Autores

Corrêa Pontes, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA) ; Moreira Aguiar, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA) ; Viera, V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA) ; Witeck Neto, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA)

Resumo

O presente trabalho busca apresentar a relevância da geoforma conhecida como Cerro do Itaquatiá, localizada a oeste do município de São Pedro do Sul, na região central do Rio Grande do Sul, RS. Este conjunto de belo aspecto geomorfológico tem grande importância para estudos relacionados à Fitogeografia e a Geomorfologia em razão de sua florística peculiar, uma vegetação de exceção que não é explicada através dos processos atuais. Parte de sua vegetação consiste em elementos xerófilos, que se estabeleceu durante períodos propícios ao longo do Quaternário. Uma caracterização da área é elaborada, demonstrando uma relação entre suas características fitogeográficas e geomorfológicas enfatizando a relação entre a geoforma e a cobertura vegetal.

Palavras chaves

endemismo; Geomorfologia; Rio Grande do Sul

Introdução

A interferência antrópica tem afetado diretamente os diversos tipos de ambientes em razão da apropriação e uso desenfreado dos ecossistemas naturais. Em razão do aumento da população durante os últimos cinqüenta anos, a produção agrícola buscou expandir suas áreas para desta forma atender a nova demanda do mercado internacional. Desta forma, a expansão agrícola, a criação de gado de forma extensiva, o florestamento com espécies exóticas (silvicultura) e a modernização do homem no campo adentraram em espaços que anteriormente não eram visados para atividades agrícolas. Assim, muitos ambientes têm sido agredidos diretamente, sendo alguns considerados muito frágeis por estarem representados em pequenas áreas e abrigarem espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. De acordo com Troppmair (2012) a paisagem modificada pelo homem coloca em risco a sobrevivência de espécies da fauna e flora que a constituem. Sem o conhecimento e a compreensão dos complexos mecanismos de sobrevivência das espécies não há como cobrar da sociedade uma atitude justa perante a causa. Em razão da situação presente, tornam-se necessários estudos fitogeográficos, buscando divulgar a riqueza florística presente em nossos ecossistemas. O Cerro do Itaquatiá, localizado no distrito de Xiniquá, no município São Pedro do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul, em razão de suas características geomorfológicas favorece a formação de um ambiente propícios para o surgimento de endemismos. Representantes da família Bromeliaceae e Cactaceae são verdadeiros testemunhos de oscilações paleoclimáticas do Quaternário e ao longo dos milhares de anos ficaram isolados em locais que reproduzem as condições necessárias para sua permanência e reprodução. Estas áreas são o que conhece-se como refúgios ecológicos, que por aspectos geomorfológicos (declividade) e pedológicos (solos litólicos) o homem ainda não conseguiu impactá-los ao avançar sobre eles. Estes locais geralmente são escarpas íngremes, afloramentos rochosos e solos muito pobres em nutrientes, onde não é rentável e por esta razão há pouco interesse para a agricultura.

Material e métodos

O trabalho iniciou-se com a adoção da proposta metodológica da proposição da análise sistêmica da paisagem e o método hipotético-dedutivo para uma maior aproximação da realidade com a pesquisa. Após a seleção da área de estudo, buscou-se um levantamento bibliográfico sobre a temática proposta a investigação dos objetivos, para desta maneira definir os subsídios para o desenvolvimento do tema, orientação teórico-metodológica e organização dos procedimentos ao longo do trabalho. A revisão bibliográfica realizou-se a partir de leituras sobre fitogeografia, onde foram consultados artigos, dissertações e livros os quais permitiram definir o marco conceitual deste trabalho. Os procedimentos metodológicos foram organizados em quatro fases: a) localização geográfica, delimitação da área de estudo e sua caracterização; b) coleta de dados à campo e investigação (levantamento); c) organização e interpretação dos dados coletados e d) elaboração dos resultados e conclusões. A área de estudo encontra-se a oeste do município de São Pedro do Sul, Com a definição da área de estudo, iniciou-se a delimitação da área e de localização geográfica, baseando-se na carta topográfica da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército Brasileiro, correspondente à Carta Topográfica de Mata, Folha SH.21-X-D-VI-1, MI-2964/1, Rio Grande do Sul, na escala 1:50.000, localizada entre as coordenadas Os dados foram coletados com um aparelho receptor de GPS (Sistema de Posicionamento Global), modelo eTrexLegendHCx. Foram definidos os limites da área, formando um polígono. Utilizou-se o Datum Sirgas 2000 e o programa Google Earth 6.1. As coordenadas geográficas coletadas em campo pelo receptor GPS foram inseridas no programa GPS Trackmaker Professional (GTM PRO, versão 4.8) sobre a base cartográfica vetorial contínua do Rio Grande do Sul, esta com escala de 1:50.000, na carta topográfica referida acima, constituindo um mapa de localização. Para a base cartográfica foram utilizados arquivos digitais para uso em SIG, Base Cartográfica digital do Rio Grande do Sul, escala 1:250.000. Foi utilizada uma imagem SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), com resolução de 90 metros. A adição da base cartográfica com dados coletados a campo permitiu a criação do mapa base da área em estudo. A partir desse mapa base foi desenvolvido o mapa hipsométrico da área. Em seguida, após a interpretação de imagens de satélite fornecidas pelo programa Google Earth e do mapa geológico produzido pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (2010), caracterizou-se as litologias presentes. Durante trabalho de campo buscou-se a confirmação ou correção, dos contatos das formações geológicas presentes. Posteriormente todas essas informações foram selecionadas e reunidas através da confecção de mapas demonstrando as características ambientais da área de estudo. Os mapas foram confeccionados através do programa ArcGis 10, onde foram digitalizadas as curvas de nível, apresentando as cotas altimétricas da área de estudo. A respeito da análise da vegetação, adotou-se do método de Caminhamento, proposto por Filgueiras et al. (1994), que consiste em três etapas: a) reconhecimento dos tipos de vegetação na área a ser amostrada, b) elaboração da lista das espécies encontradas e c) análise dos resultados. A identificação das espécies vegetais foi realizada in situ e posteriormente no Herbário Florestal do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Santa Maria.

Resultado e discussão

Para a caracterização do Cerro do Itaquatiá devemos entender a sua forma geomorfológica. De acordo com a proposta de Ross (1996) a geomorfologia nessa área corresponde a macroforma estrutural denominada Bacia Sedimentar do Paraná, onde são reconhecidas duas grandes unidades esculturais como Depressão periférica sul-rio-grandense e os Planaltos e Chapadas da Bacia do Paraná. De acordo com Sartori (2009) na Depressão periférica sul-rio- grandense, ocorrem as Formações Sanga do Cabral, Santa Maria e Caturrita e a unidade Planaltos e Chapadas da Bacia do Paraná abrange as Formações Botucatu e Serra Geral. O Cerro do Itaquatiá é um morrote testemunho, de topo plano com a altitude aproximada de 204 metros. No seu entorno apresenta escarpas íngremes de arenito com origem eólica, identificado pelas visíveis estruturas estratificadas e ângulo de mergulho. Conforme os dados coletados em campo e referencial teórico da CPRM (2014), a litologia do morrote consiste em três tipos distintos. Na sua base pode-se encontrar a Formação Caturrita, que consiste em arenitos finos, médios e grossos a conglomerados, róseos a alaranjados, com laminação cruzada de médio à grande porte, podendo conter vertebrados fósseis (terápodes), fragmentos vegetais (troncos silicificados) e perfurações de invertebrados (icnofósseis). Os sedimentos foram oriundos de ambiente continental, associado a canais fluviais e corpos lacustres depositados durante o Triássico Superior. Na porção intermediaria encontra-se a Formação Botucatu, apresentando arenitos finos a grossos, de coloração avermelhada, grãos bem arredondados e com alta esfericidade, com estratificações cruzadas de grande porte. A formação corresponde à ambiente continental desértico, depositado durante a segunda metade do Jurássico. Nas escarpas do cerro pode-se visualizar as estratificações cruzadas de grande porte. Talvez por esta feição que o morrote leva a denominação “Itaquatiá”, significando no tupi-guarani “pedra- pintada”. No topo, apenas no Cerro do Itaquatiá apresenta-se uma delgada camada da rocha da Formação Serra Geral, composta por derrames basálticos, granulares finos a médios, maciços de cor cinza escuro. Este fino pacote vulcânico desenvolve um papel como camada mantenedora, impedindo os agentes intempéries de derruir a estrutura do morrote. Inseridos neste tipo de forma geomorfológica estão os redutos ecológicos de flora, verdadeiros testemunhos de eventos paleoclimáticos do Quaternário. As espécies ali se estabeleceram em razão de condições geomorfológicas, edáficas e ambientais propícias. Conforme Hauck (2009) reduto é uma área atual que abriga vegetação que se expandiu no passado (durante o Pleistoceno) e com o aumento da temperatura e umidade não foi capaz de competir por espaço permanecendo em lugares onde resiste na paisagem como um ecossistema. Já refúgio reporta-se à flora confinada em setores mais úmidos, permitindo seu mantenimento durante os tempos áridos do Pleistoceno. O estudo da vegetação relitcutal do Cerro do Itaquatiá exige, primeiramente, observações sobre o meio físico e da dinâmica da vegetação. No Rio Grande do Sul é curiosa a predominância de áreas campestres em um clima favorável para o desenvolvimento de florestas. A mescla de vegetação herbácea, arbustiva e arbórea e seus arranjos já despertaram o interesse de pioneiros do estudo fitogeográfico do Rio Grande do Sul, como pode-se observar no trabalho de Rambo (1956) e de Lindmann (1906). Marchiori (2004, p.16.) afirma que os campos nativos foram interpretados por Lindman como relíctos de climas pretéritos mais secos do que o clima atual, concordando com os eventos climáticos do Pleistoceno. Nos estudos fitogeográficos de Marchiori (2002) e Rambo (1956) é notório que a vegetação do estado do Rio Grande do Sul situa-se em um período transitório induzido pelos padrões climáticos firmados entre os períodos do Pleistoceno e do Holoceno. Marchiori (2004) propõe que para deduzir a distribuição da vegetação do Estado, no caso da transição campo - floresta, deve-se dar ênfase na biologia das espécies representativas dessas áreas, assim como suas relações com o relevo. Na mescla de fisionomias vegetacionais distintas podem ocorrer pequenas áreas com vegetação aberta, como campos e campos rupestres, verdadeiras ilhas ricas em endemismo, apresentando geralmente espécies xerofíticas e heliófilas. Conforme Romariz (2012) uma espécie heliófila é um ser vivo que necessita de alta intensidade de luz para efetuar a fotossíntese e garantir seu ciclo vital. No Cerro do Itaquatiá foram encontradas sete espécies endêmicas: Parodia ottonis, Parodia linkii, Echinopsis oxygona (Cactaceae), Dyckia ibicuiensis, Tillandsia lorentziana (Bromeliaceae), Sinningia macrostachya (Gesneriaceae) e Eugenia hamiltonii (Myrtaceae). As espécies encontram-se em afloramentos rochosos no topo e nas escarpas com orientação nordeste e norte, onde é maior o índice lumínico e de temperatura. Em razão das espécies se encontrarem nas partes elevadas, há pouca interferência antrópica. Waechter (2002) cita gêneros chaquenhos presentes na flora do Rio Grande do Sul, como Dyckia (Bromeliaceae), Echinopsis, e Parodia (Cactaceae), entre outras. Estes elementos migraram da Província Chaquenha (Argentina e Paraguai) durante tempos áridos no passado geológico, quando foi propício para seu avanço, colonizando amplamente ambientes xerófitos como afloramentos rochosos, solos arenosos e até escarpas abruptas. Este tipo de vegetação está intimamente associado a uma formação campestre (mais aberta) do que a formação florestal (mais fechada) por necessidades fisiológicas de sobrevivência. Estudos sobre a dinâmica climática do Pleistoceno explicam a presença dessas xerófitas nos tempos atuais. De acordo com Marchiori (2004) a vegetação no Estado é formada por campos e florestas, em constante competição por espaço e influenciada por fatores ambientais. As áreas campestres, sendo a maioria, são verdadeiros relictos do clima do Pleistoceno, onde atualmente sofre o avanço das florestas em razão do clima do Holoceno correspondente a temperaturas mais quentes e umidade. Rambo (1956) enfatiza em seus estudos fitogeográficos sobre a vegetação do Rio Grande do Sul a presença de plantas xerófitas, como nos morros graníticos em torno de Porto Alegre e em alguns tabuleiros areníticos da Depressão periférica sul-rio-grandense e do sudoeste do Estado. Esses protagonistas constituintes do ecossistema atual apresentam características morfológicas adaptadas em tempos passados e atualmente mostram-se inadequadas às condições climáticas atuais; são como testemunhos das restrições a que foram submetidos no passado. Dessa forma essas áreas são nichos ecológicos, ou melhor, dizendo, relictos vegetacionais. Como exemplo de endemismo do Rio Grande do Sul, Aziz Ab’Saber (1995, p. 26) resalta as cactáceas nos campos “onde quer que apareçam, constituem mini-refúgios de uma flora outrora mais extensa e biodiversa”. É indispensável comentar sobre a fragilidade destes ecossistemas, que algumas ocasiões não permitem o emprego de métodos tradicionais de monoculturas e silvicultura por motivos edáficos (solos rasos) e declividade. A exploração destas áreas é limitada devido à grande rochosidade e a pouca oferta de nutrientes no solo. Mesmo assim, populações estão sendo devastadas.

Figura 1

Mapa de localização do Cerro do Itaquatiá, São Pedro do Sul, RS.

Figura 2

Escarpa abrupta rochosa na vertente leste do Cerro do Itaquatiá, São Pedro do Sul

Figura 3

Parodia ottonis, cactácea endêmica encontrada no Cerro do Itaquatiá, São Pedro do Sul, RS

Considerações Finais

Os elementos endêmicos da flora do Cerro do Itaquatiá estão associados com a geomorfologia do morrote, que apresenta um ambiente adequado para espécies relictuais com necessidades específicas de sobrevivência. O contingente florístico é formado por espécies xerófitas e endêmicas, sendo algumas ameaçadas de extinção. Foi levantada a presença de elementos chaquenhos, pertencentes aos gêneros Echinopsis e Parodia (Cactaceae), Dyckia (Bromeliaceae), demonstrando que o promontório rochoso localizado a oeste de São Pedro do Sul de alguma forma serviu como abrigo e rota destas espécies, que provavelmente, migraram durante condições climáticas mais propícias para sua expansão durante o Pleistoceno. O estudo também observou que a ação antrópica não avançou totalmente a estes espaços em razão de condições impróprias para agricultura, em razão de características geomorfológica como declividade, litologia e rochosidade. A presença de Parodia linkii, Parodia ottonis, Echinopsis oxygona, Tillandsia lorentziana e Sinningia macrostachya também é justificada pelos seus eficientes mecanismos de propagação, característica apresentada por espécies dominantes. Desta forma, o estudo enriqueceu para o conhecimento da geoforma do Cerro do Itaquatiá e para flora de São Pedro do Sul. Espera-se também que este possa contribuir de alguma maneira como referência a ser considerada em trabalhos posteriores, relacionados à Fitogeografia e Geomorfologia.

Agradecimentos

Referências

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