de sedimentação e modificações geomorfológicas. A pesquisa teve como objetivo principal caracterizar a geomorfologia de fundo, através da aplicação da batimetria monofeixe, e também relacionar as características das formas de fundo com os dados de granulometria obtidos em estudos anteriores. Gerando como produto a carta batimétrica, obtida por intermédio do geoprocessamento de dados de profundidade da área, os perfis topobatimétricos, os dados de declividade e a sedimentologia.

Palavras chaves

Plataforma Continental; Geomorfologia; Sedimentologia

Introdução

As margens continentais situam-se entre os continentes e as bacias oceânicas, e representam 10% da superfície do globo. Segundo a classificação de Heezen & Menard (1966), as margens continentais apresentam, da terra para o mar, três províncias bem desenvolvidas: plataforma, talude e sopé. Em geral a plataforma continental interna possui relevo plano, tornando-se mais acidentado em sua borda, onde se inicia o talude. O caráter plano e amplo é proveniente de atividades erosivas e deposicionais ligadas aos movimentos regressivos e transgressivos do nível do mar, decorrentes de processos de glaciação e desglaciação, registrados ao longo da história geológica da Terra (HEEZEN & MENARD, 1966). Coutinho (1976) compartimentou a plataforma brasileira em três seguimentos: Plataforma Interna (até a isóbata de -20 m); Plataforma Média (-20 a -40 m); e Plataforma Externa (-40 a -60 m). Suguio (2003) subdividiu a plataforma de acordo com a profundidade em Plataforma Continental Interna (até a isóbata de -30 m) e Plataforma Externa (-30 m a -100 m). Em termos legais, a faixa contida na zona costeira é de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar, até a isóbata de dez metros, profundidade na qual as ações das ondas passam a sofrer influência da variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo transporte de sedimentos, sendo essas definições apresentadas no Artigo 22 e 23 do Decreto 5.300 (D.O.U., 2004). A plataforma continental cearense, onde está inclusa a região costeira de Fortaleza e a área do presente estudo (Imagem 1), possui uma largura média de 63 km. No litoral oeste, na região do município de Camocim, a plataforma continental cearense assume sua largura máxima (101 km). A menor largura da plataforma do estado do Ceará encontra-se no litoral leste, município de Icapuí, com largura média em torno de 41 km. Estudos revelam que ao longo de toda sua extensão podem ser encontrados paleo-canais formados por rios em períodos regressivos do nível do mar, e atualmente submersos e preenchidos por sedimentos pelíticos (silte e argila) (MARTINS & COUTINHO, 1981; ARZ et al., 1999). Segundo Vital et al. (2005) apud Morais et al. (2015) o conhecimento do fundo marinho (plataforma continental) é importante por diversos fatores, tais como: estudar as mudanças climática; entender o impacto da pesca no habitat bêntico e outras comunidades biológicas; estudar os padrões de poluição no mar e desenvolver mecanismos para manter a integridade das áreas costeiras; localizar recursos minerais estratégicos, e fornecer uma base de dados através de sensores remotos. Auxiliando na refinação de novas técnicas para caracterização e proteção ambiental. A área de estudo, localizada na enseada do Mucuripe, costa oeste de Fortaleza, onde a plataforma continental interna foi modificada por processos erosivos decorrentes da ação das ondas. As evidências desses processos podem ser observadas pela presença de rochas de praia isoladas que ocorrem na isóbata de -5 metros (MORAIS, 1981). Em função da presença do Porto do Mucuripe e de atividades pesqueiras e turísticas na orla de Fortaleza, faz-se necessário o conhecimento sobre as características de sua plataforma continental interna, no que diz respeito à morfologia e sedimentologia de fundo. Buscando verificar as possíveis alterações ambientais geradas pelas diversas atividades envolvendo as dragagens do canal de acesso ao porto, assim como pelos escoamentos fluviais dos riachos canalizados ao longo da orla. O objetivo geral do trabalho é caracterizar as feições geomorfológicas da plataforma continental interna situada na enseada do Mucuripe, levando em consideração os dados batimétricos, obtidos em campo, e os aspectos sedimentológicos da cobertura superficial do substrato marinho, registrados em publicações anteriores e no banco de dados do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR/UFC).

Material e métodos

O trabalho foi realizado em três etapas: levantamento bibliográfico de dados pretéritos, levantamento em campo e análise dos dados. Na primeira etapa foi extraída informações no Plano Básico Ambiental da Obra de Aprofundamento do Porto de Fortaleza, dos anos de 2008, 2010, 2012 e 2014. Informações complementares foram adquiridas em trabalhos realizados na área, como o de Ximenes (2015), que contempla parte da área do estudo. A etapa de campo teve início com o planejamento da malha amostral para o traçado dos perfis de batimetria, visando realizar uma investigação detalhada da morfologia do substrato. Dessa maneira, a malha amostral da rota de navegação foi traçada a partir de imagens de satélite (Google Earth), sendo determinado o espaçamento de 300 metros entre os 19 perfis paralelos entre si e posicionados perpendicularmente a linha de costa. O comprimento dos perfis variou de 3,8 a 5,5 km. Posteriormente, esses dados foram transformados em shapefile no programa Quantum Gis, e encaminhados para o programa TrackMaker (datum WGS 84), onde foi determinada a rota de navegação. Os dados da rota foram transferidos para o GPS Garmim 420s, que orientou a navegação no levantamento batimétrico em campo, que foi realizado no dia 06/04/2016. Após a coleta dos dados de profundidade pela batimetria, os mesmos foram corrigidos ao nível reduzido (Zero Hidrográfico) baseado na Tabua de Maré do Porto do Mucuripe, disponibilizada gratuitamente pelo site da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) – Marinha do Brasil. Após a correção das oscilações da maré, foi desenvolvida uma base de dados no formato XYZ. Na etapa de análise dos dados (geoprocessamento) utilizou-se o software Quantum GIS, onde foi realizado o georreferenciamento e digitalização da carta náutica da DHN, análise das isóbatas, e elaboração do mapa de localização. Para a confecção dos mapas de relevo de fundo utilizou-se o método estatístico de interpolação, no caso a Krigagem. Segundo Landim, 2010, a Krigagem corresponde a um processo estimativo de valores variáveis distribuídas no espaço e tempo, a partir de valores adjacentes. No programa Quantum GIS, também foi elaborado os perfis topográficos, em forma de gráficos, por meio do raster gerado pela krigagem, que consiste em uma matriz de células (pixels) organizadas em linhas e colunas (ou em grade) onde cada célula contém um conjunto de valores (XYZ) que representam a localização e profundidade. A partir do raster gerado pelo método de interpolação, foi possível a geração individual dos 19 perfis, que foram exportados para o programa Excel 2013. O cálculo da declividade dos perfis foi baseado na classificação de Manso (2003), onde a distância vertical é dividida pela distância horizontal. D = DV/DH Onde: D = Tipo de declividade DV = Distância Horizontal DH = Distância Vertical As plotagens dos dados de sedimentos, oriundos de outros trabalhos, foram realizadas por intermédio das localizações geográficas (coordenadas) de cada ponto, sendo possível o conhecimento do tipo de sedimento encontrado no substrato de fundo da área.

Resultado e discussão

A área mapeada (Figura 1) possui uma extensão de aproximadamente 25,4 Km², totalizando 29.700 pontos coletados em relação à batimetria. A maior profundidade foi de -16,8 metros e a menor de -0,5 metros. A morfologia de fundo da área foi obtida pela interpretação dos dados de campo, cujas feições estão registradas no mapa batimétrico. A batimetria realçou a presença de recifes submersos, bancos arenosos e o canal de acesso ao porto. A interpretação do mapa batimétrico mostra um decréscimo de profundidade acentuado em direção ao vale do canal de acesso ao porto, seguido por uma elevação que constitui o banco arenoso característico da área. A partir do modelo gerado pela interpolação dos dados (krigagem), foi possível a elaboração do mapa das isóbatas de profundidade (Figura 2). Esse produto permitiu uma melhor compreensão dos aspectos relacionados com a topografia do substrato marinho. Os recifes foram observados nos perfis por intermédio de elevações características, que atingem uma profundidade de -3 a -5 metros, localizados na parte rasa próxima à costa. O banco arenoso corresponde à feição submersa mais expressiva mapeada na área. Esta como outras formas podem ter sido originadas devido ação da hidrodinâmica alterada pela presença do molhe do Mucuripe, pelas correntes longitudinais e por consequências das atividades de dragagem. Os recifes foram registrados em torno da isóbata de -4 metros (Figura 3). As ações antrópicas, como o processo de dragagem e construção de molhes, contribuíram para as feições mapeadas como fundo de canal de acesso ao porto, e pelo banco arenoso formado a partir do barramento de sedimentos no molhe (XIMENES, 2015). Essas intervenções influenciam a morfologia de fundo sendo essas formas registradas ao longo do estudo, pois o conjunto de ações antrópicas (desde a construção do porto, aterros e molhes) e no contexto hidrodinâmico, atuam na modulação do relevo submerso e no tipo de sedimento encontrado na área. A interpretação dos perfis batimétricos revelou a inexistência de uma relação direta entre a declividade da plataforma e o tipo de sedimentos. De maneira geral, as declividades registradas nos 19 perfis batimétricos revelaram a predominância de baixo grau de declividade, como um relevo suave e alguns pontos associado a suaves elevações. Feições essas, que caracterizam o domínio da plataforma interna na orla oeste de Fortaleza. Os registros do canal artificial para a entrada de embarcações de grande porte no Porto de Fortaleza, dos recifes e bancos de areia, mostram perfis caracterizados por declividade e elevações acentuadas. Os dados sedimentológicos obtidos da compilação de dados de trabalhos pretéritos sinalizaram a presença de areia fina a muito fina distribuídas, principalmente, nas regiões próximas à linha de costa e em áreas abrigadas pela Ponta do Mucuripe e Região Portuária. A sedimentação de areias médias, grossas e muito grossas foi mapeada no domínio de maior atuação dos agentes oceanográficos, áreas de ação das correntes e deriva litorânea (Figura 4). De um modo geral, a distribuição granulométrica da plataforma continental interna da enseada do Mucuripe indicou a ocorrência de areia fina e muito fina na área abrigada da bacia portuária. A ação das ondas e correntes distribui uma sedimentação de areia do tipo média, grossa e muito grossa nas áreas menos abrigadas. Em algumas áreas a distribuição da granulométria do substrato marinho não assume um comportamento homogêneo. Fato esse associado à presença dos recifes, afloramentos rochosos e de bancos de areias.

Figura 1

Mapa de localização da área de estudo

Figura 2

Mapa batimétrico feito pela interpolação por Krigagem(sendo visível a topografia de fundo), e as isolinhas de profundidade.

Figura 3

Trechos e distribuição granulométrica ao longo de alguns perfis

Figura 4

Distribuição granulométrica dos sedimentos na área do levantamento batimétrico.

Considerações Finais

A correlação dos dados de sedimentos obtidos por meio das bibliografias referentes a estudos na área, os dados de profundidade de carta náutica da DHN, os dados de batimetria obtido por este trabalho, identificou diferentes morfologias de fundo, e que puderam ser descritas de forma satisfatória para a interpretação das feições geomorfológicas. A partir da interpolação por krigagem dos dados foi possível à elaboração do mapa de isolinhas de profundidade. O estudo sedimentológico permitiu individualizar áreas de domínio de sedimentos constituídos por areia fina a muito fina em regiões abrigadas, areia média, grossa e muito grossa em áreas de intensa atuação das forçantes oceanográficas. De forma geral, o presente trabalho contribuiu com novas informações da plataforma continental de Fortaleza, a partir dos perfis e da modelagem batimétrica. Entretanto, é necessária a realização da coleta de sedimento do substrato marinho em áreas que não foram contempladas pelos trabalhos pretéritos. Isso auxiliará o melhor conhecimento dos processos de modelagem geomorfológica da área.

Agradecimentos

Ao Laboratório de Oceanografia Geológica (LOG) e Dinâmica Costeira (LABDIC) do LABOMAR/UFC pelo suporte na elaboração deste trabalho e a todos os alunos, técnicos e professores envolvidos.

Referências

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