Autores

Barroso, F. (UFVJM) ; Santos, F.A. (UFVJM) ; Silva, G.N.N. (UFVJM) ; Alves, J.H. (UFVJM) ; Colares, L.F. (UFVJM) ; Jardim, R.L.F. (UFVJM) ; Ferraz, C.M.L. (UFVJM) ; Barbosa, F.A. (UFVJM)

Resumo

Desordenados uso e ocupação do solo, carência de fiscalizações das construções, presença de áreas com características geológicas e geomorfológicas desfavoráveis à ocupação e, em alguns casos, carência de planejamento e não cumprimento do Plano Diretor em Teófilo Otoni/MG, contribuem para o aumento de situações de risco a desastres naturais. Utilizando-se como metodologia de levantamentos bibliográficos, visitas in loco acompanhadas de registros fotográficos, entrevistas informais com órgãos competentes e instituição atingida além de informações do engenheiro responsável pela obra, este trabalho tem como objetivo identificar a causa de movimentos gravitacionais de massa, ocorridos no bairro Jardim das Acácias, na Rua Manoel Ramos de Souza, além de estudar a escolha pelo muro de gabião como estrutura para contenção do talude. Assim foi possível realizar a reconstituição do caso e investigar a forma como o mesmo será solucionado, a partir dos conhecimentos de engenharia adquiridos.

Palavras chaves

Deslizamento; desastres naturais; áreas de risco

Introdução

Teófilo Otoni (Figura 1), cidade situada no nordeste do estado de Minas Gerais, apresenta clima tropical úmido, predominante, com duas estações bem definidas: chuvosa e seca. Sua temperatura média anual é de 24,30 °C, sendo a máxima e mínima, respectivamente 29,50 °C e 17,00 °C e índice médio pluviométrico anual de 1.059,9 milímetros, concentrados entre novembro e março (PLANO DIRETOR, 2009). Situada nos Patamares e Planalto do Jequitinhonha/Mucuri (IBGE, 2006), a cidade desenvolveu-se sobre áreas dissecadas por erosão fluvial, em quadro geomorfológico caracterizado por vertentes policôncavas, de elevada declividade e vales em “V” encaixados e alguns de fundo chato, não sendo comuns amplas planícies fluviais. A malha estrutural existente é compreendida por lineamentos de direções NE/SW e o arcabouço geológico compreende rochas arqueano-proterozóicas de variado grau metamórfico, principalmente gnaisses e xistos, intrudidos por tonalitos e granitos brasilianos, cujas unidades litológicas são o Tonalito São Vitor e Formação Tumiritinga. O quadro pedológico é marcado pela predominância de Latossolos Vermelho-Amarelos nos topos e terços superiores das vertentes, que dão lugar a Argissolos e Cambissolos nas porções de maior declividade. O crescimento da malha urbana de Teófilo Otoni, nas últimas décadas, vem ocorrendo de forma indiscriminada em áreas muitas vezes indevidas, como em encostas de elevada declividade e áreas irregulares para a construção civil. A partir disso, este trabalho objetivou verificar a ocorrência de movimentos gravitacionais de massa em área afetada pela expansão urbana irregular no bairro Jardim das Acácias, na zona sudoeste da cidade de Teófilo Otoni, onde constataram-se deslizamentos e queda de blocos, afetando a creche Lar das Crianças. Além disso, buscou-se verificar, junto à literatura específica, se medidas tomadas posteriormente pelo Poder Público – construção de muro de gravidade e reconstrução da rua – condizem com o necessário para o caso, bem como sua viabilidade e eficácia.

Material e métodos

Para elaboração deste trabalho foi realizada revisão bibliográfica em literatura específica a fim de que fossem adquiridas informações suficientes a respeito do tema de forma a estabelecer um arcabouço teórico. Em seguida foram feitas visitas a locais previamente determinados, por meio de pesquisas na mídia local e com moradores da região, que indicaram possíveis áreas de risco em Teófilo Otoni – MG. Optou-se pela Rua Manoel Ramos de Souza e Avenida Agnaldo Neiva, localizadas no bairro Jardim das Acácias, devido à ocorrência de movimento de massa, e aos impactos ambientais, sociais e econômicos causados aos moradores da região e à creche Lar da Criança. Trabalho de campo foi realizado para análise do local, a fim de que fossem efetuados registros fotográficos das áreas afetadas, objetivando compará-las com as imagens retiradas do Google Maps – Street View (novembro de 2013), antes do evento e comprovar a situação relatada, além de coleta de material. Em continuidade com levantamentos de campo, na finalidade de estabelecer um histórico sobre a área estudada e identificar as principais causas do evento por meio de depoimentos junto à fundadora da creche Lar da Criança e moradores da rua, buscou-se informações por meio de entrevistas e recolhimento de relatórios de vistorias da área junto aos órgãos competentes da cidade, a saber: Prefeitura Municipal no setor de Secretaria de Obras, 5º Pelotão de Corpo de Bombeiros, Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil. Fundamentado nos estudos realizados e reunindo as informações adquiridas nos órgãos e locais citados, foi possível realizar a interpretação dos eventos, e, portanto uma provável reconstituição do caso. O início da realização da obra de contenção pelo Poder Público proporcionou o prévio conhecimento e acompanhamento do projeto, conduzindo a uma comparação através da análise de ações para recomposição do local, realizada com base em pesquisas bibliográficas sobre as técnicas de contenção e recuperação de áreas de risco.

Resultado e discussão

Teófilo Otoni está localizada no Nordeste de Minas Gerais (Figura 1), na Bacia do Rio Mucuri, a 448km da capital Belo Horizonte. As características fisiográficas da cidade, conforme descritas anteriormente, aliadas à carência de planejamento urbano e crescimento desordenado, definem Teófilo Otoni como cenário propício à ocorrência de desastres naturais, fato que corrobora a necessidade de rigorosa atenção das entidades responsáveis. Em entrevistas com Secretário de Obras do município, evidenciou-se que a região onde se localiza a Rua Manoel Ramos de Souza, no bairro Jardim das Acácias, é produto de antigo loteamento irregular. Compreende-se, com base nessa evidência, que a região analisada não apresenta infraestrutura necessária para suportar a população crescente, visto que inexistem estruturas de contenção, drenagem ou mesmo fiscalização em descumprimento com o Plano Diretor vigente. Observa-se na Figura 2 a rua citada – área afetada –, antes e após o evento. Em diversos pontos da cidade, assim como a Rua Manoel Ramos de Souza e a Avenida Agnaldo Neiva, focos deste trabalho, ocorrem movimentos gravitacionais de massa. Tais movimentos são definidos por Tominaga et al. (2009) como “movimento do solo, rocha e/ou vegetação ao longo da vertente sob a ação direta da gravidade”, e intensifica-se em períodos de chuvas intensas, pois aliada à gravidade pode ocorrer participação de outros meios como a água, que reduz a resistência dos materiais da vertente e/ou induz o comportamento plástico e fluido dos solos. A área analisada apresentava talude de aproximadamente 18 metros de altura e 25 metros de comprimento, declividade acentuada, material do solo muito friável – além de exposição do saprolito e rocha matriz – e ausência de estrutura de contenção. De acordo com Associação Brasileira de Geologia de Engenharia (ABGE, 1998), cortes nos maciços e taludes provenientes de má execução da obra podem influenciar na ocorrência de movimentos de massa ou “escorregamento de taludes”, sendo necessário, portanto, estabilizá-los, através da execução de obras de contenção, em alguns casos, ou modificações na geometria do talude em outros. Alheiros et al. (2003) classificam os taludes como taludes de corte ou encosta natural, que apresentam problemas de estabilidade, causadores de acidentes. Por meio de solicitações dos residentes da rua, equipe técnica da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil realizou vistorias na área no final de 2013 e relatou presença de “cratera” – depressão – na rua analisada. Segundo moradores, a avaria foi provocada inicialmente pelo rompimento de tubulação que, após o reparo executado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA MG, continuou a existir no local. Os recorrentes eventos na tubulação (possível vazamento na rede de água) teriam criado, no interior da massa de solo, caminho preferencial para a água percolante, uma vez que a área não apresenta drenagem pluvial. Neste cenário, os danos à tubulação acompanhados geometria côncava da rua, desprovida de sistema de drenagem de águas pluviais, canalizavam águas de chuvas para o interior do solo a montante do talude, ocorrência de intensa pluviosidade às vésperas do evento auxiliou na desestabilização do solo, já instável e superficialmente poroso, levando o mesmo à saturação e diminuição da sua resistência interna. Guidicini e Nieble (1984) apud Tominaga (2007) afirmam que a diminuição da resistência interna do material tem como causas o aumento da pressão hidrostática (variação do nível de água subterrânea) ou diminuição da coesão e ângulo de atrito. A infiltração de água das chuvas na cratera facilitou a formação de rupturas no solo, que perdeu a capacidade de suportar cargas, culminando com deslizamento de massa e afetando a creche Lar da Criança, situada na parte inferior (jusante) do talude, em novembro de 2014. Baseado nessas informações interpreta-se que ocorrência das chuvas intensificou os processos de movimentos de massa, resultando em deslizamentos e tombamentos, observados na Figura 3. Conforme Tominaga et al. (2009), deslizamentos de solo são movimentos rápidos, de porções de terrenos (solos e rochas), com volumes definidos, deslocando-se sob ação da gravidade, para baixo e para fora do talude ou da vertente. Tombamentos de blocos ou quedas, por sua vez, são definidos por Guidicini e Nieble (1984) apud Tominaga et al. (2009) como:"ação de queda livre a partir de uma elevação, com ausência de superfície de movimentação. Nos penhascos ou taludes íngremes, blocos e/ou lascas dos maciços rochosos deslocados pelo intemperismo, caem pela ação da gravidade (...)". Tombamentos são, portanto, movimentos devido às forças que causam momento, originando rotação e/ou flexão de colunas ou de blocos de rocha sobre uma base fixa (BENKO, 1997; AZEVEDO E MARQUES, 2002 apud PEREIRA, 2012). Em locais que apresentam caraterísticas como as da área investigada são necessárias intervenções, como obras de engenharia e geotecnia (contenção de taludes, implantação de sistemas de drenagem) e ações de políticas públicas. Para solução do panorama em questão, e definição da melhor alternativa para estrutura de contenção de taludes, devem ser realizadas análises e estudos preliminares, de acordo com a NBR 8044 e 11682, tais como, levantamentos topográficos, investigações geológico-geotécnicas que se fizerem necessárias (poços de inspeção, sondagens, ensaios “in-situ”, retiradas de amostras deformadas e indeformadas para ensaios de laboratório), mapeamento geológico e dados complementares de hidrologia. Durante as etapas de elaboração deste trabalho não se verificou atenção a todas as diretrizes das normas citadas. A partir de elementos como as classes de solo da região e custo/benefício, fator decisivo neste projeto, o engenheiro responsável pela obra optou pela construção de muro de gabião para a contenção do talude. O muro de gabião a ser instalado será formado por redes metálicas, feitas de fios de aço galvanizado em malha hexagonal com dupla torção, armadas em forma de gaiola e preenchidas por pedras organizadas manualmente. Segundo Barros (2005) o muro de gabião apresenta características como permeabilidade e malha flexível e maleável, que concede a acomodação da estrutura a qualquer tipo de recalque. Em análise do projeto sabe-se que a estrutura possuirá as seguintes dimensões: Inclinação total de 6°, altura de 6m (6 colunas de 1m de altura cada) e 45m de comprimento, com gabiões posicionados em degraus, tendo sua base 1m abaixo do solo e 4m de largura. Ademais, será realizada a construção de 5 contrafortes (17m³ no total), a cada 15m, que auxiliarão a estrutura do gabião. A disposição dos gabiões e detalhes relativos ao mesmo podem ser analisados na Figura 4. As gaiolas metálicas em construção serão revestidas por uma manta filtrante (manta geotextil - 150g/cm2). Os geotêxteis são produtos têxteis permeáveis, utilizado na engenharia geotécnica (NBR 12553, 1991) que, de acordo com Costa (1999), possui funções frequentemente associadas à drenagem, filtração, separação e reforço. Esta manta será instalada para evitar que o solo seja carreado, permitindo a filtração da água das chuvas, facilitando assim a realização da drenagem sem prejudicar a estrutura de contenção. Na área investigada, a montante do muro de gabião, será realizado aterro à medida que a estrutura de contenção seja construída. Para execução do aterro utilizará material argiloso, compactado em camadas na umidade ótima. Consoante Barros (2005), o aterro é fator de grande importância no comportamento da estrutura de contenção. Segundo o engenheiro responsável, a Rua Manoel Ramos de Souza será reconstruída, dispondo de sarjeta e meio fio para drenagem da água superficial.

Figura 1

Mapa de localização de Teófilo Otoni, no contexto de Minas Gerais (e Brasil)

Figura 2

A área afetada: antes e depois

Figura 3

Massa de solo que sofreu deslizamento

Figura 4

Detalhe do projeto de muro de gabião em escala 1:100

Considerações Finais

A partir deste trabalho foi possível verificar na área investigada a ocorrência de movimentos gravitacionais de massa - especificamente deslizamentos e tombamentos. Estes eventos foram resultados de cortes irregulares do talude analisado, ausência de drenagem urbana e estrutura de contenção. Técnicas de engenharia serão implantadas, como a construção de muro de gabião e reconstrução da rua, a fim de que a questão tratada neste trabalho seja solucionada. Vale ressaltar que, se realizado de forma correta e obedecendo as normas da engenharia, a implantação do muro de gabião poderá ser, em princípio, uma solução adequada para resolução do problema. Uma importante reflexão cabe com relação ao modelo proposto na região nordeste de Minas Gerais, uma vez que providencias são tomadas apenas após eventos que conferem risco ou prejuízos à população, em inobservância ao progresso científico e tecnológico global.

Agradecimentos

Referências

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