Autores

dos Santos, R.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL) ; Verdum, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL) ; Caneppele, J.C.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL)

Resumo

Ametista do Sul/RS se destaca pela explotação mineral de geodos de ametistas. Considerando que a explotação gera impactos ambientais negativos, neste artigo busca-se identificar, através da Geomorfologia, quais são esses impactos. Assim, realizamos uma compartimentação geomorfológica para identificar, em qual compartimento os depósitos de rejeitos mais antigos e os atuais estão localizados e quais são os impactos negativos decorrentes dessa deposição. A compartimentação foi elaborada pela geração do Modelo Digital de Elevação através do Software ArcGis™ 10.2.2 e a identificação dos depósitos através da interpretação das fotografias aéreas de 1975, e da criação de polígonos do ano de 2014 no software Google Earth®. Em campo eles foram identificados, e os resultados demonstram que os depósitos estão localizados, principalmente, no compartimento Encosta 1 e os principais impactos negativos foram a alteração da rede de drenagem e das feições relacionadas às vertentes e aos fundo de vale.

Palavras chaves

Impacto Ambiental; Cartografia Geomorfológica; Explotação Mineral

Introdução

Os seres humanos são uma parte integrante do ambiente e o principal agente transformador do espaço geográfico. Desde o princípio da civilização, os recursos naturais permeiam a economia e a sobrevivência humana. A atuação humana tem sido intensa e dinâmica, extraindo quantidades cada vez maiores destes recursos, visando atender as necessidades socioeconômicas, acarretando diversos problemas ambientais em escala local, regional e global, os quais afetam o equilíbrio ecológico do planeta. O Rio Grande do Sul possui importantes reservas minerais, com destaque para a produção de gemas, principalmente ágata e ametista, ambas ocorrem cristalizadas no interior de geodos nos derrames basálticos da Formação Serra Geral, constituindo atualmente uma das principais fontes brasileiras desse bem mineral. Com relação à ametista, as principais jazidas estão situadas na região do Alto Uruguai, norte do Rio Grande do Sul, com destaque para os garimpos localizados em vários municípios, dentre os quais Ametista do Sul/RS. Nesta região, existem inúmeros garimpos de ametista, onde a extração dos geodos é feita na rocha inalterada a partir do corte em galerias horizontais subterrâneas e, por vezes, em lavras a céu aberto. Para explicar a locação (formação) dos geodos localizados na região do Alto Uruguai, este trabalho se baseia no estudo de Gomes (1996). Neste estudo, foram realizados sete perfis geológicos e neles individualizados 12 derrames basálticos (Figura 01), com espessura entre 15 e 50 m, do intervalo da cota de 212 m, próximo ao Rio Uruguai, que é o nível de erosão mais baixo da área, até a cota mais alta de 540 m. Com base em estruturas internas e com a finalidade de correlacionar e individualizar cada um dos derrames vulcânicos, eles foram divididos em tipo I e tipo II, baseados em características como: espessura, presença de brechas magmáticas e ou arenito, níveis vesiculares do topo e da base, padrão de fraturamento e a presença de nível de geodos. Os geodos portadores de ametistas foram encontrados neste trabalho nos derrames do tipo I em cotas altimétricas de 240-268m (derrame 2), 360-390m (derrame 6), 415-455m (derrames 8-9). Figura 1 - Modificado de Gomes (1996) A mineração de ametistas é a principal atividade econômica de Ametista do Sul, e teve seu início na década de 1940, com caçadores e agricultores que ao se instalaram na região, encontraram as primeiras pedras semipreciosas. Logo se iniciou a explotação mineral, da pedra ametista (origem do nome do município). Porém, até hoje pouco se tem feito pra preservar ou conservar as áreas próximas aos garimpos ou recuperar as áreas já degradadas, bem como dar o correto destino aos depósitos de rejeitos, acarretando em impactos ambientais negativos. Segundo o artigo 1º da resolução nº 001/86 do Conama, impacto ambiental é definido como: "qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: (I) a saúde, a segurança e o bem-estar da população; (II) as atividades sociais e econômicas: (III) a biota; (IV) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e (V) a qualidade dos recursos ambientais”. Assim sendo, impacto ambiental é uma alteração no meio ou em qualquer de seus componentes determinada por ações ou atividades sociais. Estas alterações apresentam variações relativas, podendo ser, por exemplo, positivas ou negativas, grandes ou pequenas; e diversas são as classificações de impactos ambientais, variando de acordo com a interpretação ou metodologia adotada. Devido à forma desordenada que se deu a explotação mineral, em Ametista do Sul, sem serem avaliadas as características e as dinâmicas do meio, muitas vezes aliadas à falta de estrutura, ocorreram ao longo do tempo importantes transformações nas feições do relevo e na rede de drenagem do município, que foram identificadas e localizadas a partir da metodologia proposta.

Material e métodos

A metodologia para identificação de impactos ambientais negativos, através da compartimentação geomorfológica, foi dividida em quatro principais etapas: 1) Inicialmente com o levantamento bibliográfico, acerca da formação e caracterização geológica e geomorfológica, além da localização dos geodos. 2) Escolha das imagens ou fotografias aéreas que permitissem uma análise temporal da evolução e localização dos rejeitos e qual os prováveis impactos ambientais decorrentes destes. 3) Elaboração da compartimentação geomorfológica a partir do software ArcGis 10.2.2 embasada na taxonomia de Ross (1992) e 4) Saída de campo, localização dos rejeitos na compartimentação geomorfológica e identificação e localização dos impactos ambientais. Na primeira etapa foi efetuado o levantamento bibliográfico através da consulta, leitura e seleção de bibliografias, sendo teses, dissertações, artigos e publicações que se relacionam com a temática de estudo, acerca da formação e caracterização da geologia e geomorfologia da região. Para a análise temporal da evolução dos rejeitos sobre os diferentes compartimentos geomorfológicos, foram escolhidas as datas de 1975 e 2014. A escolha da data de 1975, foi em função do levantamento aéreo existente que cobria toda a área de estudo, ou seja, fotos aéreas na escala 1:110.000, Exército Brasileiro, o que permitiu a identificação dos rejeitos, enquanto a escolha da data de 2014 se deu por ser esta a imagem mais recente. A segunda etapa foi a de interpretação de fotografias aéreas do ano de 1975, em escala 1:110.000, através do uso do estereoscópio, localizando as prováveis áreas de depósito de rejeitos e da rede de drenagem que durante essa data se apresentava pouca impactada. As camadas do ano de 1975 foram geradas a partir do georeferenciamento da fotografia aérea e da vetorização das informações identificadas a partir da estereoscopia, enquanto as camadas do ano de 2014 foram elaboradas através da criação de polígonos sobre os rejeitos no software Google Earth®, sobre imagens do satélite SPOT-6, com resolução espacial de 1,5 metros, polígonos estes que foram convertidos para formato shapefile pelo ArcGis. A terceira etapa iniciou com a elaboração da compartimentação geomorfológica, a partir da utilização da ferramenta TIN do software ArcGis® 10.2.2, que gera um Modelo Digital de Elevação, tendo como base as curvas de nível extraídas de imagens SRTM, para posterior definição dos compartimentos através da taxonomia de Ross (1992). A última etapa foi a de localização dos rejeitos sobre a compartimentação geomorfológica, através do cruzamento de camadas no ArcGis, e do auxílio do trabalho de campo com o registro fotográfico e visual dos rejeitos; bem como a identificação dos principais impactos ambientais negativos causados por esses depósitos. Os mapas que mostram estes impactos sobre os cursos d'água foram elaborados, inicialmente, através da interpretação da fotografia aérea com a identificação da rede de drenagem do ano de 1975, posteriormente vetorizadas pelo software ArcGis® 10.2.2; enquanto os cursos d’água impactados no ano de 2014 foram identificados durante trabalho de campo e foram definidos como aqueles impactados pelos rejeitos. Para a compartimentação geomorfológica e identificação dos impactos ambientais negativos provocados pela mineração, a área de estudo escolhida foi a Bacia Hidrográfica da Sanga da Curta, onde ficam os garimpos mais antigos do município e que possui a maior quantidade de rejeitos nas encostas. Esta bacia se apresenta em forma de um vale em V formado, com morros cujas vertentes possuem entre 6 e 55% de declividade e apresenta uma variação entre cerca de 240 à 500 m de altitude.

Resultado e discussão

A partir da metodologia de Ross (1992), foi possível caracterizar quais as formas de relevo que podem ser encontradas na área de estudo, sendo possível de serem inseridas dentro das seguintes unidades taxonômicas, Figura 02: Figura 2 - Compartimentação Geomorfológica Foram definidos quatro compartimentos geomorfológicos (Figura 02), a partir da metodologia de Ross (1992), a fim de verificar em qual deles ocorrem os impactos ambientais, influenciadas pelos depósitos de rejeitos da explotação mineral. O Topo, sendo a parte mais alta do relevo dentro da área de estudo, com altitudes que variam entre 461-520 m; a Encosta 1, possuindo altitudes entre 401-460 m; a Encosta 2, que possui altitudes entre 341-400 m e o Vale Fluvial, tendo sua altitude entre 220-340m. Os depósitos de rejeitos, tanto do ano de 1975 quanto no ano 2014, foram localizados predominantemente na Encosta 1, de altitude entre 401 à 460 e, também, em menor quantidade na Encosta 2, de altitude 341 à 400 (Figura 03), coincidindo com o perfil geológico criado por Gomes (1996), que demonstra a sequência de derrames basálticos portadores de ametistas nessa cota altimétrica, principalmente nos derrames 8-9 com cotas entre 415-455m. Essa associação entre a localização dos geodos e os depósitos dos rejeitos, pode ser entendida pela falta de planejamento e gestão dos garimpos, onde estes são depositados nas encostas dos morros, vertente abaixo, geralmente em frente ao próprio garimpo. O que compromete o meio, pois eles ocupam o espaço da mata nativa e das nascentes, provocando o assoreamento das drenagens. Destaca-se, ainda, que as alternativas para combater esse passivo ambiental, gerado ao longo do tempo de extração, não são criadas. Uma das explicações para a permanência desses rejeitos está no não seguimento de todas as etapas das atividades minerarias, que devem ser seguidas pelo minerador, no que tange aos aspectos ambientais, a Norma de Regulamentação da Mineração 01 estabelece as seguintes etapas: prospecção, pesquisa, desenvolvimento, lavra; beneficiamento e desativação do empreendimento. Departamento Nacional de Produção Mineral (1988). No caso de Ametista do Sul, apenas as fases de desenvolvimento, lavra e beneficiamento são seguidas, o que acarreta na formação de passivos ambientais, uma vez que um destino correto dos rejeitos não é efetuado, nem a correta desativação da lavra. Os garimpos são iniciados sem nenhum tipo de análise prévia, como a fase de prospecção ou pesquisa, assim, o processo de mineração começa de forma intuitiva, utilizando os garimpeiros, apenas sua experiência acumulada por gerações para estabelecer o local de inicio da furna. Com relação à evolução temporal dos depósitos de rejeitos, entre o período de 1975 e 2014, observou-se um aumento significativo deles nas encostas dos morros, relacionada ao crescimento das atividades vinculadas à explotação mineral, alterando consideravelmente as características da área de estudo. As atividades de mineração de ametistas intensificaram-se significativamente com o passar dos anos, aumentando também, a quantidade de depósitos de rejeitos alocados de forma indevida no meio. Essa intensificação pode ser percebida, a partir do mapa de rejeitos de 2014, em comparação com o de 1975. Enquanto que em 1975 foram identificados cinco depósitos de rejeitos, em 2014 o número subiu para 24. Figura 3 - Mapas temporais de rejeitos   A partir da compartimentação geomorfológica e da localização dos rejeitos, foram constatados impactos ambientais negativos, devidos à disposição indevida dos rejeitos da explotação mineral. Os principais impactos ocorreram na rede de drenagem, que sofreu alteração em seu leito natural. O mapa dos cursos d'água e rejeitos de 1975 (Figura 04 - mapa superior) demonstra que as áreas de mineração já estavam próximas das redes de drenagem, influenciando desde aquela década as alterações nos canais. É possível perceber no mapa de Cursos d’água e rejeitos de 2014 (Figura 04 - mapa inferior), após o início da mineração, a nascente do curso principal da bacia da Sanga da Curta passou por uma considerável mudança, devido a abertura de um garimpo sobre o curso d'água e o despejo dos rejeitos nele, prejudicando o fluxo da drenagem do curso d'água, que em alguns momentos se torna intermitente. A partir do trabalho de campo foram identificados em dois pontos distintos do curso superior da Sanga da Curta, fluxo de água reduzido. O mapa de curso d'água e rejeitos de 2014 (Figura 04 - mapa inferior) evidencia que o aumento da mineração implicou, também, no assoreamento ou até no desaparecimento de pelo menos oito drenagens, marcadas por traços vermelhos. Sobretudo, aquelas localizadas nos trechos superior e médio da bacia hidrográfica, associados ao compartimento Encosta 1. A nascente do trecho principal da sanga, junto com alguns afluentes, tornou-se ora intermitente, quando alimentado pela água do escoamento superficial em períodos de precipitação de chuva, ora subsuperficial nos períodos de escassez hídrica. Figura 4 - Mapa de rejeitos e cursos D'água (1975 - 2014). Também foram identificados, a partir do registro fotográfico e da compartimentação geomorfológica, os impactos no relevo, uma vez que, as colinas de rejeitos se encontram no 4º táxon da compartimentação, se incorporando ao relevo. Ou seja, qualquer modificação ou retirada desse material ancorado nas vertentes identificadas, poderá causar movimentos de massa ou ativação de processos erosivos.

Figura 01 -

Modificado de Gomes (1996).

Figura 02

Compartimentação Geomorfológica

Figura 03

Mapas temporais de rejeitos (1975 - 2014).

Figura 04



Considerações Finais

Ressaltamos que a conduta da mineração em relação ao meio ambiente deve transcender a simples tomada de providencias para proteger a natureza na área restrita das jazidas. Neste sentido, os estudos geomorfológicos potencializam a criação de programas de identificação, planejamento e conservação dessas áreas, além de contribuir na compreensão dos elementos causadores desses problemas e das alterações processuais e morfológicas, evitando assim futuros impactos ambientais negativos. Destaca-se neste trabalho, a importância do uso dos métodos da geomorfologia, para estabelecer os compartimentos geomorfológicos, onde ocorre a explotação minerária, assim como aqueles de deposição dos seus rejeitos e o trabalho de campo efetuado, pois a visualização in loco das alterações causadas pela mineração, possibilitou a identificação dos impactos ambientais negativos na área de estudo, o que contribui nos mapeamentos e localização dos mesmos. A geomorfologia, sendo um importante conhecimento para a identificação das formas do relevo e dos processos associados a sua conformação, contribui como instrumento para a avaliação dos impactos ambientais, tanto positivos como negativos, pois neste trabalho ela contribuiu para a identificação dos impactos ambientais e para o entendimento do processo de deposição dos rejeitos realizada de maneira incorreta e em determinado local, predominantemente na Encosta 1.

Agradecimentos

Referências

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