Autores

Silva, A.E.S. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Paula, D.P. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ)

Resumo

O litoral é um ambiente em constante remodelação, seja pela atuação de agentes físicos (e.g. ondas, marés, ventos e correntes) ou antrópicos (e.g. parques eólicos, portos, obras costeiras e estruturas turísticas). No estado Ceará, a planície costeira de São Gonçalo do Amarante vem passando por profundas transformações espaciais induzidas pelo capital industrial, tendo como agente catalizador, a construção do Porto do Pecém em 2001. Aí instalou-se um grande complexo industrial e portuário, responsável por um forte crescimento econômico e social da região. Em detrimento a pujança econômica, os sistemas ambientais (e.g. dunas, lagoas e praias) estão passando por um processo de desmonte e descaracterização, levando a uma diminuição da sua resiliência ambiental. O objetivo deste estudo foi identificar e compartimentar os sistemas ambientais da planície costeira de São Gonçalo do Amarante, o que permitiu identificar como estes foram incorporados ao modelo de desenvolvimento local.

Palavras chaves

Geoambientes; Sistemas Ambientais ; Planície Litorânea

Introdução

Primeiramente é necessário considerar que o litoral é um ambiente que está constantemente sendo retrabalhado pela ação marinha, eólica e fluvial. E quando o homem interfere nessa dinâmica, o ambiente torna-se mais sensível, resultando, muitas vezes, em impactos ambientais acumulativos. Os impactos podem ser sentidos nos mais diversos meios de interação entre o homem e a natureza, porém são nas áreas densamente urbanizadas ou industrializadas que seus efeitos adversos são mais visíveis. Neste sentido, é importante compreender a interconexão dos sistemas ambientais de uma região. Ross (1995) afirma que os subsistemas ambientais constituem espaços territoriais que detêm certo grau de homogeneidade fisionômica, que é dada pelos elementos que se mostram mais claramente na paisagem (e.g. o relevo e a vegetação). Sendo assim, os aspectos geomorfológicos são utilizados como um dos principais critérios para a delimitação dos sistemas ambientais, dadas as suas características de síntese dos processos ambientais (SOUZA, 2000). A planície costeira ou litorânea é um importante sistema ambiental que margeia, de norte a sul, o território brasileiro. É ambiente com características geológicas e geomorfológicas bem marcadas no tempo. Contudo, nas últimas 5 décadas, a principal marca produzida nesse ambiente é de origem antrópica, haja vista os litorais densamente urbanizados. Neste contexto, os sistemas ambientais presentes na planície costeira constituem o espaço geográfico de maior inserção de atividades socioeconômicas. O estado do Ceará apresenta uma faixa litorânea com aproximadamente 573 km de linha de costa, recobertos por um mosaico de subsistemas ambientais, destaque para os campos dunares, falésias marinhas, lagoas costeias e planícies fluviomarinhas (SILVA, 1998). Estes ambientes estão distribuídos ao longo de 20 municípios costeiros fronteiriços, que possuem vocações socioeconômicas diferentes. Neste estudo, foi realizado uma caraterização ambiental da planície litorânea do município de São Gonçalo do Amarante-CE. Neste estudo, destacaremos a planície litorânea/costeira do município de São Gonçalo do Amarante (figura 1), localizado na Região Metropolita de Fortaleza - RMF. Em âmbito local, o sistema ambiental litorâneo do município de São Gonçalo do Amarante, no Estado do Ceará, tem importância significativa no atual cenário econômico cearense, pois nele está instalado o Complexo Industrial e Portuário do Pecém-CIPP, situado na RMF. Limitando- se com os municípios de Trairi, Paraipaba, Caucaia, Paracuru, São Luís do Curu e Pentecoste. É banhado pelo oceano Atlântico, distando 58 km em linha reta da capital Fortaleza (IBGE 2010, IPECE 2016). Quanto à caracterização ambiental da área, o município de São Gonçalo do Amarante apresenta as seguintes características: tem uma área absoluta de 834, 448 km², numa altitude média de 15,92 m e população de 47.791 habitantes (estimativa do IBGE, em 2016; IBGE 2010, IPECE 2016). Quanto aos aspectos climáticos, o município encontra-se numa área de clima Tropical Quente Semiárido Brando com pluviosidade média anual de 1.026,4 mm concentradas entre os meses de janeiro a maio, e temperaturas médias variando entre 26° a 28° (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos – FUNCEME, 2016). Sob ação direta do CIPP, o município se tornou atrativo a centenas de empresas e indústrias que aportaram na região. Diversas dessas empresas estão instaladas na região de planície costeira, especialmente assentadas sobre corpos dunares. Assim, torna-se imprescindível realizar um zoneamento da região a partir de um mapeamento dos sistemas e subsistemas ambientais. Isso permitirá um melhor ordenamento do território em áreas ou zonas homogêneas com características e potencialidades similares (MEDEIROS, 2014).

Material e métodos

O mapeamento dos sistemas e subsistemas ambientais constitui uma importante ferramenta de análise do território, especialmente daqueles tensionados pela ação do homem, como é o caso em quentão. É importante destacar que o critério adotado no mapeamento foi o geomorfológico, observado as principais unidades de paisagem presentes na planície costeira do município de São Gonçalo do Amarante. Antes do mapeamento propriamente dito, foi realizado um levantamento bibliográfica, constituído de visitas em acervos acadêmicos. Também nesta etapa, foram levantadas imagens de satélite e fotografias aéreas da região. A seguir, foram realizadas visitas de campo para conhecimento empírico da região. Nas vistas de campo foram realizados georreferenciamentos de unidades de paisagem e registro fotográfico. Também foram catalogadas algumas indústrias presentes na planície costeira. Em uma etapa final, as informações foram condensadas em um banco de dados em ambiente do Sistema de Informações Geográficas – SIG. Alguns arquivos do tipo Shapefile foram construídos para compartimentação dos sistemas ambientais presentes na área de estudo. Aqui foram utilizadas imagens de satélite do Google Earth Pro, Land Sat 8 e de bases cartográficas do IPECE e IBGE, com auxílio do software Quantum Gis.

Resultado e discussão

Para Morais (2000), a planície litorânea apresenta grande estoque de depósitos sedimentares modelados pela ação eólica que origina campo de dunas móveis e fixas, faixas de praia e, por vezes, planícies lacustres bordejando lagoas e lagunas. No entanto, da mesma forma que é um ambiente altamente vulnerável à ocupação, é um espaço de grande potencialidade para o turismo. Para Souza (2000), a dinâmica interna dos geossistemas impossibilita a ocorrência de homogeneidade fisionômica. Assim, em via de regra, os geossistemas (sistemas ambientais) são formados por paisagens diferentes e apenas os geofácies (subsistemas ambientais), como unidades internas dos geossistemas, é que são dotados de maior uniformidade. Em termos gerais, a planície litorânea é constituída, basicamente, por sedimentação do Holoceno, representada pelos sedimentos quaternários formadores das planícies costeiras, ou mesmo, sedimentações do Pré-Cambriano na forma de promontórios que atuam significativamente nos processos costeiros da sua região de ocorrência. Estes últimos são sedimentos do pré-cambriano que podem também ser encontrados como blocos isolados na faixa praial, onde sua exposição é verificada nos baixios das marés e nos períodos de inverno, quando ocorre a exumação dos mesmos devido ao emagrecimento da praia. Podemos encontrar, em algumas praias, a presença de Beach Rocks que são rochas de praias formadas de arenitos e, na faixa de praia, as chamadas plataformas de abrasão que são derivadas da erosão marinha em falésias. Para Bertrand (1972), o geossistema Planície Litorânea é composto de unidades menores chamadas de geofáceis e geótopos. As geofáceis, identificadas nesse estudo, são a faixa de praia, os campos de dunas, os terraços marinhos e as planícies fluviomarinhas, identificadas na figura 2. Além desses, a área estudada apresenta Planícies Lacustre e Fluvial. A faixa de praia, está dividida em zona intertidal e zona sub-litorânea. A primeira, localiza-se entre o nível normal da maré baixa e o da ação das ondas nas marés altas, está subdividida em zona intertidal maior e menor. Quanto aos componentes ambientais, São Gonçalo do Amarante está situado quase que totalmente sobre a planície litorânea, com aproximadamente 18,5 Km em extensão de faixa praial, e tabuleiros pré-litorâneos, com relevos de Glacis Pré-Litorâneos dissecados em interflúvios tabulares dentro do Complexo Vegetacional da Zona Litorânea, conforme a tabela 1. De modo geral, o patrimônio paisagístico da região, conforme a figura 3, está sendo convertido em áreas artificializadas espacialmente (e.g. construção vilas, cidades, pontes, estradas, hotéis, portos, parques eólicos e estruturas de contenção do mar), levando a diminuição da resiliência ambiental dos sistemas e colocando em risco o patrimônio natural que as comunidades possuem. Atualmente, os campos de dunas e os terraços marinhos vem sendo os subsistemas ambientais mais impactados da região, devido às instalações da CIPP, por exemplo, com o desmonte das dunas, para o transporte de minério, o aterramento de lagoas e dunas costeiras, para a construção de estradas de rodagem, visando sempre atender as necessidades do Complexo Industrial e Portuário, em detrimento das funções que esses ambientes exercem no meio ambiente e na qualidade ambiental. Que vem sendo totalmente prejudicada pelo uso não-sustentável dos recursos naturais da área em que se localiza esses empreendimentos. Com o intuito de mostrar e indicar os principais problemas decorrentes dessas instalações, a seguir vemos na figura 3 um mosaico de fotos, do atual cenário em que se encontra os empreendimentos da CIPP sobre a planície litorânea de São Gonçalo do Amarante. O subsistema ambiental planície fluviomarinha é um dos mais impactados antropicamente, por que é utilizada, principalmente, pela comunidade local que tem na pesca artesanal uma forma de subsistência e lazer, mas também há que se atentar para as descargas pluviais clandestinas que acabam por diminuir a vida e a função ambiental de tal ecossistema, assim como na prática de esportes radicais (e.g. Kite Surf). Quanto aos campos de dunas fixas e móveis, há que se destacar o alto grau de instabilidade desse subsistema, visto que é ocupado principalmente por casas de veraneio, hotéis e aerogeradores, tudo isso há menos de 4 quilômetros da faixa de praia, constituindo-se ambientes fortemente instáveis a ocupação humana. Os corpos d`água e espelhos d`água, que também são considerados ambientes instáveis quanto a sua ecodinâmica, estão sendo comprometidos quanto a qualidade da água, perdendo seus atrativos paisagísticos, devido à ocupação urbana desordenada, despejo de efluentes e resíduos sólidos.

Figura 1

Mapa de Localização da área de estudo: Planície Litorânea de São Gonçalo do Amarante, Ceará, Brasil.

Figura 2

Mapa dos Subsistemas Ambientais da Planície Litorânea do município de São Gonçalo do Amarante, Ceará, Brasil. Fonte: Elaboração Própria.

Tabela 1

Sistemas Ambientais Costeiros do município de São Gonçalo do Amarante.

Figura 3

CIPP–CEARÁ: Companhia Siderúrgica do Pecém-CSP, Pátio de Contêineres do Porto do Pecém e a Correia Transportadora de Minério da CSP.

Considerações Finais

Assim, foi possível concluir que o modelo de apropriação adotado na planície costeira de São Gonçalo do Amarante tem por base a exploração dos recursos naturais sem a preocupação com a capacidade de suporte desses geoambientes, sendo necessário intensificar a fiscalização e controle das áreas protegidas por lei e elaborar planos de manejo, a fim de minimizar essas ocupações desordenadas. No geral, o trabalho atendeu o objetivo proposto inicialmente, indicando as possíveis áreas de tensão entre os agentes políticos, empresariais, comunidade local e turistas que visitam São Gonçalo do Amarante. Sendo assim, é viável a elaboração e implementação de políticas públicas mais aplicáveis, que visem trabalhar as comunidades locais, pois são as que mais sofrem tanto na Área Diretamente Afetada (ADA), na Área de Influência Direta (AID) e na Área de Influência Indireta (AII), sabendo que essas comunidades se inter-relacionam de forma conjunta no entorno desses empreendimentos, muitas vezes dependentes diretamente dos recursos ambientais (e.g. água, pesca, moradia) localizados mais próximos de suas residências.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Universidade Estadual do Ceará pela concessão da bolsa de iniciação científica ao primeiro autor, e ao Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica da UECE, pela infraestrutura e apoio na realização deste trabalho.

Referências

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