Autores

Silva, F. (UFSM) ; Foleto, E.M. (UFSM)

Resumo

Propõem-se, através da elaboração deste trabalho, a análise das modificações dos sistemas naturais pela população na área de Rebordo do Planalto Sul-Rio- Grandense, na cidade de Santa Maria/Rio Grande do Sul. Especificamente, os processos analisados foram àqueles associados à dinâmica das vertentes, sendo os processos de transporte de massa e os movimentos de massa. A análise foi feita através dos trabalhos de campo, subsidiados pela revisão de literatura. Através das observações em campo, notou-se que a maior parte das áreas modificadas pela ação antrópica caracterizam-se pela ocorrência ou indícios de movimentos do tipo rastejo e quedas. Destaca-se a importância de estudos como esse para o planejamento municipal, considerando a geomorfologia da área do município um fator limitador para ocupações, ocasionando principalmente cenários de risco para a população.

Palavras chaves

Rebordo do Planalto Sul-Rio-Grandense; Santa Maria; Planejamento Ambiental

Introdução

A sociedade manteve uma relação de apropriação e transformação com os recursos fornecidos pela natureza. Essa relação, mediada pelo trabalho, foi sofrendo alterações à medida que as técnicas avançaram, ampliando a capacidade humana de intervenção (ROBAINA e OLIVEIRA, 2013, p. 21). De tal modo, a cidade instituiu-se como afirmação do homem contra as dinâmicas da natureza, cumprindo papel essencial no desenvolvimento industrial pela necessidade de concentração espacial da mão de obra, indispensável ao meio de produção. O aparecimento desses novos núcleos de ocupação urbana iniciou uma nova fase de transformação do espaço, e a relação do homem com o meio natural foi fortemente alterada (MELLO, 2005). Nas palavras de Christofoletti (2000) pode-se evidenciar a crítica sobre o modelo utilizado para adaptação dos diversos sistemas naturais à moradia e reprodução social, quando no momento de sua implantação, as densidades técnicas são tidas como solução para os "problemas" causados pela dinâmica do sistema físico ambiental. Obras avançadas de engenharia são implantadas com o intuito de neutralizar os efeitos dos processos de dinâmica natural do meio ambiente, quase sempre obtendo êxito nos primeiros momentos. Apesar de todas as formas de adaptação criadas pelo homem, o ambiente natural permanece em seu constante funcionamento dinâmico. Embora suas características e estruturas sejam modificadas pelas intervenções humanas, o sistema físico ambiental continua em constante fluxo de energia e matéria, porém obedecendo agora a novas temporalidades, outras intensidades e magnitude. Essa forma de relação sociedade/natureza, onde o homem invariavelmente modifica o meio ambiente à sua volta, resulta em inúmeras alterações dos sistemas naturais. O desequilíbrio do meio ambiente, gerado pela ação humana, pode ter graves consequências tanto para os sistemas naturais, quanto para os sistemas socioeconômicos, uma vez que a partir desse desequilíbrio, novos processos naturais podem resultar em fenômenos de risco. Deste modo, propõem-se através da elaboração deste trabalho a análise das modificações dos sistemas naturais pela população na área de Rebordo do Planalto Sul-Rio-Grandense, na cidade de Santa Maria/Rio Grande do Sul. Especificamente, os processos analisados foram àqueles associados à dinâmica das vertentes. A dinâmica das vertentes está associada aos processos de transporte de massa e aos movimentos de massa. Por transporte de massa entende-se a erosão superficial atuando nas vertentes ao longo do tempo e responsável pela esculturação das formas do relevo. Quanto aos movimentos de massa, estes são processos naturais responsáveis pelo modelado da superfície terrestre, ocorrendo mais frequentemente em terrenos íngremes (BIGARELLA et al., 2003). Destaca-se a importância de estudos como esse para o planejamento municipal, considerando a geomorfologia da área do município um fator limitador para ocupações, ocasionando principalmente cenários de risco para a população.

Material e métodos

Para a realização da pesquisa foram feitos trabalhos de campo nas áreas de Rebordo do Planalto, que apresentam ocupação humana, em Santa Maria/RS. Foram desse modo, observados os processos de transporte de massa - erosão, e movimentos de massa. Infanti, Jr. e Forsinari Filho (1998, p.134) definem por erosão o “processo de desagregação e remoção de partículas do solo ou de fragmentos e partículas de rochas, pela ação combinada da gravidade com a água, vento, gelo e organismos (plantas e animais)”. Ainda, segundo os autores, distinguem-se duas formas de abordagem para os processos erosivos: a erosão natural ou geológica, a qual se desenvolve em condições de equilíbrio com a formação do solo; e a erosão acelerada ou antrópica, cuja intensidade é superior à da formação do solo, não permitindo a sua recuperação natural. De acordo com Fendrich (1991) a erosão é um processo que se traduz na desagregação, transporte e deposição do solo, subsolo e rocha em decomposição, pelas águas, ventos ou geleiras. É a desagregação, transporte e deposição dos materiais dos horizontes superficiais e profundos do solo, provocando o seu rebaixamento. A erosão é comumente diferenciada de acordo com o agente erosivo (vento, água, gelo, gravidade, etc) tipo ou origem (erosão por embate, erosão laminar, erosão em córregos, erosão em sulcos profundos ou ravinas, etc.) e natureza (geológica e acelerada). Já os movimentos de massa (landslides), segundo Nummer (2003) apud Nummer e Pinheiro (2013, p. 68), significam, de forma geral, “todo e qualquer movimento de materiais terrosos ou rochosos, sob a ação da gravidade, na presença, ou não, de água, gelo ou ar, não importando a sua forma, a velocidade nem o processo que o gerou”. Existem variados tipos de movimentos de massa, nos quais é grande a variedade de processos, matérias e condicionantes. Nummer e Pinheiro (2013) citam as diversas classificações para os movimentos de massa encontrados na literatura específica, porém, para os autores, todas apresentam limitações, visto que esses processos, muitas vezes, são complexos e podem ocorrer associados. Existem diversas classificações nacionais e internacionais relacionadas a movimentos de massa. Neste texto será abordada a classificação proposta por Augusto Filho et al. (1992) e adaptada pelo Ministério das Cidades/IPT (2007), agrupados em quatro grandes classes de processos, classificados, principalmente em função da velocidade do desenvolvimento desses processos. São eles: rastejos, escorregamentos, quedas e corridas. A classificação de Augusto Filho (1992), segundo Nummer e Pinheiro (2013), tem sido muito utilizada por ser simples e aplicar-se ao clima brasileiro. Considerando as categorias expostas de transporte de massa e movimentos de massa, foi analisada a situação das áreas localizadas em Santa Maria, no Rebordo do Planalto Sul-Rio-Grandense – áreas com declividades acentuadas, corroborando com o planejamento ambiental do município.

Resultado e discussão

Santa Maria, localizada na região central do Estado do Rio Grande do Sul compõe uma área de transição entre a Depressão Central do Estado e o Planalto Meridional Brasileiro, sendo comumente chamada de Rebordo do Planalto. Essas áreas caracterizam-se, principalmente, por declividades acentuadas, sendo um fator limitador da ocupação humana. Todavia, a realidade do município vem sendo alterada com o passar do tempo, áreas que deveriam permanecer desocupadas, considerando inclusive que são Áreas de Preservação Permanente (APP), como topos de morro e áreas de declividades superiores à 45°, comportam cada vez mais moradias e obras de infraestruturas. No Morro Cechela, por exemplo, de maneira geral, a ocupação é mais densa em sua base, estendendo-se até, aproximadamente, 240 metros, na meia encosta, sendo a área que mais apresenta evidencias de processos de dinâmica superficial das vertentes (figura 1). A porção situada mais próxima do topo ainda não está ocupada e encontra-se com cobertura vegetal de médio e grande porte. Os rastejos observados caracterizam-se por movimentos descendentes, lentos e contínuos, que envolvem grandes massas de materiais de um talude, cujo deslocamento resultante ao longo do tempo é mínimo (mm a cm/ano) IPT (2007). Estes ocorrem em declives acentuados (em torno dos 35°). Atuam sobre horizontes superficiais do solo, bem como, nos horizontes de transição solo/rocha e até mesmo em rocha, em profundidades maiores. Não apresentam uma ruptura definida (plano de movimentação), e as evidencias da ocorrência deste tipo de movimento são trincas observadas em toda a extensão do terreno natural, que evoluem vagarosamente, e árvores ou qualquer outro marco fixo, que apresentam inclinações variadas. Sua principal causa antrópica é a execução de cortes em sua extremidade média inferior, o que interfere na sua precária instabilidade (IPT, 2007) e segundo Nummer e Pinheiro (2013) os movimentos de rastejo podem passar a escorregamentos (mais rápido) quando ocorre uma intervenção nas encostas, como os cortes que são executados para construção de uma rodovia. Outra condicionante que pode ser observada em campo foram os cortes feitos na vertente para estabelecer as moradias. Em alguns casos o corte se localiza muito próximo às residências (figura 2). Os cortes associados a declividades acentuadas que a área apresenta tornam o cenário como de risco iminente. Ainda no morro Cechela, as vertentes íngremes apresentam rochas expostas, onde a ação da água nas fraturas das rochas pode desencadear tombamentos e quedas de blocos. Já nas porções mais baixas da vertente ocorrem depósitos de colúvio e depósitos de rejeito sujeitos a escorregamentos (figura 3). Os movimentos do tipo queda são extremamente rápidos (da ordem de m/s) e envolvem blocos/e ou lascas de rocha em movimento de queda livre, instabilizando um volume de rocha relativamente pequeno. Estão condicionados à presença de afloramentos rochosos em encostas íngremes, abruptas ou taludes de escavação, tais como: cortes em rocha, frentes de lavra, sendo potencializados pelas amplitudes térmicas, por meio da dilatação e contração da rocha. As causas básicas deste processo são a presença de descontinuidades no maciço rochoso, que propiciam o isolamento de blocos unitários de rocha; a subpressão por meio do acúmulo de água, descontinuidades ou penetração de raízes (IPT, 2007). Para Nummer e Pinheiro (2013) os movimentos de massa do tipo quedas são comuns nas encostas da Serra do Mar e no Rebordo do Planalto Sul-Rio-Grandense, associados aos derrames da Formação Serra Geral. No caso das rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, as quedas estão relacionadas, principalmente, à presença das disjunções horizontais e verticais no maciço rochoso. Essas estruturas também podem dar origem ao movimento de tombamento, em que ocorre uma rotação do material instabilizado segundo um determinado eixo (NUMMER e PINHEIRO, 2013). Já em rochas graníticas, com maior predisposição a origem de matacões de rocha sã, isolados e expostos em superfície, o processo mais comum de queda é na forma de rolamento de blocos. Estes ocorrem naturalmente quando processos erosivos removem o apoio de sua base, condicionando um movimento de rolamento de bloco. A escavação e a retirada de apoio, decorrente da ocupação desordenada de uma encosta é a ação antrópica mais comum no seu desencadeamento (IPT, 2007). O que mais chama a atenção na área estudada é ver que o próprio homem tenta resolver os problemas de engenharia para estabelecer suas residências. Como a área do Rebordo possui grandes declives, os terrenos apresentam intensos processos erosivos, deste modo, a construção de muros para tentar conter o material que desce a encosta é perceptível na maioria dos terrenos (figura 4). Ressalva-se que, segundo Robaina et al., (2011, p. 21), na área de estudo dessa pesquisa, ocorre o contato das rochas vulcânicas do Planalto com as rochas sedimentares, especialmente as da bacia sedimentar do Paraná, de modo geral, através de um relevo escarpado. Essas características do relevo são propícias ao desenvolvimento de processos superficiais acelerados nos taludes naturais (erosões e movimentos de massa) e a preservação de uma vegetação do tipo florestal e o correto ordenamento do solo se mostra indispensável à proteção tanto da população quanto do ecossistema presente.

Figura 1

Figura 1 – Indícios de rastejos com vegetação inclinada e a possibilidade clara de ocorrer o escorregamento no primeiro patamar do morro Cechela.

figura 2

Figura 2 – Exemplos de locais que apresentam cortes na vertente próximos a moradia

figura 3

Figura 3 – a foto a esquerda demonstra a rocha exposta com material de colúvio.A foto a direita ilustra o transporte de sedimentos e seu deposito

figura 4

Figura 4 – Construções de muros para conter os sedimentos, notadamente são muros construídos pelos próprios moradores, não apresentando uma estrutura

Considerações Finais

Como se pode observar a influência do relevo é um fator importante a ser considerado no planejamento ambiental dos municípios, principalmente por sua relação intrínseca com a ocorrência de áreas de risco para a população que estabelece moradias em áreas como as apresentadas nesse trabalho. Desse modo, destaca-se a importância de estudos como esse para que situações como as apresentadas sejam, ao menos, mitigadas. Além disso, é importante considerar que a realidade exposta sirva como exemplo para que novas áreas com tais características não sejam ocupadas.

Agradecimentos

Referências

AUGUSTO FILHO, L. M. O. Caracterização geológico-geotécnica voltada à estabilização de encostas: uma proposta metodológica. In: COBRAE, I. 1992, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ABMS/ABGE, 1992. v. 2, p. 721-733.

CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2000. 236 p.

INFANTI JR.; FORSINARI FILHO, N. Processos de Dinâmica Superficial. In: OLIVEIRA, A. M. S.; BRITO, S.N.A. (Orgs). Geologia da Engenharia. São Paulo: ABGE -CNPq- FAPESP. 1998. P. 131-152.

NUMMER, A. V.; PINHEIRO, R. J. B. Dinâmica de encosta: movimentos de massa. In.: ROBAINA, L. E. S. e TRENTIN, R. (Orgs.) Desastres Naturais no Rio Grande do Sul. Santa Maria: Editora da UFSM, 2013. p. 67- 96.