Autores

Costa Farias, J. (UFT) ; Pereira, M.D.R. (UFT) ; Cristo, S.S.V. (UFT)

Resumo

O trabalho trata da análise dos efeitos do fogo sobre aspectos geomorfológicos da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, localizada entre o Tocantins e a Bahia. Aspectos estes, considerados como os relevos residuais (mesas, mesetas, morros e morrotes) presentes na área. Nos procedimentos utilizou-se como base o Sensoriamento Remoto apoiado por trabalhos de campo e dados climáticos, onde as imagens do satélite Landsat 8 serviram para identificar as cicatrizes do fogo e a degradação das feições do relevo. Como resultado, observou-se a intensa ação do fogo sobre os relevos residuais e a supressão da cobertura vegetal, expondo as formas do relevo, formadas basicamente por arenitos, aos processos erosivos, favorecendo o surgimento de anfiteatros de erosão, voçorocas e deslizamentos de encostas. De maneira geral, o fogo associado às características geológicas da região, pode ser considerado como principal fator de “alteração” dos aspectos geomorfológicos na área de pesquisa.

Palavras chaves

Efeitos do Fogo; Aspectos Geomorfológicos; Unidades de Conservação da Natureza

Introdução

Embora a descoberta do uso do fogo tenha sido um grande avanço para os seres humanos, com diferentes aplicações ao longo de toda sua história, essa prática tem sido causa de preocupação atual em nosso planeta, principalmente pelos efeitos do uso e manejo inadequado ocasionando perdas ambientais irreversíveis como a redução da cobertura vegetal, perda da biodiversidade, empobrecimento do solo, diminuição das águas e destruição de formas do relevo, consideradas como os aspectos geomorfológicos na presente pesquisa. Pode-se destacar também, o uso do fogo de maneira desmedida, principalmente na expansão das atividades econômicas, a exemplo da pecuária e agricultura, que descaracterizam áreas que eram originalmente protegidas pela vegetação natural e atualmente se encontram expostas. Da mesma maneira, evidenciam-se as transformações que estão ocorrendo no Cerrado brasileiro, que está sendo “queimado” literalmente por devastadores incêndios florestais, que ocorrem anualmente, conforme diversos registros que os noticiam. Assim, no estado do Tocantins, e de maneira mais específica na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins em pesquisa, a situação não é diferente, pois a ação do fogo é intensa causando diversos prejuízos ambientais, que somado as características físicas da região, são palcos de diversas transformações em suas formas do relevo surgindo, no lugar dos relevos residuais tabulares (mesas, mesetas, morros e morrotes), os anfiteatros de erosão, voçorocas e deslizamentos de encostas. Assim, é perceptível a necessidade de ações que busquem minimizar os efeitos do fogo sobre os aspectos geomorfológicos, como é o caso da presente de pesquisa, que tem como objetivo analisar as ações do fogo na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, a qual possui a finalidade de proteger amostras do Cerrado. A Estação Ecológica está localizada na região do Jalapão, ficando em grande parte no sudeste do estado do Tocantins (municípios de Mateiros, Ponte Alta do Tocantins, Almas e Rio da Conceição) com uma pequena parte no extremo oeste do estado da Bahia (município de Formosa do Rio Preto). Abrange aproximadamente 707.144ha, sendo que cerca de 631.598ha ficam no Tocantins e 75.545ha ficam na Bahia (CRISTO, 2013)

Material e métodos

Na presente pesquisa foi realizado um levantamento de materiais cartográficos junto a órgãos públicos dentre estes: Secretaria de Planejamento e Orçamento do Estado do Tocantins (SEPLAN), Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Diretoria do Serviço Geográfico do Ministério do Exército (DSG), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entre outros. Com base no recorte temporal definido, utilizou-se as imagens do ano de 2015, resolução espacial de 30m, provenientes do Satélite Landsat 8, Sensor TM, Composição Colorida 6R, 5G, 4B, da USGS (EarthExplorer). A área de pesquisa abrange parcialmente três Cenas sendo estas: 221/67, 221/68 e 220/67 (Quadro 1). Quadro 1. Características das imagens utilizadas na pesquisa Satélite Sensor Cenas Datas Landsat 8 TM 221/67 05/09/2015 Landsat 8 TM 221/68 05/09/2015 Landsat 8 TM 220/67 14/09/2015 Organização: Autores, 2017 Os procedimentos metodológicos consistiram na aplicação de diferentes rotinas de Processamento Digital de Imagens de satélite via software QGis (versão 2.18.2). Rotinas descritas em Novo (2008) e Jensen (2009), sintetizadas em: Pré-processamento (Reprojeção para o hemisfério sul, Correção Radiométrica (8bits), Realce e Contraste das imagens com Mosaico das Cenas). Com os dados climáticos foram observados aspectos relacionados às precipitações e temperaturas de seis estações meteorológicas convencionais (Porto Nacional, Peixe, Taguatinga no Tocantins; Barreiras e Correntina na Bahia e Alto Parnaíba no Maranhão). Após estes procedimentos, foi possível identificar as feições do relevo, visualizar as cicatrizes e a ação do fogo sobre os aspectos geomorfológicos da área de pesquisa, confirmados com a realização de trabalhos de campo.

Resultado e discussão

Na análise sobre a ação do fogo sobre os aspectos geomorfológicos da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins (Figura 1) ficou evidente as transformações que ocorrem na área de pesquisa. Figura 1. Localização da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins Edição: Cristo, 2017 A partir das evidências observadas por meio das imagens de satélite pôde-se analisar a presença de cicatrizes de fogo sobre as feições do relevo onde se destacam locais como a borda da Serra da Muriçoca, nos topos das chapadas (Serra Geral), mesas, mesetas (Serras do Meio, da Estiva e da Bocaína) e Morros (Fumo e Bigorna), localizados nas porções centro, leste e nordeste (Figura 2). Figura 2. Visualização da ação do fogo sobre os relevos residuais da área de pesquisa (A) morro do Fumo, (B) Morro da Bigorna, (C) Serra do Meio. Fotografias: Sandro, abril (D e F), maio (B) de 2011. Os solos predominantes na área de pesquisa estão representados pelo tipo Neossolos Quartzarênicos, normalmente muito pobre, com excessiva drenagem e grande propensão ao desenvolvimento de erosão profunda (voçorocas e ravinas). Abrange cerca de 70,4% da área, distribuindo-se em praticamente todas as porções em locais com predomínio de vegetação campestre, recobrindo tanto os locais mais baixos, em relevos de planícies, como as áreas mais elevadas e em relevos colinosos. Solo este, que em função da ação do fogo, tem sofrido vários prejuízos, principalmente pela redução de seus nutrientes devido à supressão da cobertura vegetal e a consequente evapotranspiração, que ocorre pela exposição aos raios solares, além da exposição aos efeitos erosivos da chuva. Quanto aos aspectos geológicos na área de pesquisa as feições do relevo são formadas basicamente por arenitos da Formação Urucuia, que segundo Gaspar (2006), são rochas que apresentam entre 100 a 600m de espessura e datam-se do período Neocretáceo da Bacia Sanfranciscana, cobertura Fanerozóica do Cráton São Francisco. De maneira geral, estes arenitos apresentam certa fragilidade frente aos processos erosivos, que somada a remoção da cobertura vegetal, em decorrência do fogo, os tornam mais susceptíveis e dão origem aos Anfiteatros de Erosão, Voçorocas e Deslizamentos de Encostas observado na área (Figura 3) Figura 3. Processos erosivos presentes na região: Voçorocas, Deslizamento de Encosta e Anfiteatro de Erosão. Fotografias: Sandro S. V de Cristo, abril (A e C), maio (B) de 2011; Cristiane G. Barreto, outubro (D) de 2011. Em relação aos dados climáticos da região onde se encontra a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, pode-se observar que estes dados possuem uma relação direta com as ocorrências dos incêndios florestais, já que na área pode-se observar um longo período de baixas precipitações (meses de abril, maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro) e altas temperaturas (entre 25 e 28ºC) Figura 4A. Condições estas favoráveis ao desencadeamento de incêndios como pode-se observar nos registros de focos de calor que somam 432 ocorrências no período (Figura 4B). Figura 4. Representação dos dados climáticos de precipitação e temperatura (A) e do número de focos de calor (B), do ano de 2015. Fonte: INMET, 2015(A) e BD Queimadas/INPE, 2015 (B). Organização: Autores, 2017. Vale destacar que os incêndios florestais que atingem as feições do relevo abrangem uma extensão significativa da área de pesquisa e estão relacionadas a diversos fatores observados em trabalhos de campo, em informações obtidas junto ao ICMBio – EESGT e a comunidade local. Entre estes fatores, estão: - a coleta do Capim Dourado para comercialização onde o fogo é utilizado para queimar o Campo Limpo das Veredas visando ampliar a quantidade de capim; - a pecuária extensiva com o gado sendo colocado nas veredas principalmente nos períodos secos e o fogo é utilizado para queimar o Campo Limpo das Veredas na busca da renovação da pastagem; - a prática agrícola com a prática de pequenas roças nas veredas em que o fogo é utilizado para queimar a vegetação local como modo de limpar e ampliar a área a ser cultivada; - a caça de animais com a utilização do fogo para limpeza da área e assim proporcionar a exposição dos animais facilitando sua captura, além de ser utilizado para desviar a atenção da fiscalização ambiental; - a ampliação de áreas agrícolas de grandes fazendas através da queima da vegetação objetivando a limpeza e ampliação das áreas de cultivo; - a renovação das pastagens em grandes propriedades com a queima da vegetação na expectativa de melhoria do seu aproveitamento pelo gado. Independente dos fatores que condicionam a ocorrência dos incêndios florestais que atingem a área de pesquisa, o cenário é de preocupação, porquanto as mesmas são intensas e habituais, onde os efeitos da ação do fogo são notórios em importantes porções territoriais onde o relevo é exposto às ações erosivas, comprometendo a conservação da fauna e da flora do Cerrado bem como suas características geomorfológicas.

Figura 1

Localização da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins

Figura 2

Visualização da ação do fogo sobre os relevos residuais da área de pesquisa (A) morro do Fumo, (B) Morro da Bigorna, (C) Serra do Meio.

Figura 3

Processos erosivos presentes na região: Voçorocas, Deslizamento de Encosta e Anfiteatro de Erosão

Figura 4

Representação dos dados climáticos de precipitação e temperatura (A) e do número de focos de calor (B), do ano de 2015.

Considerações Finais

Observou-se a importância do Sensoriamento Remoto em pesquisas sobre o fogo, visto que as informações geradas como a distribuição espacial da biomassa em diferentes escalas e épocas, podem oportunizar uma análise entre as condições da vegetação e os processos de alteração do relevo. Ainda, apresenta um custo relativamente baixo, quando comparado a outros métodos convencionais que exigem levantamentos de campo, e demais logísticas. Apesar do uso desta ferramenta, entre outras técnicas e tecnologias, somadas ao esforço da gestão da Unidade de Conservação da Natureza em questão, tal fator, não é limitante para a ocorrência de incêndios florestais no seu interior. Contudo, isso não é um fato isolado, pois observa-se que na maioria das Unidades de Conservação da Natureza no Brasil, o fogo aparece como principal ameaça (ICMBio, 2015). Entretanto, dependendo da situação e do sistema de produção, o uso do fogo, pode ser uma opção de manejo a ser considerado, onde o acumulo da biomassa durante um longo período, pode significar um risco a ocorrência de incêndios florestais. No mesmo sentido, para melhor compreensão da dinâmica/regime; comportamento do fogo é importante avançar em estudos que nos permitam entender melhor a ação do fogo sobre as feições de relevo bem como o histórico do uso e ocupação na região, considerando todas as mudanças de paradigmas sobre o uso do fogo.

Agradecimentos

Referências

CRISTO, S. S. V. Abordagem geográfica e análise do patrimônio geomorfológico em unidades de conservação da natureza: aplicação na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins e área de entorno-Estados do Tocantins e Bahia. 2013. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

GASPAR, M. T. P. Sistema Aqüífero Urucuia: caracterização regional e propostas de gestão. Tese de Doutorado - Universidade Federal de Brasília, Instituto de Geociências, Brasília, 2006.

ICMbio. Relatório de Gestão. Instituto Chico Mendes de Conservação Natureza e da Biodiversidade, 2015. Disponível em<: http://www.icmbio.gov.br/acessoainformacao/images/stories/relatorios/Relatorio_de_gestao_2015_INTERNET.pdf.Acesso em<: 09 de jun. de 2017.

JENSEN, J. R. Sensoriamento Remoto do Ambiente: uma perspectiva em recursos terrestres. 2ªed. São José dos Campos: Parêntese, 2009, 604 p.
NOVO, E. M. L. M. Sensoriamento Remoto: Princípios e Aplicações. 3ª Ed. Ltda, 3ª Edição, São Paulo: Edgard Blucher, 2008.