Autores

Lima, W. (UFRJ) ; Lawall, S. (UFRJ) ; Fernandes, N. (UFRJ)

Resumo

A compreensão da variabilidade espacial da chuva pode ser ferramenta fundamental para os estudos de dinâmica hidrológica de bacias hidrográficas. Em ambiente montanhoso, existe grande complexidade na observação desta variabilidade, sendo necessária a classificação e identificação dos eventos e suas repercussões na hidrologia local. Objetiva-se avaliar as influências da topografia na distribuição espacial da precipitação a partir da classificação das chuvas de diferentes pontos de uma bacia hidrográfica experimental, em ambiente serrano. Assim, foram organizados dados de 2009 e 2010 de duas estações pluviométricas nos limites da bacia experimental do Bonfim, gerando a partir disso o total anual e as classes de precipitação seguindo: 0-10 mm, 10-25, 25-40 e >40mm. A classe com maior frequência foi a de 0-10 mm, porém as chuvas extremas, totalizando 19 ocorrências, podem desencadear respostas rápidas na vazão e acelerar processos erosivos ou catastróficos, como escorregamento.

Palavras chaves

distribuição espacial; processos hidrológicos; chuva

Introdução

A precipitação é uma das fases mais importantes do ciclo hidrológico, pois representa o retorno da água em estado líquido na atmosfera para a superfície terrestre. Tal fenômeno é responsável por ativar os processos hidrológicos nas bacias hidrográficas e a análise de sua distribuição espacial, através da intensidade, duração e frequência em diferentes pontos, permitem compreender os principais fatores condicionantes para a sua ocorrência nos distintos locais. Além da dinâmica das massas de ar, a precipitação também está intrinsecamente relacionada às características morfológicas locais, considerado fator estático ou locacional. De tal modo, em ambientes montanhosos destaca-se o papel da topografia na distribuição e ocorrência de chuvas intensas concentradas, com grande volume em curto tempo. Segundo Konrad (1996), a complexidade dos padrões espaciais da chuva em terrenos montanhosos se dá pela circulação atmosférica interagindo com as diversas características topográficas e paisagísticas, incentivando a ocorrência de precipitação em determinados lugares, enquanto que inibe esses eventos em outras localidades. Além disso, o autor ressalta que o conhecimento sobre os eventos climatológicos é importante para aplicações hidrológicas e geomorfológicas em terrenos montanhosos. Em seu estudo, o autor buscou compreender a forte correlação entre a chuva e alguns fatores topográficos através da modelagem. A distribuição espacial e temporal da precipitação pode ter relevância diferente para processos distintos de geração de escoamento superficial (Tetzlaff, 2005). Assim, além de potencializar o volume e intensidade dos fluxos de escoamento superficial, a distribuição espacial da chuva interfere diretamente também no tempo das respostas hidrológicas ao longo da bacia. Givone (1990), afirma que como a chuva é um fator de formação de inundação, a hidrologia das zonas montanhosas se preocupa com a variabilidade espacial da chuva, sendo esta mais importante que terrenos planos e que possuem uma maior quantidade de estações pluviométricas. No entanto, há uma forte demanda por uma melhor estimativa de parâmetros de precipitação (intensidade-duração-frequência) em áreas montanhosas, principalmente para a avaliação dos riscos de inundação, como ressalta a autora. Assim, uma das formas mais marcantes da influência do relevo sobre o clima de uma dada localidade está no forte controle da distribuição das chuvas (Smith, 1979). Desta maneira, este trabalho tem como objetivo principal avaliar as influências da topografia na distribuição espacial da precipitação a partir da classificação das chuvas de diferentes pontos de uma bacia hidrográfica experimental, em ambiente serrano.

Material e métodos

Este estudo vem sendo realizado na bacia do rio Bonfim, em Petrópolis, afluente do rio Piabanha, principal rio que corta a região serrana do Estado do Rio de Janeiro (figura 1). Essa bacia experimental possui aproximadamente 30km², destacando-se, especialmente, pela grande presença de afloramentos rochosos, que totalizam 33% da sua área, delimitando os divisores de drenagem. Enquanto a geologia local, estão inseridos os maciços e o predomínio do Batólito Serra dos Órgãos, representado por biotita granitos e granodioritos gnáissicos; seguido de leucogranitos gnáissicos (ICMBio, 2007). Por influência geológica, o conjunto topográfico é definido por seu aspecto morfoestrutural, com lineações e morros com desníveis altimétrico acentuados, complexo de tálus. Áreas deposicionais fluviais pouco expressivas, restringindo-se basicamente as proximidades da confluência dos rios. Entre o seu principal divisor, o Pico do Açu com 2263metros (ao n.m.) e a confluência com o Piabanha, 720 m, existe um desnível altimétrico de aproximadamente 1500 metros, que contribui para a distribuição local da precipitação. Sendo assim, nas cabeceiras de drenagem a precipitação média anual atinge 2200mm, e no terço inferior da bacia, 900 mm. Segundo a classificação de Koppen, o clima regional e local é mesotérmico brando superúmido com temperatura média variando entre 13 a 23º C. Assim, verifica-se a presença de duas estações definidas, verão brando e úmido e inverno frio e seco. A bacia abrange distintos tipos de uso e cobertura do solo, que atuam de diferentes formas na hidrologia dos solos e nas suas respostas. Assim, podemos verificar na bacia três tipos de uso e cobertura: áreas de produção agrícola, mata em processo de recuperação (Mata Atlântica) e pastagem. O processo metodológico consistiu na organização de banco de dados de precipitação das estações nos limites e arredores da bacia do Bonfim - dados estes que foram disponibilizados pela CPRM (Serviço Geológico do Brasil) -, baseado numa escala temporal de 2007 à 2011. A distribuição destas ocorre em diferentes altitudes, em quatro estações pluviométricas, contendo pluviógrafos e pluviômetros. Para este trabalho, foram escolhidas duas estações em função da sequência ininterrupta de dados entre 2009 e 2010. As estações selecionadas foram a estação Sítio das Nascentes (1100m) e a Vale do Açu (980m), cujo os dados foram produzidos por estações automáticas, principalmente por pluviógrafos (Squitter) com basculação de 0,25mm de chuva. Posteriormente, houve a discretização e padronização dos dados através do programa Tarrasque In The Rain, com o volume anual, mensal e diário. Os dados foram interpretados e gráficos de precipitação total e mensal foram gerados permitindo a identificação da estação chuvosa e seca, além do volume total de cada estação. Assim, para efeito de análise detalhada e geração das classes de precipitação, os dados da estação chuvosa foram tabulados através do total de precipitação diária, baseadas na classificação de Moreira e Abreu (2002), sendo: chuva passível de ser interceptada pela vegetação (1-10mm); chuva normal (10- 25mm); chuva significativa (25-40mm) e chuva forte (>40mm). Por fim, foram selecionados picos de chuvas diários para uma observação minuciosa da frequência e da intensidade da chuva a fim de compreender a influência da topografia na distribuição espacial da chuva.

Resultado e discussão

No período de estudo (2009 e 2010), o mês que apresentou maior quantidade de precipitação foi o de Janeiro, em 2010, na estação Vale do Açu, cujo o valor alcançou 326 mm, representando um grande impacto hidrológico para região. Por outro lado, o mês menos chuvoso foi o de agosto, no mesmo ano, também da estação Vale do Açu, onde o valor alcançado foi o de 8 mm. No geral, a média de precipitação para o período (2009 e 2010) foi de 1622mm, demonstrando um grande regime pluviométrico para a área, prevista para os indicadores de região serrana, de clima mesotérmico úmido e superúmido. Quanto a classificação proposta por Moreira e Abreu (2002), durante o período de análise, partindo dos dados de precipitação total diária, a maior representatividade foi a classe compreendida entre 0-10mm, com ocorrência total de 547 eventos. A classe de 10-25mm atingiu 124 eventos, enquanto que a classe de 25-40mm, 24. E, por fim, a classe com eventos acima de 40 mm registrou 19 eventos no total. Em termos hidrológicos, estas últimas são de grande representatividade, pois são considerados eventos extremos que afetam diretamente a dinâmica hidrológica e as respostas da bacia, podendo potencializar diretamente a geração de fluxos diretos nos canais, picos na hidrógrafa e escoamentos superficiais rápidos, dependendo das características também do uso e cobertura do solo. No entanto, cabe destacar que para efeitos erosivos e desastres como os movimentos de massa, os extremos de precipitação, mesmo que com baixa frequência, podem gerar severos danos locais. A partir do mês mais chuvoso, em janeiro de 2010, foi feita uma tabela com os eventos extremos, ou seja, chuva acima de 40mm. Embora no geral não exista grandes disparidades entre as estações, ainda assim, a tabela 1 mostra que há uma interferência da altitude nesses eventos, de tal maneira que a estação Sítio das Nascentes possui registrados 8 eventos, ao passo que o Vale do Açu possui somente 5 eventos. Deve-se ressaltar a ocorrência dos eventos extremos no dia 25 de Janeiro, onde o input de chuva alcançou valores altos e pode ter gerado uma vazão de pico nos canais do rio Bonfim. A distribuição espacial da chuva é condicionada por dois fatores: a orografia e o mecanismo dinâmico de massas de ar. Os resultados obtidos nas duas estações não apresentam uniformidades, porém não existe uma disparidade entre os mesmos, ao ponto de se conciliarem em determinadas classes. A sazonalidade é marcada por duas estações bem definidas: uma estação chuvosa, nos meses de verão, e outra estação seca, nos meses de inverno – clima predominante cwb, de acordo com a classificação de Köppen. Os dados apresentados no Paraíso Açu incidem maior frequência de precipitação para as classes acima de 10 mm, podendo ser influenciada pela posição de instalação e presença de afloramentos rochosos. Como pode ser visto no Gráfico 1, o ano de 2009 houve ocorrência de chuva normal (acima de 10 mm) de forma constante para todos os meses. Verificou-se maior frequência de precipitação total diária para a classe de 1-10 mm em todos os meses estudados. No entanto, estas chuvas podem ser interceptadas pela vegetação, principalmente no ambiente florestado, ou mesmo umedecer a camada superficial do solo, na agricultura e pastagem. Sendo assim, torna-se pouco relevante para a geração de fluxo escoamento direto no canal, da mesma forma em Silveira e Souza (2012). Para os eventos entre 10 e 25 mm, sendo esta classe a segunda com maior frequência nos dados, podemos ressaltar que estes valores contribuem para a geração de umidade antecedente. Uma vez o solo úmido, e submetido a novos inputs, a geração de escoamento superficial pode ocorrer de forma mais rápida, por excedente a infiltração, principalmente em áreas de agricultura e pastagem (textura mais fina), como visto em Lawall (2010). A classe de 25 a 40 mm pode proporcionar uma resposta rápida na vazão considerando as características geomorfológicas locais, ou seja, alta declividade, vale em V, presença de afloramentos rochosos e solos rasos sendo que estes podem atingir rapidamente a saturação perante a classe apresentada. Esses eventos ocorrem em menor frequência, entretanto são de extrema importância nos processos hidrológicos, como já analisado em Calvetti et al. (2010). Assim, são importantes para o fluxo subterrâneo e possuem um papel fundamental para a recarga dos canais de drenagem. A classe acima de 40 mm tem como ação principal o escoamento superficial que é gerado quando a capacidade de infiltração do solo é excedida e a água atinge o canal rapidamente. Tais eventos são mais raros e, quando ocorrem, podem ser de maneira uniforme para todos os meses. Nos gráficos 1 e 2, podemos observar que esses eventos ocorrem principalmente nos meses de verão, destacando-se o mês de novembro com a maior frequência para esta classe, com 11 ocorrências. E por fim, para esta classe, quando este volume atinge a superfície de um solo já saturado, pode desencadear processos geomorfológicos de grande magnitude, como os escorregamentos.

Figura 1

Bacia Experimental do rio Bonfim, região serrana do Estado do Rio de Janeiro

Gráfico 1

Predominância da classe de 1-10mm

Gráfico 2

Classe acima de 40mm ocorre principalmente nos meses de Novembro

Tabela 1

Maior parte dos eventos ocorrem no Sítio das Nascentes, onde a altitude é maior

Considerações Finais

A topografia influi diretamente na precipitação, uma vez que há uma correlação da frequência nos locais de maior altitude. Dessa forma, a distribuição espacial da chuva ocorre de maneira diferenciada, causando diferentes respostas hidrológicas a cada classe de chuva aqui estudada. Com relação à resposta hidrológica destas bacias, as chuvas extremas podem gerar picos de vazão instantâneos uma vez que o ambiente geomorfológico serrano contribui para tal processo. Por outro lado, as demais precipitações podem contribuir para a recarga e manutenção dos mananciais da bacia. Dando prosseguimento a pesquisa, novas variáveis são incorporadas, tais como: a relação precipitação x vazão dos canais, os parâmetros morfológicos e também, novos dados de outras estações adquiridas recentemente na bacia do rio Bonfim.

Agradecimentos

A comunidade do rio Bonfim, sempre solícita e acolhedora. A CPRM/Serviço Geológico do Brasil pela manutenção e produção dos dados. Ao Projeto EIBEX e RHIMA. Ao CNPq, pela bolsa PIBIC.

Referências

CALVETTI, L. et al. Definição de classes de precipitação para utilização em previsões por categorias hidrológica. 2006. Disponível em:http://www.cbmet.com/cbm-files/14-4fe4679ff7c6bb48f49254678b0a4345.pdf. .

GIVONE, C; MEIGNIEN, X. Influence of topography on spatial distribution of rain. Hydrology of Mountainous Areas, n. 190, p. 57 – 65, 1988.

JOHANSSON, B., CHIEN, D. The influence of wind and topography precipitation distribution in Sweden: statistical analysis and modelling. Journal of Climatology. v. 23, p. 1523 – 1535, 2003.

KONRAD, Ch. E.  Relationships between precipitation event types and topography in the Southern Blue Ridge Mountains of the southeastern USA. International Journal of Climatology. v. 16, 1996. p. 49-62.

LAWALL, Sarah. Modificações na hidrologia dos solos em resposta as alterações de uso e cobertura na Bacia Hidrográfica do Bonfim, região serrana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PPGG/UFRJ, 2010.

SILVEIRA, C.; SOUZA, K. Relações hidrológicas entre a pluviosidade e a vazão em uma série temporal (2007-2009) de uma bacia de drenagem de uso misto – Teresópolis, RJ, Brasil. Geociênc. (São Paulo)[online]. 2012, vol.31, n.3, pp. 395-410.

SMITH, R.B. The influence of mountains on the atmosphere. Advances in Geophysics. v. 21, p. 87 – 230, 1979.

SOARES, F.S.; Francisco, C. N.; Carvalho, C.N. Análise dos fatores que influenciam a distribuição espacial da precipitação no litoral sul fluminense. RJ. In: Anais XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Goiânia, Brasil, 2005. p.3365-3370.

TETZLAFF, D.; UHLENBROOK, S. Significance of spatial variability in precipitation for process-oriented modelling: results from two nested catchments using radar and ground station data. Hydrology and Earth System Sciences, v. 9, p. 29 – 41, 2005.