Autores

Mantovani, J.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Rodrigues, C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)

Resumo

O número de licenças ambientais emitidas cresceu enormemente, com destaque aos empreendimentos rodoviários. A Geomorfologia apresenta grande potencial de contribuição neste cenário, sobretudo em diagnósticos do meio físico e avaliações de impacto. Porém, por vezes se resume a abordagens genéricas e introdutórias. O artigo objetiva apresentar os principais impactos de rodovias no sistema geomorfológico, em relação às formas, materiais e processos afetados direta ou indiretamente por tais intervenções, utilizando como base os referenciais da Geomorfologia Antropogênica e da Cartografia Geomorfológica. A sistematização dos principais impactos, subsidiou a seleção e proposição de geoindicadores para sua avaliação, estruturada em quadro síntese. Os resultados contribuíram para o conhecimento dos impactos desta categoria de intervenção, inserção da proposta dos geoindicadores neste debate e para reflexão acerca da adoção de novas abordagens nas avaliações de impactos do meio físico.

Palavras chaves

impacto geomorfológico; geoindicadores; rodovia

Introdução

Desde a instituição da Resolução Conama nº 01 de 1986, que prevê a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental, para implantação, ampliação e funcionamento de empreendimentos com significativos impactos ambientais, o número de processos de licenciamento ambiental, e de profissionais envolvidos em sua realização, cresceu de forma significativa. Dentre as licenças ambientais emitidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), os empreendimentos lineares apresentaram uma presença significativa, com representatividade média de 40,5% do total de licenças emitidas desde 1998, ano em que a primeira licença para este tipo de empreendimento foi expedida. Deste grupo, cabe destacar as rodovias, representando, em média, 32% do total de licenças emitidas por esta modalidade de empreendimento no período de 1998 a 2014. Além dos números expressivos de licenças ambientais emitidas, a grande extensão espacial e área ocupada por tais empreendimentos (lineares, no geral, e rodoviários, em particular), merecem destaque; assim como a expressão espacial dos impactos diretos e indiretos resultantes de sua implantação. O licenciamento ambiental integra, de forma mais ampla, o processo de planejamento ou gerenciamento ambiental, que envolve diversos agentes, instituições e instrumentos técnicos, como as Avaliações de Impacto Ambiental, Planos de Recuperação de Áreas Degradadas, análises de risco, planos de manejo, entre outros. A Geomorfologia, enquanto ciência dedicada ao estudo das formas, materiais e processos, bem como da dinâmica atual e pretérita da superfície terrestre, desempenha importante papel no gerenciamento ambiental, principalmente no que tange à avaliação do meio físico. Como exemplo, é possível citar suas contribuições em reconhecimentos de território e inventários de recursos naturais, em estudos de alternativas locacionais, no planejamento de etapas e estudos mais precisos, etc. Ainda assim, em termos práticos, a geomorfologia apresenta papel reduzido em instrumentos técnicos e estudos ambientais, diante de seu potencial de contribuição. Nos Estudos de Impacto Ambiental, por exemplo, sua participação limita-se a abordagens descritivas e a caracterizações introdutórias, utilizando, em sua maioria, dados secundários produzidos em escalas mais abrangentes, pouco compatíveis com a identificação de impactos associados à implantação de tais empreendimentos. Tais estudos são, muitas vezes, orientados por Termos de Referência genéricos, emitidos pelo órgão ambiental responsável pelo processo de licenciamento. A falta de conhecimento territorial substantivo, bem como a carência de mapas temáticos e estudos em diferentes escalas espaciais e temporais, pode ser um dos principais fatores limitantes no aprofundamento do conteúdo geomorfológico. Evidentemente, são encontradas exceções, com participação da Geomorfologia de forma mais completa e aprofundada. Além de seu papel no reconhecimento do território e em diagnósticos do meio físico, a Geomorfologia apresenta abordagens específicas, que permitem analisar mais detalhadamente os impactos da intervenção antrópica no sistema geomorfológico, como a Geomorfologia Antropogênica e a Geomorfologia de Engenharia, esta última no que tange à interação e aos impactos de obras de engenharia (COOKE; DOORNKAMP, 1990; BRUNSDEN et al., 1975; NIR, 1983). O presente artigo se insere neste contexto, tendo como objetivo, apresentar os principais impactos de empreendimentos rodoviários no sistema geomorfológico, utilizando para tal, os referenciais da Geomorfologia Antropogênica, na identificação das formas, materiais e processos afetados direta ou indiretamente por tais intervenções, bem como, a proposta dos geoindicadores enquanto chave para a quantificação e avaliação dos impactos no meio físico, em estudos ambientais.

Material e métodos

Para obtenção dos resultados esperados realizou-se extensa pesquisa bibliográfica nos campos da Geomorfologia Aplicada, Geomorfologia Antropogênica, Cartografia Geomorfológica Evolutiva, Geologia de Engenharia e em manuais de avaliação de impactos de obras de engenharia, em especial rodoviárias, sobre o meio físico. A realização de tal pesquisa bibliográfica possibilitou a apropriação dos conceitos básicos relacionados ao tema, o contato com diferentes abordagens e a sistematização, em forma de matriz, dos principais impactos de empreendimentos rodoviários no sistema geomorfológico, considerando suas diversas fases de implantação. Com base em tal matriz foi possível sistematizar, em formato de quadro, os geoindicadores mais relevantes para avaliação dos impactos de rodovias no sistema geomorfológico, organizado de acordo com cada subsistema específico afetado e conforme a fase de implantação da rodovia, conforme apresentado em Mantovani (2015). Dentre os principais campos acessados na pesquisa bibliográfica, destaca-se a Geomorfologia Antropogênica e a proposta metodológica da Cartografia Geomorfológica Evolutiva. A primeira tem como base a compreensão da atividade antrópica como ação geomorfológica, com influência significativa nas formas, materiais e processos da superfície terrestre. De acordo com Nir (1983), esta abordagem teria como principal objetivo, investigar o papel, a extensão e a magnitude de tais influências antrópicas no sistema geomorfológico, em suas diversas modalidades, como a agricultura, urbanização, etc. Alguns autores associados à esta abordagem, como Toy e Hadley (1987), defendem a compreensão das atividades humanas como perturbações no sistema geomorfológico, e a necessidade de adotar diferentes escalas espaciais e temporais na investigação de suas influências, considerando os sistemas e processos envolvidos. Apesar de apoiar-se em arcabouço teórico-conceitual da Geomorfologia Pura, a abordagem da Geomorfologia Antropogênica possui fins aplicados, buscando orientar as ações e ocupação humana no sentido da prevenção, controle e recuperação de riscos de degradação, manutenção de estruturas e conservação ambiental (Rodrigues, 1997). A Cartografia Geomorfológica, entendida como principal técnica e produto da pesquisa geomorfológica, pode contribuir às pesquisas conduzidas no âmbito da Geomorfologia Antropogênica, por combinar informações complexas, de natureza descritiva e interpretativa, sobre as formas, materiais e processos, bem como da gênese e dinâmica local (Rodrigues, 1997). No âmbito do diálogo com a Geomorfologia Antropogênica e, mais especificamente, com o estudo da urbanização, é possível destacar a proposta metodológica da Cartografia Geomorfológica Evolutiva, concebida e descrita por Rodrigues (2005), combinando a base teórico-conceitual da Geomorfologia Antropogênica, com a Cartografia Geomorfológica. Resumidamente, esta abordagem compreende a ação antrópica enquanto ação geomorfológica, com consequências diversas no sistema geomorfológico, impactando nas taxas e balanços de processos, na localização e propriedades dos materiais e nas morfologias originais, gerando novas formas, denominadas de morfologias antropogênicas. Neste sentido, Rodrigues (2005) destaca como fundamental para aplicação desta proposta: a utilização da abordagem sistêmica; a investigação da dinâmica de ocupação e da história cumulativa das intervenções humanas, considerada em diferentes estágios – pré-intervenção, intervenção ativa e intervenção consolidada; a utilização de diversas escalas espaço-temporais; e o emprego da cartografia geomorfológica como instrumento de pesquisa. O resultado deste processo de análise também deve ser apresentado, preferencialmente, como produtos cartográficos de síntese, com as informações espacializadas de forma a favorecer a utilização desta proposta metodológica para planejamento físico-territorial.

Resultado e discussão

Como resultado do esforço de levantamento e pesquisa bibliográfica, foi possível reunir informações acerca das características construtivas das estruturas rodoviárias, de seu funcionamento, e dos principais efeitos e impactos no meio físico, possibilitando, ainda, o levantamento de geoindicadores passíveis de serem utilizados para sua avaliação. De modo geral, a implantação de uma rodovia compreende sete grandes etapas, em ordem seqüencial, conforme descrito por IPT (1992): (i) investigações geológico-geotécnicas, abertura de picadas e levantamentos geofísicos, etc.; (ii) movimentações de solo e rocha, como cortes e aterros, escavação de túneis, abertura de estradas de serviços e a supressão de cobertura vegetal associada; (iii) execução de obras de contenção de cortes e taludes; (iv) instalação de dispositivos de drenagem, para captar e redirecionar fluxos superficiais de cortes, aterros e da pista de rolamento; (v) realização de obras de proteção superficial, como a implantação de cobertura vegetal; (vi) tratamento do corpo estradal e dos acostamentos, abrangendo as atividades de produção de concreto e a pavimentação; e por fim (vii) a instalação de equipamentos e dispositivos de segurança. Cada etapa apresenta efeitos e impactos, diretos ou indiretos, sobre as formas, materiais e processos do relevo local, como a produção de novas morfologias, o redirecionamento dos fluxos, alteração nas taxas e balanços dos processos superficiais, entre outros. Para levantar os principais impactos e posteriormente sistematizá-los, foram utilizados como base, de modo geral, os seguintes autores: Nir (1983), destacando a fase de movimentação de terra como a mais crítica em impactos no sistema físico, e os efeitos deflagrados principalmente nas descontinuidades de material, como na interação entre o pavimento e o solo; Brunsden et al. (1975) ressaltando as potencialidades e contribuições do mapeamento geomorfológico à engenharia de estradas; IPT (1992), detalhando diversos impactos, mas dando destaque aos processos deflagrados e à redução da estabilidade do terreno; Suzuki, Azevedo e Kabbach Junior (2013), detalhando as consequências da presença excessiva de umidade no interior do corpo estradal e seus efeitos no pavimento; Cunha (2001), citando alterações em propriedades do canal fluvial; e Forman e Alexander (1998), destacando as possibilidades de contaminação das águas superficiais via transporte de sedimentos e poluentes vindos do canteiro de obras e do corpo estradal. O Quadro 01, abaixo, apresenta sistematização simplificada das principais mudanças, efeitos e impactos no sistema geomorfológico, associados à implantação e operação de rodovias. Com a identificação e sistematização dos principais efeitos e impactos de rodovias no sistema geomorfológico, recorreu-se a proposta dos geoindicadores de mudanças ambientais rápidas, como chave para a quantificação e verificação destes impactos. Concebida por comissão organizada pela International Union of Geological Sciences (IUGS) e consolidada em obra de Berger e Iams (1996), esta proposta tem como objetivo apresentar indicadores que possibilitem compreender, de forma simplificada e quantificada, a ocorrência de fenômenos físicos de curta duração, perceptíveis na escala da vida humana, atuando como uma nova métrica da paisagem. Diante de suas possibilidades de contribuição, foi realizada sistematização dos principais geoindicadores passíveis de serem utilizados para compreensão e quantificação dos efeitos e impactos de rodovias no sistema geomorfológico, com base, principalmente, nas obras de Berger e Iams (1996), Coltrinari e McCall (1995), Coltrinari (1996) para meio tropical úmido e, no âmbito da aplicação de geoindicadores em áreas urbanizadas, no artigo de Rodrigues (2010), que sistematizou os principais indicadores e parâmetros para avaliação de impactos e mudanças ambientais promovidos pela urbanização nos sistemas hidro-geomorfológicos. O Quadro 2, abaixo, apresenta síntese dos principais geoindicadores sistematizados para os diferentes períodos de intervenção dos empreendimentos rodoviários: original ou semi-preservado (anterior à implantação da rodovia e sem mudanças significativas no sistema geomorfológico, conforme Rodrigues, 2005); intervenção ativa e de intervenção consolidada (fase de operação da rodovia). Tal sistematização, considerada como resultado metodológico da pesquisa, apresentada de forma completa em Mantovani (2015), buscou organizar os geoindicadores levantados na pesquisa bibliográfica de acordo com lógica específica, baseada nos sistemas (fluvial, vertente e bacia hidrográfica) e sub-sistemas geomorfológicos (canal fluvial, lacustre, planície fluvial, entre outros) abrangidos pelos geoindicadores.

Considerações Finais

Até essa etapa, a pesquisa obteve como resultado principal, a sistematização dos principais geoindicadores de mudanças ambientais resultantes da implantação de estradas, com base na literatura já existente sobre o assunto, e nas possibilidades de complementação a partir dos principais impactos geomorfológicos sistematizados durante a etapa de pesquisa bibliográfica. Foi possível observar a existência de ampla gama de efeitos e impactos geomorfológicos resultantes da implantação e operação destes empreendimentos, muitos não abrangidos em Avaliações de Impacto Ambiental, programas monitoramento de impactos; e inclusive, nos Termos de Referência que orientam tais estudos, emitidos pelos órgãos ambientais. A aplicação de parcela dos geoindicadores sistematizados apresenta-se como proposta de continuidade da pesquisa e é abordada em Mantovani (2015). De qualquer forma, a partir deste resultado metodológico foi possível realizar as seguintes considerações: (a) necessidade de investigar mais a fundo os efeitos e impactos geomorfológicos da implantação de estradas, e incorporá- los em Termos de Referência como orientação às Avaliações de Impacto Ambiental; e (b) contribuição da abordagem dos geoindicadores na avaliação e monitoramento dos impactos, ainda que se destaque a necessidade de utilizar maior número de recortes temporais (em número e em frequência), de forma a acompanhar as diferentes fases de implantação das rodovias e de deflagração dos impactos associados a cada uma.

Agradecimentos

À Capes pelo fomento financeiro e apoio à realização desta pesquisa

Referências

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