Autores

Grizio-orita, E.V. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA) ; Lohmann, M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA)

Resumo

O entendimento das características morfológicas e dos processos morfogenéticos, além de análises acerca da vulnerabilidade das áreas urbanas face aos eventos naturais (disritmias pluviométricas, enchentes, deslizamentos entre outros) constitui-se em subsídio fundamental à compreensão da dinâmica dos componentes do sistema ambiental físico de um espaço urbano. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo analisar os impactos causados pelo evento chuvoso ocorrido no dia 11 de janeiro de 2016 nos municípios de Rolândia e Tamarana, os quais foram os mais atingidos na região de Londrina, norte do Paraná. Nestes municípios ocorreram deslizamentos, enxurradas e inundações, provocando uma série de impactos e prejuízos financeiros.

Palavras chaves

Deslizamento; Chuva; Enxurrada

Introdução

A preocupação com os impactos dos desastres naturais sobre as populações vem aumentando significativamente nos últimos anos em todo o mundo, já que têm como resultado um grande número de mortes e feridos, desencadeia diversas doenças, gera uma quantidade elevada de pessoas desabrigadas e desalojadas, além de onerosas perdas econômicas e destruição do meio ambiente. Tal preocupação possui relação direta aos diversos estudos e trabalhos que mostram um incremento significativo na frequência e intensidade de desastres naturais associados às variabilidades climáticas e possivelmente às mudanças climáticas. As variabilidades climáticas exercem uma influência significativa sobre as atividades humanas, pois podem oscilar quanto à temperatura, precipitação e frequência de eventos extremos como secas e chuvas intensas, resultando em impactos na agricultura, nos recursos hídricos, na saúde, sobre o meio ambiente e, sobretudo na sociedade como um todo. Atualmente, os eventos naturais extremos que mais repercutem nas atividades humanas no Brasil e também no Paraná são de natureza climática. Embora sejam fenômenos naturais, a atuação do homem interferindo nas áreas urbanas ou rurais, ao longo do tempo, contribuiu para uma maior frequência e intensidade de desastres, constituindo em problemas centrais e críticos para o desenvolvimento das economias regionais e de seus centros urbanos. Nesse sentido, Christofoletti (1997), comenta que “o clima é um dos aspectos que manifesta a relação entre a sociedade e organização socioeconômica de um espaço urbano, sendo uma interface do contraste entre o ambiente natural e o construído, pois é um dos elementos caracterizadores do espaço da cidade”. Barreto (2008, p. 8) corrobora essa afirmação, quando diz que “o clima constitui-se, assim, no resultado de um processo complexo, envolvendo todos os componentes terrestres em uma variabilidade temporal e espacial. Portanto o clima pode ser considerado como um dos elementos definidores e um fator configurador da paisagem de um lugar”. No caso brasileiro, as características sociais e ambientais de diversas cidades, tais como os processos de impermeabilização do solo e parcela considerável da população ocupando encostas com grande declividade, fundos de vale e planícies de inundação, acarretaram problemas crônicos de inundações e deslizamentos nos últimos anos, causando grandes impactos em áreas urbanas, prejudicando as condições de vida da população e provocando prejuízos econômicos. Assim, uma das maiores dificuldades quanto à prevenção dos impactos pluviais reside no fato de que toda a estrutura urbana, quando “planejada”, utiliza como parâmetro apenas os dados médios referentes aos fenômenos meteorológicos, desconsiderando as anomalias que fazem parte do clima local, e que esporadicamente ocorrem. Portanto, a chuva é o principal elemento deflagrador dos desastres relacionados a inundações e deslizamentos, mas a ocupação inadequada de áreas consideradas de risco é o principal componente da vulnerabilidade da população frente a esses eventos, e decorrem de processos políticos, econômicos e culturais. Com essa perspectiva, o objetivo deste trabalho foi avaliar os impactos causados pelo evento chuvoso ocorrido em 11/01/2016 nos municípios de Rolândia e Tamarana, localizados na porção norte do estado do Paraná.

Material e métodos

Esta investigação foi elaborada seguindo pressupostos da abordagem qualitativa e quantitativa, sendo caracterizada como um estudo exploratório. A opção por esse tipo de investigação visa a privilegiar as práticas sociais em seu ambiente, exigindo-se do pesquisador um contato direto com o ambiente natural no qual ocorre o fenômeno que se pretende estudar (TRIVIÑOS, 1987). A natureza exploratória da pesquisa teve como um dos objetivos centrais fazer emergir da prática cotidiana elementos necessários para posterior aprofundamento. Para o levantamento e caracterização dos impactos nos municípios de Tamarana e Rolândia foi realizado um levantamento bibliográfico e revisão teórica da área e do tema proposto, para compreender o planejamento urbano e a geomorfologia urbana, bem como, discutir as causas e os impactos. Foram utilizados as informações do site da Defesa Civil, Sistema Meteorológico do Paraná (SIMEPAR), artigos e outros trabalhos científicos, além de jornais e revistas da região. Para atingir os objetivos da pesquisa também foi feito trabalho de campo nos municípios de Rolândia e Tamarana possibilitando a identificação dos principais impactos causados pelo evento chuvoso no dia 11/01/2016. Em campo, foi possível ainda visualizar in loco os prejuízos provocados pelos deslizamentos, inundações e enxurradas. Foram feitos registros fotográficos e realizadas conversas informais com a população afetada. Esses dados foram posteriormente analisados e contribuíram para a discussão dos resultados.

Resultado e discussão

Os processos de urbanização e industrialização têm tido um papel fundamental nos danos ambientais ocorridos nas cidades. O rápido crescimento causa uma pressão significativa sobre o meio físico urbano, tendo as consequências mais variadas, tais como: poluição atmosférica, do solo e das águas, deslizamentos, enchentes entre outros eventos (GUERRA & MARCAL, 2012). Goudie e Viles (1997) dão um exemplo de bacias hidrográficas que são ocupadas por cidades. Á medida que as árvores são cortadas, ruas são asfaltadas, casas e prédios são construídos, encostas são impermeabilizadas, rios são canalizados e retificados, ocorre toda uma série de respostas geomorfológicas, bem típicas das cidades grandes: movimentos de massa e enchentes, que acontecem com frequência, muitas vezes não sendo necessários totais pluviométricos elevados para que esses processos ocorram. Os municípios de Rolândia e Tamarana que integram a Região Metropolitana de Londrina e localizam-se na porção norte do estado do Paraná (Figura 1), sendo Rolândia a norte de Londrina e Tamarana ao sul de Londrina, tiveram estado de calamidade pública reconhecido pelo Governo Federal em função de prejuízos e impactos provocados por deslizamentos, inundações e enxurradas que atingiram a região no dia 11 de janeiro de 2016 De acordo com dados do SIMEPAR, o evento chuvoso ocorrido no dia 11 de janeiro de 2016 teve um acumulado de 274,8 mm, sendo que no dia 09/01/2016 o acumulado registrado foi de 50 mm e no dia 10/01/2016 foi de 62,8. Por si só a chuva registrada apenas no dia 11 já foi acima da média histórica do mês que é de 218 mm e, se for somado os três dias, o valor acumulado é de 386,8 mm, ou seja, 168 mm além da média histórica. Com acumulados dessa magnitude, diversos impactos e prejuízos foram causados nos municípios da região de Londrina. Como comentado anteriormente, neste trabalho serão apenas analisados os impactos nos municípios de Rolândia e Tamarana. Em Rolândia a chuva do dia 11/01/2016 causou enxurradas, alagamentos e deslizamentos (Figura 2 e 3). De acordo com laudo emitido pela Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente, os danos e prejuízos financeiros na área agrícola do muicípio foram da ordem de 6 milhões de reais , atingindo mais de 16.000 ha de área plantada com soja, 14.500 ha de área plantada com milho e mais de 600 ha de plantações de café. A Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico de Rolândia emitiu outro laudo sobre os estragos causados em pontes, sendo que os danos e prejuízos foram da ordem de 10 milhões de reais, pois diversas pontes principalmente na área rural do município foram totalmente destruídas e levadas pela força da enxurrada. Os prejuízos para as indústrias foram de mais de 3,5 milhões e para concertar estradas rurais e ruas da área urbana os prejuízos estimados são em torno de 9 milhões de reais. Em unidades habitacionais, os prejuízos estimados são em torno de 58 milhões de reais e em instalações públicas como escolas, creches, postos de saúde e hospitais os danos e prejuízos foram de 850 mil reais. A Figura 2 A e B ilustram dois deslizamentos de terra que ocorreram na área urbana do município. Nota-se que são encostas com declividade média e com algum tipo de ocupação. Em (A), trata-se de um terreno particular em que havia a existência de um muro o qual foi destruído pelo deslizamento e o material retirado da encosta foi levado via escoamento superficial para a parte baixa de vertente, ficando depositado próximo a uma pequena casa. Em (B) é possível visualizar o deslizamento iniciando em uma rua tendo como possível causa um talude de corte feito para construção da rua. A Figura 2 C e D, ilustram pequenos deslizamentos de terra que interditaram algumas vias no município. De acordo com o IPT (1991) a execução de cortes em encostas para abertura de sistema viário ou para construção de residências, apresenta, muitas vezes, inclinação e altura excessivas, incompatíveis com a resistência intrínseca do material, o que possibilita a ocorrência de deslizamentos (IPT, 1991). Quando o corte atinge o solo de alteração (regolito in situ), outros condicionantes, denominados estruturas residuais da rocha (fraturas e demais descontinuidades), podem tornar a encosta mais suscetível aos deslizamentos, principalmente, quando esta é submetida à ação das águas. Nas áreas urbanas, a situação mais comum de concentração de águas pluviais ocorre através de ruas, galerias, bueiros e, eventualmente, esgotos. Ademais, quando do lançamento de águas utilizadas no solo de encostas, tem-se uma infiltração contínua que pode levar à saturação e consequente ruptura de cortes e aterros. O problema torna-se mais crítico nos períodos chuvosos, quando por ocasião da concentração de chuvas intensas e prolongadas tem-se uma rápida saturação do solo. A Figura 3 A mostra os impactos provocados pela enxurrada em algumas ruas da área urbana do município de Rolândia. É possível verificar que a pavimentação asfáltica foi danificada e descolada da base em função da enxurrada. Como o fluxo de água não foi suportado pelo sistema de coleta pluvial, a rua concentrou o fluxo excedente, sendo totalmente danificada em função da força do escoamento superficial. Neste sentido, é de suma importância, quando do planejamento de obras hidráulicas, que as mesmas possam ser dimensionadas levando em consideração não apenas a intensidade média da precipitação, mas também as precipitações intensas, que ocorrem esporadicamente. A Figura 3 B ilustra as rachaduras no teto de uma casa. Infere-se que em função do rebaixamento ou solapamento do terreno, a mesma teve sua estrutura atingida e ficou interditada pela Defesa Civil, com risco de desabamento. Também foi atingida a estação de captação e tratamento de água da SANEPAR, deixando grande parte da população do município sem água durante diversos dias (Figura 3 C e D). É possível visualizar nas figuras que o acesso à estação foi totalmente destruído pela enxurrada e a estação inundada. O abastecimento só foi regularizado após 2 semanas mostrando o grande prejuízo causado a toda população em função de um evento chuvoso extremo. Assim como em Rolândia, em Tamarana os prejuízos foram grandes. De acordo com laudo emitido pela Secretaria de Agricultura, os prejuízos foram de 105 milhões de reais, envolvendo principalmente áreas cultivadas com soja e tomate. De acordo com laudo da Secretaria de Obras, entre pontes destruídas, ruas danificadas na área urbana e rural, os prejuízos foram da ordem de 10 milhões de reais. Áreas de encostas ocupadas e localizadas em perímetros urbanos apresentam maior susceptibilidade para processos erosivos e de movimentos de massa derivados da concentração de águas de escoamento superficial. A Figura 4 A, C e D, ilustra exemplos dos impactos e consequências geradas pelo escoamento concentrado nas vias urbanas. É possível notar que o processo ocorrido em Tamarana é semelhante ao ocorrido em Rolândia, vinculado ao fluxo excedente não suportado pelo sistema de coleta pluvial. Como consequência, houve o descolamento da pavimentação e a formação de sulcos ao longo da via. O material retirado foi transportado pela água e depositado na porção mais baixa da via. Na Figura 4 B tem-se um exemplo de movimento de massa ocorrido periferia da cidade. Verifica-se que foi um evento de pequena proporção tendo apenas prejuízos materiais nas casas da parte baixa da vertente as quais foram atingidas pelo solo desprendido da encosta. No entanto, tanto as casas da parte baixa como da parte superior da encosta estão em uma área de risco, já que em outros eventos de chuva intensa, podem ser afetadas em função da dinâmica natural da vertente. Nota-se ainda que ao longo da vertente existem outras casas com risco de desabamento relacionado a algum movimento de massa futuro. Assim, é importante elaborar estudo da estabilidade da encosta e fazer obra de engenharia para contenção da mesma.

Figura 1

Mapa de localização dos municípios de Rolândia e Tamarana

Figura 02

Em A e B, deslizamento de terra que atingiu residências. Em C e D deslizamento de encostas que interditaram parte das rodovias de ligação ao município

Figura 04

Em A, C e D pavimentação e deslocada da base em função da enxurrada. Em (B), deslizamento de terra que atingiu residências.

Figura 03

Pavimentação danificada pela enxurrada (A). Rachaduras em residências provenientes do rebaixamento do terreno (B). Estação da SANEPAR inundada(C e D)

Considerações Finais

A abordagem desse trabalho apresenta apenas alguns exemplos da crescente importância que deve ser dada aos estudos de Geomorfologia Urbana, principalmente no Brasil, onde a ocupação rápida e desordenada, em especial a das encostas e fundos de vale, tem sido responsável pela ocorrência de movimento de massa e inundações catastróficas causando a morte de centenas de pessoas. Nesse sentido, as transformações que o homem quase sempre impõe ao meio físico das cidades trazem consequências negativas para a população que aí vive. Carvalho (2001) comenta que a remoção das rugosidades naturais ou mesmo antrópica nas cidades, implica a ampliação, em termos absolutos, dos caudais escoados, para idênticos eventos chuvosos, porque o escoamento mais rápido reduz a taxa de infiltração; esta mesma remoção de rugosidade e a consequente velocidade maior do fluxo provocam concentração mais rápida, significando que, para a vazão alcançar um determinado valor crítico, num ponto qualquer de um canal, a necessidade de tempo é menor do que antes da obra. Por final, é importante considerar que o plano diretor como instrumento de planejamento urbanístico, deve ser respeitado já que o mesmo orienta as ações para melhor ocupação do território e mitigação de problemas relacionados a projetos urbanos equivocados que engendraram quadros de ocupação e uso irregular da terra em áreas impróprias para o assentamento urbano.

Agradecimentos

Referências

BARRETO, R. Identificação de áreas susceptíveis a eventos extremos de chuva no Distrito Federal. Brasília, 2008. Dissertação (Mestrado em Geografia), Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Geografia,Universidade de Brasília.

CARVALHO, E. T.. Geologia para todos – Uma visão de Belo Horizonte. Belo Horizonte, edição do autor, 2001, 175 p.

CHRISTOFOLETTI, A. As Perspectivas dos Estudos Geográficos. São Paulo: Difel, 1997

GOUDIE, A.; VILES, H. The Earth Transformed – Na Introducion to Human Impacts on the Environment. Oxford, Blackwell Publishers, 1997, 276 p.

GUERRA, A. J. T.; MARCAL, M. dos SANTOS. Geomorfologia Ambiental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A. Ocupação de encostas. Coord. Cunha, M.A. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Public. IPT n.1831. 1991.

TRIVIÑOS, A. N. S. - Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo, Atlas, 1987. 175p.