Autores

Almeida, M.I.S. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES) ; Leite, M.R. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES)

Resumo

O objetivo deste trabalho é entender como os fatores geológicos e geomorfológicos condicionaram a compartimentação das paisagens naturais do município de Campo Azul. Para tanto foi elaborado um roteiro metodológico em três etapas distintas: na primeira etapas os materiais cartográficos serviram de base para as analises preliminares; no segundo momento, foram realizados trabalhos de campo no intuito de validar as informações anteriormente levantadas Na terceira etapa, os esforços se concentraram na análise das paisagens no que se refere as suas interações e padrões de ocorrência. Conclui-se que os fatores determinantes para esta compartimentação foram os geológicos e os geomorfológicos. Destacam-se os eventos de aplanamento do relevo e o processo de dissecação dessas superfícies pelas redes hidrográficas das bacias dos rios Pacuí e Paracatu que drenam o município.

Palavras chaves

Geomorfologia; compartimentação da paisagem ; Campo Azul

Introdução

Do ponto de vista ambiental entender o funcionamento das paisagens é um passo crucial para a compreensão de suas fragilidades e potencialidades. A geomorfologia, neste contexto, assume uma relevância singular já que o modelado e a estrutura do relevo são capazes de controlar interações e processos entre unidades de paisagem os quais podem determinar o funcionamento das mesmas. Desta forma, qualquer medida, seja de exploração dos recursos ou de recuperação de impactos negativos no ambiente, devem se apoiar nos estudos integrados das unidades de paisagem e no todo formado por elas. Esta perspectiva vem ganhando força através de discursos acadêmicos e técnicos desde o início da década de 1990 (Cunha e Guerra 1998). É importante destacar, contudo, que os estudos envolvendo a compreensão das interações entre as unidades de paisagem não é uma tarefa fácil, tendo em vista a necessidade de conhecimentos múltiplos em vários ramos da ciência. O conceito de compartimentação da paisagem se apresenta como uma solução estratégica para esta problemática metodológica. Dentro deste prisma, as formas de relevo, responsáveis pelas delimitações no mosaico das paisagens, se apresentam como fator de influência sobre as condições ecológicas locais ao criar condições hidrológicas e topoclimáticas específicas. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é entender como os fatores geológicos e geomorfológicos condicionaram a compartimentação das paisagens naturais do município de Campo Azul. No município de Campo Azul, até meados da década de setenta, as chapadas, seus bordos e os vales fluviais constituíam sistemas naturais que se inter- relacionavam devido ao equilíbrio existente entre a ocupação, o uso da terra e os processos geomorfológicos. No entanto, a atividade antrópica tem contribuído para alterar a evolução e a estrutura dos sistemas naturais, a sua fisionomia e a sua paisagem. Para Deupoux (1974), a fisionomia de uma paisagem está constituída por dois fatores essenciais: o suporte, relacionado com as características geológicas, geomorfológicas, hidrológicas e antrópicas; a cobertura que materializa a influência de parâmetros climáticos, pedológicos, hidrológicos e antrópicos. A relação entre suporte e cobertura, bem como a intensidade da utilização dos recursos ecológicos representados pelo trinômio solo-água- vegetação, propicia uma variação fisionômica nos setores homogêneos; por sua vez, essa variação representa estágios de uma evolução que condiciona modificações daqueles recursos. No município de Campo Azul, os elementos solo-água-vegetação são de extrema importância, devido: à alteração do solo pela prática da agricultura e pecuária; à substituição da vegetação natural por espécies vegetais homogêneas, especialmente, as pastagens; e ao fato da escassez da água se apresentar como um dificultador para a recarga dos cursos fluviais, consequência da irregularidade da precipitação anual, em decorrência da concentração da estação chuvosa em até quatro meses. Isto se traduz em uma vulnerabilidade ambiental do município e se evidencia na recorrência da seca em toda a sua área, no assoreamento de seus rios, na ocupação desordenada e na degradação da qualidade da água durante os longos períodos de estiagem.

Material e métodos

O roteiro metodológico deste trabalho envolve três etapas distintas: a primeira fase iniciou-se com a revisão bibliográfica do tema proposto e, simultaneamente, utilizando-se de documentos cartográficos como imagens do satélite Landsat (TM 5) bandas (3,5 e 7), cartas geológicas e geomorfológicas do Instituto de Geociências Aplicadas (IGA) na escala de 1:500.000 e cartas topográficas na escala de 1:100.000 do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística, deu-se inicio aos mapeamentos dos ambientes naturais que compõem as paisagens deste município. Na etapa seguinte foram realizados trabalhos de campo no intuito de validar os mapeamentos e realizar o inventário descritivo das paisagens. Na terceira etapa os esforços se concentraram na análise das paisagens no que se refere a suas interações e padrões de ocorrência.

Resultado e discussão

O município de Campo Azul se localiza na microrregião de Montes Claros, norte de Minas Gerais, região marcada por enorme contraste socioambiental. Limita-se ao norte com o município de Brasília de Minas, ao sul com Ponto Chique, a oeste com Ubaí e a leste com Coração de Jesus e São João do Pacui. O município foi emancipado recentemente, em 2001, possui uma população, segundo o Censo de 2010 de 3.684 habitantes, sendo 1551 na zona urbana e 2133 na zona rural. Possui uma área territorial de 510.093 km². Segundo a classificação climática de Koppen, o clima é do tipo AW Tropical, verão quente e úmido, com inverno seco, apresentando temperatura do mês mais frio superior a 18º e verão chuvoso. Duas bacias hidrográficas drenam o município. As bacias do Pacuí e do Paracatu. O Rio Pacuí drena o município a leste, servindo de limite com os municípios de Coração de Jesus e São João do Pacuí. Possui como afluentes os rios Mocambo e Canoas. O Rio Paracatu drena o município a oeste e serve de limite com o município de Ubaí. Possui como afluentes pela margem esquerda os Riachos Estandarte, Algodoeiro e São Gregório (principal afluente do rio Paracatu no município). Predominam no município os terrenos datados do período Neoproterozóico, Formação Três Marias (arcóseo, argilito e siltitos) e Formação Lagoa do Jacaré (calcarenitos e siltitos), conforme destaca a figura 01. Nas porções sudoeste e leste, terrenos datados do período Neoproterozóico, Criogeniano, subgrupo Paraopeba (calcarenitos, siltitos, Arcóseo, Dolomitos e Marga. Há ainda pequena ocorrência de Terrenos datados do Cenozóico, com coberturas detrito lateríticas ferruginosas, aglomerado laterita, com depósitos de areia e de argila (CPRM, 2010). Quanto as unidades geomorfológicas (figura 02) ocorrem no município, as superfícies de aplainamento e os planaltos residuais do São Francisco. As superfícies de aplainamento, datadas do Pleistoceno, apresentam padrões de forma com ocorrência de planícies fluviais e fundos de vales. Os Planaltos Residuais do São Francisco com formas datadas do Pré-Cretáceo, Terciário Superior e Terciário/Quaternário se encontram representados pelas superfícies tabulares, predominantes no município e se caracterizam por apresentarem chapadas, formas mais comuns, caracterizadas por sequências de camadas sedimentares horizontais. Em sua evolução, observa-se o recuo paralelo das vertentes por desagregação, com conseqüente soerguimento do nível de base. A organização das drenagens da bacia do Pacui a leste e do Paracatu a oeste tiveram como conseqüência o reentalhamento dos talvegues, a evolução da erosão remontante e a denudação dos topos de interflúvios, originando as superfícies esculturais atuais. Entre o topo das chapadas e as zonas erosivas, oriundas da dissecação da drenagem são encontradas unidades geomorfológicas denominadas de rebordos. Estes rebordos delineiam grande parte dos limites entre os compartimentos que limitam as bacias hidrográficas em questão. Estas porções representam as rupturas dos relevos e ocorrem em altitudes variadas apresentando relevo íngreme ou escarpado sempre com maiores índices de dissecação. Os solos predominantes nestas áreas são os Latossolos amarelos, mais rasos e menos drenados que os solos dos topos das chapadas. Também são encontradas as colinas de topo aplainado, remanescentes das chapadas, apresentando uma encosta suave ou as vezes podem ser margeadas por uma frente de recuo erosivo. Encontram-se também formas de relevos como as vertentes ravinadas e vales encaixados, interflúvios tabulares e vertentes encaixadas. A hipsometria do município se encontra entre as altitudes de 483 a 749 metros, sendo que as declividades variam de 0 a 45º. Em áreas drenadas pelo rio Paracatu a oeste, as declividades variam de 0 a 8º. As declividades de 8 a 20º são predominantes na parte central do município e também na parte sudeste, em área drenada pelo rio Pacuí. A maioria destas áreas se apresentam com rebordos de chapadas, podendo ser encontradas em todas a extensão áreas com declividades que variam de 20 a 45º. Os solos predominantes, destacados pela figura 03, são: Cambissolo Háplico, Latossolo Vermelho Amarelo, Neossolo Litólico, Argissolo Vermelho Amarelo e o Neossolo Flúvico nos fundos dos vales e ao longo dos canais de drenagem. Os Latossolo Vermelho Amarelo – são solos profundos, acentuadamente profundos, horizonte B latossólico de coloração avermelhada, ocorrendo principalmente nos planaltos dissecados. Cambissolo Háplico – solos minerais, não hidromórficos, bem drenados, pouco profundos, caracterizados pela presença de um horizonte B incipiente e com ocorrência de minerais facilmente intemperizáveis. Apresenta restrições a exploração agrícola. Neossolo litólico – solos pouco desenvolvidos, com horizonte A moderado. Solos rasos e muito rasos situam em áreas de relevos forte, ondulado nos encaixes dos vales e nas rampas erodidas que marcam as transições entre relevos de dissecação e de acumulação. A pequena quantidade do solo impede o desenvolvimento radicular de plantas e culturas, sendo terras indicadas para preservação da flora e fauna. Argissolo vermelho amarelo – solo caulinítico, com horizonte A do tipo moderado. Neossolo Flúvico – solos derivados de sedimentos aluviais, com camadas estratificadas sem relação pedogenética, horizontes A e C. As formações dos cerrados, conforme figura 04, estão presentes em toda a extensão do município. Suas áreas de domínio, entretanto, se distribuem por topos de chapadas e encostas de suave inclinação. Geralmente estas formações vegetais estão associadas a solos Latossolos Vermelhos-Amarelo distróficos variando de argilo-arenoso a argilo-siltoso, sobretudo nas áreas de chapadas. As Florestas Estacionais se dividem em decidual e semidecidual. As áreas de domínio da floresta estacional decidual são as planícies, sobretudo na região da bacia do rio Paracatu e ao longo das principais linhas de drenagem associada a Latossolos Vermelhos-Amarelo, Latossolo Vermelho predominantemente Argilo-siltoso. Além desta área, esta floresta se faz presente nos encaixes dos vales ao longo das vertentes, em alguns casos seus espécimes estão fixados sobre as trincas do material calcário diretamente sobre a rocha. A Floresta Estacional Semidecidual associa-se a fundos de vales, tanto fechados quanto abertos, e no sopé das encostas recobrindo por vezes depósitos de talus. Os seus domínios acompanham as linhas de drenagem de maior expressão, quase sempre associada a planícies fluviais e Neossolos Flúvicos.

Figura 01 - Geologia do Município de Campo Azul



Figura 02 - Geomorfologia do Município de Campo Azul



Figura 03 - Pedologia do Município de Campo Azul



Figura 04 - Vegetação Natural do Município de Campo Azul



Considerações Finais

Nesta área de estudo, os planaltos residuais do são Francisco apresentam modelado do relevo com padrões de forma como interflúvio tabulares (chapadas), vertentes ravinadas, vales encaixados e colinas de topos aplainados. Nos modelados planos (chapadas e as colinas de topo aplainado) apresentam Latossolos vermelho amarelos e vegetação originalmente de cerrado e afins, aos poucos estão desaparecendo dando lugar para a prática da agropecuária. Já nos modelados movimentados (vertentes ravinadas, vales encaixados e os rebordos de chapadas) as superfícies de erosão ocorre sobre a forma de patamares, com aspecto de pequenos degraus intercalados a sucessivos níveis de aplainamentos. Os solos variam entre Latossolos vermelho amarelo áreas aplainadas residuais, e nas partes íngremes a predominância de Neossolo Litólico e Cambissolo. O mosaico de vegetação, por conta das alternâncias entre as fases do relevo, oscilam entre as florestas estacionais deciduais nas áreas dissecadas e nas rampas, e ocorrência de cerrado nas áreas aplainadas residuais com solos mais profundos . A superfície de aplainamento apresentam fases do relevo entre plano e suave ondulado (0 a 8%) é representada pelos fundos de vales, tanto abertos quanto fechados, e as planícies flúvio-lacustres. A predominância de Neossolo Flúvico constituído por sedimentos detríticos e aluviais e as planícies por seixos e areias finas e lamosas. A vegetação original são constituídas de matas ciliares.

Agradecimentos

Referências

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