Autores

Soares, A.M. (UFU) ; Nishiyama, L. (UFU) ; Silva, D.C. (UFU)

Resumo

Este estudo foi realizado na bacia do córrego da Lagoinha, área urbana de Uberlândia/MG. A bacia do córrego da Lagoinha vem passando por um intenso processo de ocupação por loteamentos urbanos. Como consequência dessa ocupação alguns problemas estão sendo desencadeados pelo incremento de escoamento superficial de águas pluviais, tais como: erosão laminar e em sulcos; erosão acelerada de canal, assoreamento de vereda e de trecho do rio Uberabinha. Tendo em vista a problemática gerada pelo aumento de águas de escoamento superficial propôs-se o estudo que consistiu na determinação de vazões críticas para dois pontos situados na extensão longitudinal do córrego. Para a determinação das vazões críticas para chuvas com tempos de retorno de 10, 25 e 50 anos nos cenários de ocupação atual e quando a bacia estiver totalmente ocupada, adotou-se o Método I-Pai-Wu. Foram encontradas evidencia uma situação de risco para a população que reside próxima do córrego.

Palavras chaves

escoamento superficial; planejamento ambiental; bacia hidrográfica

Introdução

O acelerado crescimento das cidades brasileiras a partir da década de 1950 vem promovendo grandes transformações nas bacias de córregos e rios que drenam as porções com ocupação consolidada e de expansão futura. De uma maneira geral as bacias hidrográficas urbanas são ocupadas sem o devido planejamento, o que resulta em sérias consequências de ordem ambiental e socioeconômica. Dentre as consequências ambientais podem ser mencionadas a destruição da vegetação ciliar e de veredas, deterioração da qualidade da água, erosão de margens fluviais, assoreamentos, extinção de nascentes, dentre outras. No entanto, os problemas ambientais não devem ser tratados separadamente, uma vez que estes guardam uma íntima relação com o meio socioeconômico à medida que a bacia hidrográfica sofre uma drástica modificação. Como exemplo citam-se as enchentes e inundações, sendo que a sua deflagração resulta da composição de alterações ambientais ocorridas na área da bacia hidrográfica, porém, as suas mazelas tem reflexo direto sobre a população, afetando-a de distintas maneiras: insegurança, medo, desvalorização econômica de propriedades, perdas de bens móveis e imóveis, perdas de equipamentos públicos e, o que é mais grave, perdas de vidas humanas. A bacia do córrego da Lagoinha, localizada no setor sul da cidade de Uberlândia, não difere do contexto geral das demais bacias hidrográficas urbanas existentes no Brasil no que se refere ao processo de ocupação. No entanto, esta bacia possui uma particularidade: desde a sua nascente até o seu médio curso constitui uma ampla vereda, que se estende por um segmento fluvial de 1.700 metros. O trecho a jusante da vereda, de aproximadamente 1.250 metros, até a sua foz no rio Uberabinha, possui o leito estabelecido nos basaltos da Formação Serra Geral. O presente trabalho resultou de um estudo realizado na área da bacia do córrego da Lagoinha, que teve por objetivo principal a avaliação das vazões críticas incidentes em dois pontos: um a jusante da vereda, na passagem do Anel Viário Sul e, o outro, no local de descarga no rio Uberabinha. Para tanto, levou-se em consideração chuvas críticas com tempos de retorno de 10, 25 e 50 anos para dois cenários de ocupação: atual e futura da bacia, ou seja, quando esta estiver totalmente ocupada. A partir dos resultados da avaliação das vazões críticas para os tempos de retorno considerados, espera-se que as propostas relativas às medidas mitigadoras para os problemas socioeconômicos ambientais gerados pelo acréscimo de águas pluviais na bacia do córrego da Lagoinha sejam apresentadas pelos empreendedores e pelo poder público. ÁREA DE ESTUDO O córrego da Lagoinha é um dos afluentes urbanos da margem direita do rio Uberabinha. Possui uma extensão total aproximada de 3,23 km e constitui uma bacia com cerca de 6,71 km2 . No seu alto curso, o córrego da Lagoinha é formado por dois canais de 1ª ordem, que se juntam para formar um único canal em um ponto próximo da travessia do Anel Viário Sul. Desse ponto de confluência até o seu encontro com o rio Uberabinha, o córrego da Lagoinha segue sem ramificação. Em sua maior extensão o córrego se desenvolve em área de vereda, cuja largura que pode atingir o limite de 215 metros e extensão de 1.786 metros, onde se acham presentes solos orgânicos e hidromórficos recobertos por espécies vegetais higrófilas como gramíneas e buritis. A transição da vereda para vegetação não higrófila ocorre aproximadamente a altura da travessia da Avenida Nicomedes Alves dos Santos. A partir desse ponto a vegetação passa a ser composta por mata de galeria. Vários empreendimentos imobiliários ocupam atualmente a bacia do córrego Lagoinha, dentre os quais citam-se: loteamento fechado Cyrella; Gávea Sul; Shopping Park.

Material e métodos

Cálculo de vazões críticas Diferentes métodos para o cálculo de vazões críticas podem ser utilizados, tais como: Racional, I-Pai-Wu, Ven Te Chow; Método Triangular; Estatísticos Diretos; dentre outros. Adotou-se para a determinação das vazões críticas (Q) no médio curso e na foz do córrego da Lagoinha, para chuvas com tempo de retorno de 10, 25 e 50 anos, o método I-Pai-Wu (1963). Esse método sintético para o cálculo de vazões máximas é derivado do Método Racional, adequado à bacias com áreas de drenagem inferiores a 200 km². A vazão crítica foi calculada a partir da equação do Método I-Pai-Wu Q = 0,278 C i A0,9 K Onde: Q = vazão crítica [Q] = m³/s; C = coeficiente de escoamento superficial; i = intensidade da chuva crítica; = mm/h; A = área da bacia de contribuição; [A] = km²; K = coeficiente de distribuição espacial da chuva. Distintamente do Método Racional, que não é considera a forma da bacia, o Método I-PAI-WU (1963) considera o efeito da forma da bacia por meio do coeficiente de forma (C1). C1 = tp / tc Onde: tc = tempo de concentração; tp = tempo de pico. O coeficiente de forma também é dado pela expressão: C1 = 4/(2+F) Onde: F = fator de forma da bacia Para bacia exatamente circular F = 1. Onde: L = comprimento do talvegue A = Área da bacia Bacia perfeitamente circular C1 = 1 Bacias alongadas: C1 < 1 Bacias elípticas: C1 > 1 O Método Racional admite, indistintamente, C1 = 1. O coeficiente de escoamento (C) foi calculado pela expressão a seguir: C = 2/(C1+F) C2/C1 O tempo de concentração foi calculado pela fórmula de KIRPICH, publicada no “Califórnia Culverts Practice” (1956): Tc = 57(L3/H)0,385 Onde: Tc = Tempo de concentração (min) L = Comprimento da bacia de contribuição (km) = 2,372km H = Desnível médio da bacia de contribuição (m) = 70,5m A intensidade da chuva crítica foi calculada por meio da seguinte expressão: i = 〖K x Tr〗^a/((〖b+t)〗^c ) onde: i = intensidade da chuva crítica (mm/h) Tr = tempo de recorrência (anos) A, b, c e k são parâmetros da equação IDF Caracterização dos materiais da cobertura inconsolidada. Adicionalmente foram realizados ensaios de permeabilidade com uso de permeâmetro Guelph. Este ensaio consiste em realizar a infiltração da água em furos realizados a trado nas áreas livres de construção/impermeabilização na área da bacia do córrego da Lagoinha. Todos os ensaios foram executados a 0,40m de profundidade mantendo-se uma lâmina constante de água de 3 cm no interior do furo. A escolha desse método de ensaio deveu-se a necessidade de determinar o coeficiente de permeabilidade do solo na sua porção superficial, com o objetivo de simular a velocidade de percolação de água na situação de campo (in situ) e, a partir desta, avaliar o coeficiente de deflúvio da área da bacia do córrego da Lagoinha. Os seguintes passos são necessários para o cálculo do k em ensaio de permeabilidade com uso do permeâmetro Guelph: Determinação da Vazão do Regime Permanente: Q = R x A Onde Q é a vazão do regime permanente, R é a razão da vazão constante obtida durante os ensaios, e A é a área do reservatório do permeâmetro utilizado (36,19 cm2). Determinação do Coeficiente de Permeabilidade: Onde: Kfs é a condutividade hidráulica saturada de campo, C é o parâmetro fator de forma, que depende da relação H/a e do tipo do solo. Foi utilizado o valor 0,8 para os orifícios abertos a trado. H é altura da carga hidráulica utilizada (5cm), enquanto a é o raio do orifício aberto pelo trado no solo (3,1 cm). O parâmetro α é estimado inicialmente por avaliação visual in situ da macroporosidade (fissuras, formigueiros, furos de raízes, etc.) e textura do solo. Foi utilizado o valor 0,12, que engloba solos argilosos até areias finas com alta e moderada quantidade de macroporos e fissuras.

Resultado e discussão

A bacia do córrego da Lagoinha apresenta o coeficiente de forma C1 igual a 1,20, ou seja, a bacia possui a forma elíptica e o seu canal principal coincide com o maior eixo de sua área. Desse modo, o coeficiente de escoamento ou coeficiente de runoff (C) resultou no valor 0,33 para a ocupação atual. No momento em que a bacia estiver totalmente urbanizada, com 100% de ocupação dos lotes, o coeficiente de escoamento superficial C terá atingido o valor 0,53. Considerando apenas a porção da bacia situada a montante da travessia do Anel Viário Sul, os valores do coeficiente de forma da bacia (C1), do coeficiente de escoamento superficial na condição atual e condição futura com 100% de ocupação (C) resultaram, respectivamente, em 1 (bacia aproximadamente circular), 0,19 e 0,52. De posse dos pares de valores de C para os dois cenários de ocupação da bacia do córrego da Lagoinha (atual e total) chegam-se aos seguintes valores de vazões críticas para chuvas com tempo de retorno de 10, 25 e 50 anos em dois pontos distintos da bacia: travessia do Anel Viário sobre o córrego da Lagoinha e na sua foz no rio Uberabinha, conforme apresentados nas tabelas 01 e 02. Ensaios de permeabilidade in situ realizados em seis pontos da bacia resultaram nos seguintes valores: Resultados de ensaios de permeabilidade in situ. Ponto Número K (cm/s) 01 2,6 x 10-4 02 2,8 x 10-4 03 5,0 x10-4 04 5,6 x 10-4 05 6,1 x 10-4 06 5,4 x 10-4 Coeficiente de permeabilidade (k) obtido em ensaios de permeabilidade in situ com permeâmetro Guelph evidenciaram valores relativamente baixos para todos os pontos ensaiados, situando-se na ordem de grandeza de 10-4 cm/s, mesmo para solos com maior quantidade de fração areia. Esses valores indicam um certo grau de compactação do solo a 0,40 metro da superfície do terreno, tanto por efeito da urbanização, quanto pela ocupação anterior pelas atividades agropecuárias. Os córregos urbanos da cidade de Uberlândia evidenciam particularidades não observadas na maioria dos córregos. Desenvolve na sua porção de alto ao médio curso, onde as declividades são moderadas, um ambiente de vereda com vales amplos e, do médio ao baixo curso, vales encaixados com mata galeria. Esta configuração também pode ser observada nos córregos Campo Alegre, dos Vinhedos, do Jataí, do Óleo, Bons Olhos, Liso, Lagoinha, dentre outros. Embora as declividades das porções de alto curso desses córregos sejam moderadas, normalmente oscilando entre 2 e 8%, este é o trecho que apresenta a maior fragilidade ambiental, especialmente nas áreas que correspondem às veredas. O processo de urbanização de bacias hidrográficas do sítio urbano de Uberlândia tem mostrado reflexo direto sobre as propriedades mecânicas dos solos, via redução da sua permeabilidade. A consequência direta desse processo é o aumento do volume de águas de escoamento superficial (runoff) que escoam rapidamente para as drenagens fluviais. Por outro lado, os córregos urbanos possuem uma capacidade limitada de vazão na sua condição natural, apenas suficiente para conduzir as águas pluviais que não infiltraram na área da bacia. A urbanização leva a uma sobrecarga aos córregos, não só em termos de concentração de escoamento, mas também pelo aumento da velocidade do fluxo afluente, além da carga sedimentar depositada sobre a superfície da vereda. O córrego da Lagoinha vem passando por processo de urbanização em grande parte de sua bacia. Os reflexos desse processo já são nítidos em toda a sua extensão, desde as nascentes em ambiente de vereda até a sua foz, dentre os quais merecem ser mencionados: assoreamento da vereda; erosão laminar e em sulcos em toda a extensão da bacia; erosão com alargamento e aprofundamento do canal no trecho próximo da foz; assoreamento do rio Uberabinha a jusante da foz; enchentes frequentes e de grandes proporções; dentre outros. O estudo realizado com o objetivo de avaliar as vazões críticas nos cenários atual e de ocupação total da bacia, considerando chuvas com tempos de retorno de 10, 25 e 50 anos, em dois pontos distintos, evidenciou uma situação preocupante na área da bacia: o maior incremento de águas pluviais com a ocupação total da bacia será na porção de vereda, em cerca de 273% superior ao que é calculado para cenário atual. Considerando a bacia como um todo, o incremento esperado de águas pluviais com a ocupação total da área da bacia em relação ao cenário atual será de 160%.

Tabela 01

Vazões críticas calculadas para dois cenários sob precipitações pluviométricas com tempo de retorno de 10, 25 e 50 anos no ponto de travessia do Anel

Tabela 02

Vazões críticas calculadas para dois cenários sob precipitações pluviométricas com tempo de retorno de 10, 25 e 50 anos na foz junto ao rio Uberabinha

Considerações Finais

Tendo em vista a vazão atual e a esperada para um futuro próximo quando a bacia do córrego da Lagoinha estiver totalmente ocupada, as medidas atenuadoras deverão ser voltadas para a vereda em razão de sua fragilidade natural. A vazão incidente esperada, mesmo para chuvas com tempo de retorno de 10 anos, de 40,42 m3/s é demasiadamente grande para o trecho de vereda e que supera em muito a sua capacidade de vazão. Desse modo, projetos de engenharia deverão ser adequados às vazões atuais e esperadas, privilegiando a estabilidade desse ambiente, porém, sem perder de vista a bacia como um todo. A ausência desses projetos e a sua efetiva implantação poderão implicar em uma série de processos de natureza antrópica, tais como: erosão acelerada da vereda com destruição completa desse ambiente; movimentos de massa do tipo rastejo e corrida de detritos; obstrução de galerias nas travessias das principais vias com retenção de água e detritos a montante; rompimento de aterros das vias; fluxo de lama e detritos sobre áreas habitadas; dentre outros.

Agradecimentos

Referências

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