Autores

Duarte, R. (INSTITUTO GEOGRÁFICO E CARTOGRÁFICO - IGC) ; Kátia, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC - UFABC) ; Nogueira, F.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC - UFABC)

Resumo

Durante vários anos, Parque São Bernardo (pertencente ao município de São Bernardo do Campo) registrou em sua história severos eventos de deslizamentos de terra em áreas de alta declividade, que colocavam em risco a vida dos moradores, além de causar prejuízos e danos materiais. Estes acidentes se intensificaram pelas intervenções antrópicas e ocupação desordenada. Observando as ações e análises da prefeitura municipal, que modificaram este contexto, o objetivo deste trabalho visa buscar uma nova metodologia para o uso de Modelos Digitais de Terreno (M.D.T.) para determinar as possíveis áreas de risco, tendo como referência: revistas, periódicos científicos e trabalhos que visam aplicar esta metodologia.

Palavras chaves

Declividade; escorregamentos; Modelo Digital de Terreno

Introdução

O problema das áreas de risco no Bairro Parque São Bernardo decorre, principalmente, da ocupação da área por famílias de baixa renda, que construíram suas moradias sem adoção dos critérios técnicos normalmente requeridos. Este tipo de ocupação muitas vezes é realizado em as áreas de declividade muito alta, em terrenos suscetíveis aos processos de movimentos gravitacionais de massa. Isso proporciona uma série de fatores causadores dos problemas de instabilidade, decorrentes de ações antrópicas, como retirada da proteção vegetal e escavações sub verticais e escalonadas sem qualquer tipo de proteção contra erosão, construção a meia-encosta de vias de acesso, desprovidas de qualquer tipo de revestimento e de dispositivos de drenagem de águas pluviais, execução de fundações inadequadas, etc. Além disso, a ausência ou precariedade da infraestrutura de rede de água potável, esgotamento sanitário, drenagem, coleta de lixo, rede elétrica, contribuem para o agravamento das condições de estabilidade das vertentes. Os riscos de deslizamentos aumentam consideravelmente quando ocorrem as precipitações pluviométricas de alta intensidade e longa duração. Entretanto o impacto da ocupação nas áreas de declividade muito acentuada iniciou com o desmatamento e realização de cortes para nivelar o terreno quebrando o perfil do terreno natural para construção de casas que tende a causar sobrecargas naturais e contribuir na descontinuidade do maciço que é uma pré-condição para o aparecimento de uma nova superfície de escorregamento. O propósito desse artigo é apresentar uma metodologia que auxilie na caracterização dessas áreas, para subsidiar a elaboração de projetos de prevenção e controle dos riscos causados pelos deslizamentos.

Material e métodos

Podemos definir risco como sendo a probabilidade de perda esperada para uma área habitada em um determinado tempo, devido à presença iminente de um perigo (UNDP, 2004). Deslizamento: movimento da massa de rochas, colúvios ou terra (solo) que desliza em uma encosta (ABGE, ABMS, 2013) A área de risco do Parque São Bernardo está fundamentada nos conceitos de suscetibilidade e vulnerabilidade. “Suscetibilidade de deslizamento”, trata-se de uma avaliação quantitativa ou qualitativa do tipo, volume (ou área) e da distribuição espacial de deslizamentos que existem ou potencialmente podem ocorrer em uma área. A suscetibilidade também pode incluir uma descrição da velocidade e intensidade do deslizamento potencial ou existente. Embora seja esperado que os deslizamentos ocorram com mais frequência em áreas mais suscetíveis, na análise da suscetibilidade o período de tempo (frequência) não é levado em conta de forma explícita. A suscetibilidade de deslizamento inclui deslizamentos cuja origem está na própria área de estudo e deslizamentos com origem fora desta área, nos casos em que ele pode se mover para dentro da área de interesse ou retroceder à área de estudo (ABGE, 2013). O termo Vulnerabilidade, introduzido por VARNES em 1984, é dado como o grau de danos de um elemento ou conjunto de elementos em risco, resultante da ocorrência de um fenômeno natural [movimento de vertente] com determinada magnitude ou intensidade. O valor é expresso entre 0 (sem danos) e 1 (perda total ou morte, no caso do elemento ser um ser vivo). Para a identificação dos intervalos de declividade, onde os deslizamentos de terra ocorrem com maior frequência utilizou-se GARCIA E PIEDADE, 1984, que apresentaram uma proposta com uma chave de interpretação que relaciona o grau de inclinação da vertente com o grau de suscetibilidade à ocorrência dos processos. Declividade é termo utilizado para definir a diferença de altura de um ponto a jusante em relação a um outro a montante, segundo esta definição temos alguns ângulos críticos que serão alvo deste estudo. Segundo Lei Lehman (Lei Federal 6766/79) ângulos de inclinação ou declividades superiores a 30% devem ter sua ocupação condicionada a não existência de riscos (verificado por laudo geológico-geotécnico). Ainda ângulos 20º-25º é a declividade onde já se iniciam os deslizamentos na Serra do Mar no litoral paulista CARVALHO, C. S.; MACEDO, E. S; OGURA, A. T 2007). O termo Modelo Digital de Terreno (MDT) segundo Kennie and Petrie (1990) o modelo digital de terreno ou do inglês digital terrain model (DTM) é uma representação estatística de uma superfície continua do terreno por um grande número de pontos selecionados com coordenadas x,y,z conhecidas, em um campo de coordenadas arbitrárias. Utilizando um MDT é possível realizar diversas operações matemáticas e computacionais para sua visualização e quantificação, para facilitar análise e visualização podemos utilizar softwares com o ArcGis® ou o Qgis®.

Resultado e discussão

A área do Parque São Bernardo localiza-se na região sudeste do Estado de São Paulo e é constituída por rochas pré-cambrianas de um modo geral pertencentes ao Complexo Embu da Faixa de Dobramentos Apiaí. Este compartimento corresponde ao Complexo Embu (Hasui et al., 1981), ao Bloco Embu (Dantas et al., 1987a), ao Terreno Acrescido Embu (Campos Neto & Figueiredo, 1995). Na porção sudeste do Estado de São Paulo, e no entorno da área avaliada o Domínio Embu compreende micaxistos, paragnaisses parcialmente migmatizados e xistos fino. Estas unidades por vezes são intrudidas por granitos cálcio-alcalinos de alto potássio e peraluminosos tardi-orogênicos (Dantas et al., 1987a). A seqüência metassedimentar apresenta época de sedimentação ainda incerta. Geomorfologicamente pode-se inserir a área no limite no Planalto Paulistano, destacando-se um relevo suave na parte central com colinas e áreas de morros com altitude entre 791 e 900 metros, onde predominam micaxistos. O compartimento referente a Morraria do Embu compreende terrenos cristalinos que circundam a Bacia Sedimentar de São Paulo a oeste, sul e leste, com nível topográfico mais elevado e processos de evolução de vertentes mais dinâmicos. Apresenta relevo de morros e uma rede de drenagem geralmente densa. Para a aplicação do método de calculo da declividade e sua execução no trabalho foi utilizado o software de código aberto GDALDEM (U.S. Army CERL, 1993) que utilizou uma função do Programa GRASS-GIS. Este programa permite realizar diversas operações com dados de terreno, tais como a geração visualizações conhecidas como: SLOPE, ASPECT, etc. Nesse caso foi utilizada a função SLOPE, que funciona de forma análoga ao módulo SLOPE de outros programas comerciais como o ArcGis® Spatial Analist. Para melhor entendimento do calculo do programa devemos observar, de forma simplificada, que para se calcular a Declividade ou Slope é necessário se utilizar de um ponto de referência do qual será calculado um ângulo, depois tomamos outro ponto o qual teremos uma distância X e uma altura H, o ângulo tangente deste ponto é a declividade. Com esta metodologia deduzimos que dada uma distância X e Y de determinado ponto utilizando o valor da altitude deste ponto podemos calcular o ângulo de inclinação. Com esta matriz são recolhidos os valores que dará origem as direções em relação ao eixo x e y. Para converter os valores em graus decimais multiplicaremos x por 57,29578, ou seja, 180/pi. O algoritmo funciona, de forma reduzida, utilizando uma matriz de 3 pixels por 3 pixels que analisa os vizinhos de cada pixel (figura 1). Tomando por base esta metodologia e tendo como dados de referência para efetuar o cálculo os dados de modelo digital de terreno (MDT) oficial para o estado de São Paulo FONTE IGC 2015 com tamanho de pixel de 5m (resolução) e precisão de 1,34 metros (erro médio quadrático). Foram elaboradas representações que tiveram como plano de fundo fotografias aéreas do mesmo instituto, que visaram facilitar a localização dos pontos onde foram verificadas as grandes inclinações do terreno. Para representar a área em questão foram gerados dois mapas que demonstram o mapa de declividade gerado a partir do MDT IGC 2015 (figura 2), estão representados em vermelho, sobre a ortofoto, declividades superiores a 25°. Uma comparação com as curvas de nível geradas pelo mapeamento da EMPLASA de 1980 também foi efetuada e analisada a declividade segundo equação 1 (figura 3), onde foi constatada a existência de feições hidrográficas na área de estudo, sendo estas cartografadas em regiões de grande grau de inclinação do terreno. Embora a cartografia tenha diferenças de altitude devida a existência de vegetação nativa no ano de 1980, o índice de declividade foi coerente com o demarcado pelo modelo digital de terreno executado posteriormente com imagens de 2010. Outro fato interessante a ser observado no mapa da figura 5 são os rios cartografados, que segundo técnicos, existiam no local e tiveram nascentes soterradas para a construção das habitações. Observando imagens de satélite podemos verificar que o processo de ocupação da área de risco foi mais intensificado entre meados do ano de 1988 (figura 4), nesta imagem podemos comprovar, por meio de outra fonte, a existência de vegetação nativa em data anterior ao evento da ocupação e o aumento da ocupação urbana dentro da área onde o estudo foi proposto.

Figura 1

Calculo de declividade em imagem MDT utilizando matriz 3x3 - Fonte: ESRI 2015

Figura 2

A esquerda classe de declividade Fonte fundo: Ortofoto 2010 - IGC, a direita fotos local – Fonte: Nossa

Figura 3

A esquerda classe de declividade Fonte fundo: Ortofoto 2010 - IGC, a direita Carta topográfica - Fonte: EMPLASA 1980

Figura 4

Imagens Landsat5 (cor natural) monstrando histórico de ocupação da área de risco

Considerações Finais

O modelo digital de Terreno utilizado conseguiu gerar facilmente a classificação de relevo por meio da declividade, o trabalho de campo pode constatar que a metodologia é válida para a demarcação de áreas, fica entendido que a precisão/escala do mapa advindo deste modelo atende a escala intermediária proposta por (Cerri et al.,1993), podendo até alcançar o nível de detalhe equivalente a escala de 1:10.000. A metodologia se mostrou eficiente e os programas utilizados atenderam as inciativas propostas para a classificação de declividade em uso de mapeamento geológico-geotécnico de risco. Recomendam-se mais trabalhos com testes estatísticos em comparação entre dados de campo medidos de forma direta e os resultados encontrados na classificação dos modelos matemáticos utilizados na geração das classes de declividade. Bem como a comparação com trabalhos anteriormente realizados em regiões onde se possuía somente cartas topográficas em escala de igual detalhe.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Geográfico e Cartográfico - IGC, pessoalmente ao diretor Celso Donizetti Talamoni e ao gerente de cartografia Alexandre Iamamoto Ciuffa, pelo fornecimento de dados de modelos digitais de terreno (MDT-SP) do mapeamento 1:25.000 do Estado de São Paulo, que foram utilizados como dados de exemplo neste trabalho. Agradecemos ao Engenheiro Geólogo Leonardo Andrade de Souza, pelo fornecimento dos dados do Parque São Bernardo.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA - ABGE, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MECÂNICA DOS SOLOS - ABMS. Diretrizes para o zoneamento da suscetibilidade, perigo e risco de deslizamentos para planejamento do uso do solo. Coordenadores: Eduardo Soares de Macedo, Luiz Antonio Bressani. 2013.
CARVALHO, C. S.; MACEDO, E. S; OGURA, A. T. Mapeamento de Riscos em Encostas e Margens de Rios. Ministério das Cidades; Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, São Paulo, 2007. 45p.
CERRI, L.E.S. 1993. Riscos geológicos associados a escorregamentos: uma proposta para a prevenção de acidentes. Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, Tese de Doutorado.
ESRI HELP ONLINE ESRI ARGIS SLOPE SPATIAL ANALIST 2015 http://help.arcgis.com/en/arcgisdesktop/10.0/help/index.html#/How_Slope_works/009z000000vz000000/ Acessado em 06/04/2015
FARAH, Flávio. Habitação e encostas. São Paulo: IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 2003.
GARCIA, G.J.; PIEDADE, G.C.R. Topografia aplicada às ciências agrárias. São Paulo: Nobel, 1984.
GRASS GIS http://grass.osgeo.org/grass64/manuals/r.slope.aspect.html
IGC 2015 Mapeamento do Estado de São Paulo Modelo Digital de Terreno
KENNIE,T.J.M. and G.PETRIE, (1990), "Introduction to Terrain Modelling - application fields and terminology", In: Terrain Modelling In Surveying and Civil Engineering, Edited by G.Petrie and T.J.M.Kennie, Whittles Publishing, pp. 1-3.
UNDP – United Nations Development Programme. Reducing disaster risk: a challenge for development. New York, USA: UNDP, 2004. 129 p
U.S. Army CERL, 1993. GRASS 4.1 Reference Manual. U.S. Army Corps of Engineers, Construction Engineering Research Laboratories, Champaign, Illinois, 1-425
VARNES, D. J. (1984). Landslide hazard zonation: a review of principles and practice. UNESCO, 63 p., Paris. [11]
ZEMLYA CONSULTORIA E SERVIÇOS. Relatório final do mapeamento geológico-geotécnico do bairro Parque São Bernardo – São Bernardo do Campo – SP: Setores 2, 4, 5, 6, 7, 8, Novo Parque e Alto da Bela Vista.