Autores

Pereira Filho, E.A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS) ; Santos, K.R. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS/UNICAMP)

Resumo

O presente trabalho tem como área de estudo a cidade de Anápolis (GO), com ênfase na alta bacia do rio das Antas, mais especificamente a sua cabeceira de drenagem (da principal nascente). O principal objetivo desse trabalho é demonstrar as características gerais do meio físico e os principais modificações causadas pela implantação do túnel em área de nascente. Para alcançar tal objetivo buscou-se os pressupostos do método de Análise Integrada do Meio Físico e do mapeamento de elementos da geomorfologia local. É possível perceber que as necessidades econômicas se sobrepuseram as características do meio físico no caso da construção do túnel 2 da ferrovia Norte-Sul em Anápolis. Tal túnel foi construído na nascente do rio das Antas, em sua cabeceira de drenagem, num local onde havia uma voçoroca. Dessa forma, houve a recuperação da erosão, mas a Área de Preservação Permanente foi alvo de uma obra indevida, isso gerou modificações na paisagem local, bem como impactos na nascente do rio.

Palavras chaves

Meio físico; túnel da ferrovia; consequências

Introdução

O presente trabalho tem como área de estudo a cidade de Anápolis (GO) (figura 01), com ênfase na alta bacia do rio das Antas, região sul da cidade, onde localiza-se a cabeceira de drenagem (da principal nascente). Nesse local foi implantado o Túnel 2 (foram construídos dois túneis na cidade) da ferrovia Norte-sul, em Área de Preservação Permanente. O principal objetivo desse trabalho é demonstrar as características gerais do meio físico e os principais modificações causadas pela implantação do túnel em área de nascente. Parte-se do princípio que as necessidades econômicas se sobrepuseram as características do meio físico no caso da construção do túnel 2 da ferrovia Norte-Sul em Anápolis. Para melhor compreender a dinâmica dessa paisagem, adotou-se como conceito de cabeceira de drenagem o apresentado por Ridente Jr. et al (1996) onde os autores afirmam que a área onde se localiza a nascente de um curso d’água é definida como uma cabeceira de drenagem. Pode ser compreendida como a forma de relevo de formato semicircular ou oval formando uma vertente em forma de anfiteatro, onde se concentram as águas pluviais para formar as linhas de drenagem natural. Ainda segundo esses autores, as cabeceiras de drenagem apresentam área de alta declividade, elevada umidade, escoamento superficial concentrado e fluxo subterrâneo convergente para o talvegue, são ocupados por solos pedologicamente menos evoluídos de texturas variadas conforme o substrato rochoso. Este pode se apresentar extremamente alterado em grandes profundidades, contribuindo para a baixa coesão dos materiais, fazendo com que se eleve a suscetibilidade aos processos geológicos. Com destaque a processos erosivos. Quanto às voçorocas de cabeceiras de drenagem, é sabido que esta é uma área de instabilidade natural, suscetível a esse processo. No caso da área de estudo havia uma voçoroca instalada na cabeceira de drenagem, a mesma pode ser identificada em fotografia aérea desde a década de 1960 (figura 02a), local onde foi construído o túnel em questão. Soma-se a suscetibilidade natural a ocupação inadequada. A cabeceira do rio das Antas é cortada pela BR-153, sendo que a voçoroca estava localizada no compartimento de 5 a 10% e tinha como principal causa um bueiro que lançava as águas da BR diretamente na cabeceira (JESUS e LOPES, 2006). A partir da construção do túnel houve obviamente profundas modificações nessa paisagem, atualmente não se pode mais observar a existência da voçoroca, uma vez que para a implantação do túnel foram realizadas obras de contenção da erosão e o retaludamento das bordas da mesma. Cabe ressaltar que a área que circunda a nascente do rio das Antas é considerada uma área de preservação permanente, de acordo com o Código Florestal. Dessa forma, se a legislação federal tivesse sido observada não seria adequado a construção de uma obra em uma área de preservação permanente. A figura 2b mostra o formato da obra que circunda o túnel da ferrovia, tal formato coincide com o formato original de anfiteatro da nascente o rio das Antas.

Material e métodos

Esta contribuição tem como arcabouço teórico a ciência geográfica e para tanto buscou-se na geomorfologia alguns aportes teórico-metodológicos para a aprofundamento da análise. Ela baseia-se em três passos metodológicos principais: a pesquisa bibliográfica, mapeamento e o trabalho de campo. Dessa forma, o presente trabalho foi pautado no método de Análise Integrada do Meio Físico, e é baseado na observação, descrição e correlação sistemática dos elementos da paisagem. Como dito, para alcançar o objetivo proposto deste trabalho foi usado o método de Análise Integrada do Meio Físico, esse busca analise de fatores ambientais e sócio econômicos para compreender determinados fenômenos. Os passos metodológicos adotados de acordo com esse método foram os seguintes: pesquisa bibliográfica, mapeamento de características do meio físico, coleta de dados sobre a implantação do Túnel da Ferrovia, trabalho de campo, correlação dos dados de campo bibliográfico e demais e síntese dos resultados. Os principais materiais utilizados para a elaboração do mesmo foram bases cartográficas digitais que foram trabalhadas em softwares de geoprocessamento. O próximo tópico discutirá a análise do meio físico, essa se dará partindo da caracterização do embasamento geológico, passando pela caracterização climática, da vegetação (ainda existem na área manchas de cerrado, pois essa é uma área de expansão urbana que ainda não está totalmente ocupada) e por fim realizando um aprofundamento em elementos da geomorfologia do local.

Resultado e discussão

A bacia tem como embasamento geológico as rochas que configuram o Complexo Granulítico Anápolis-Itauçu. Apresenta grande variedade litológica, tais como: hornblenda-piroxênio gnaisses, granulitos básicos bandados, gabro- piroxenitos granulitizados, enderbitos e charnokitos (CAMPOS et al., 2003). Destaca-se no topo da bacia a cobertura detrito-laterítica, formada no terciário/quaternário. Esse embasamento influenciou na formação do relevo local, por exemplo, em locais com a cobertura detrito-laterítica observa-se um relevo plano. O regime pluviométrico é caracterizado por duas estações distintas - a chuvosa e a seca – e pela grande concentração das chuvas no período de outubro a março, englobando mais de 90% da precipitação. Na região Centro- Oeste observa-se que, na estação excessivamente chuvosa [o verão], o excedente de água [...] volumes grandiosos [...] (NASCIMENTO, 2002). Tal regime contribui para o desenvolvimento da voçoroca que antecedeu a construção do túnel da ferrovia e também tem relação com as constantes infiltrações que ocorrem dentro do túnel, isso pode comprometer sua estrutura. A vegetação no local encontra-se em grande parte modificada, principalmente em relação as matas de galeria que acompanhavam a drenagem, no entanto, algumas manchas de cerrado podem ainda ser observadas no local, uma parte delas será preservada, uma vez que a contrapartida para os impactos da obra foi a criação do Parque da Cidade. A vegetação no domínio do Cerrado é um mosaico de fisionomias e, de acordo com Ribeiro e Walter (1998), “A vegetação do bioma Cerrado apresenta fisionomias que englobam formações florestais, savânicas e campestres.” Dentro da vegetação do cerrado interessa a este trabalho caracterizar o conceito trabalhado por Ribeiro e Walter (1998) de mata galeria e de cerrado stricto sensu. Por Mata Galeria entende-se a vegetação florestal que acompanha os rios de pequeno porte e córregos do planalto do Brasil Central formando corredores fechados (galerias) sobre o curso de água. Essa vegetação de extrema importância foi suprimida na área de estudo. O que causa desequilíbrio na dinâmica fluvial. Já o cerrado sentido restrito (stricto sensu) “caracteriza-se pela presença dos estratos arbóreo e arbustivo-herbáceo definidos, com árvores distribuídas aleatoriamente sobre o terreno em diferentes densidades” (Ribeiro e Walter, 1998). Em geral, encontra-se nos topos e nas rampas próximas ao topos, ainda existem resquícios desse fitofisionomia na área. O que contribui, mesmo que de maneira pontual, para diminuir o escoamento superficial e por consequência potencializa a infiltração e diminui os processos erosivos. A vegetação original do local foi, em grande parte substituída por equipamentos urbanos e/ou vegetação antrópica, inclusive em áreas de APP, dessa forma a nascente ficou desprovida de sua proteção natural. Por análise de imagens e mapas topográficos Lacerda et al. (2005), caracterizaram a geomorfologia da cidade de Anápolis, tal trabalho engloba a bacia do rio das Antas. Nessa caracterização são identificados na geomorfologia modelados de aplanamento (topos planos e rampas); modelado de dissecação (baixas vertentes) e modelado de acumulação (planícies fluviais). As cabeceiras de drenagem localizam-se na transição do modelado de aplanamento para o modelado de dissecação, sendo diretamente influenciada por ambos os modelados. A geomorfologia da área e sua conformação pode favorecer a ocorrência de impactos ambientais, por isso a análise dos mapas: hipsométrico, clinográfico e de formas de vertente em planta e em perfil auxiliaram na análise. A diferença de altitudes da área (hipsometria) indica, como demonstrado na figura 3a, que existe uma área de topo, que como verificado em campo se trata de um topo plano com altitudes que superam 1100m, nas áreas adjacentes a conformação do relevo muda bastante, iniciando as vertentes com ruptura forte de relevo. A nascente está localizada na porção oeste da imagem, onde o relevo favorece fortemente a ocorrência de erosão. Uma vez que a passagem do topo para a vertente ocorre de forma brusca. Pode-se ver ainda que as diferenças altimétricas num curto comprimento de rampa favorece o incremento do escoamento superficial. As declividades da área podem ser observadas na figura 03b. Existe uma complementação entre as figuras 03a e 03b, observa-se que na ruptura de relevo há um incremento acentuado nos valores da declividade, principalmente na passagem do topo para as vertentes, nas áreas de nascente e nas baixas vertentes. Na área em que esse estudo se foca há predominância de declividades superiores a 21%, o que favorece o aparecimento de erosões lineares, uma vez que a inclinação do terreno potencializa o arraste de partículas, esse material se acumula no canal provocando assoreamento, o que por sua vez pode gerar inundações à jusante. A classificação do mapa em curvatura (plana e do perfil) côncava, retilínea ou convexa, leva em conta limiares definidos de taxas de variação do valor de curvatura. No que diz respeito à forma em perfil (curvatura vertical) as vertentes podem ser côncavas, convexas ou retilíneas . Raramente elas apresentam, ao longo de seu perfil, uma única forma e, geralmente, contém segmentos de formas diferentes (MOREIRA & PIRES NETO, 1998). As vertentes também podem ser caracterizadas por sua forma em planta (curvatura plana ou horizontal), como côncavas, convexas e retilíneas. Combinando a forma em planta com a forma em perfil, têm-se nove tipos de vertentes (GUERRA, 2003). As vertentes côncavas em planta concentram o fluxo do escoamento superficial. Vertentes de forma convexa em planta provocam divergência do escoamento (SILVA et al. 2003). Os mapas de curvatura em planta (Figura 04a) e em perfil (Figura 04b) mostram o direcionamento do fluxo, os locais de acúmulo do mesmo e onde há maior potencial de ocorrer impactos quando se trata de obras. O mapa de curvatura em planta mostra que há um predomínio de vertentes côncavas na área, principalmente nas cabeceiras de drenagem e nas baixas vertentes. Isso indica uma concentração do fluxo do escoamento superficial. Essa concavidade na área da construção do túnel potencializa problemas no projeto, como de fato ocorreu, por diversas vezes as paredes do túnel tiveram que ser reconstruídas, devido a concentração de fluxo, a alta declividade e ao tipo de solo. O mapa de curvatura em perfil mostra uma concentração de vertentes convexas, o que possibilita o aumento da velocidade do fluxo do escoamento, assim o fluxo se concentra considerando a curvatura em planta e aumenta velocidade. As características específicas de áreas de nascente fizeram com que houvesse prejuízos ao meio físico, mas também prejuízos econômicos, uma vez que as repetidas tentativas de conter os movimentos de massa provocaram um encarecimento da obra. Algumas consequências da realização de uma obra em local inadequado podem ser observadas, como a água que escoa do teto e das paredes do túnel, durante todo o ano, com maior intensidade no período chuvoso. Uma vez que a obra está passando por processos de infiltração constantes, chega-se ao ponto de se formarem "estalactites" no teto e nas paredes do túnel. O constante movimento de massa durante a construção levou a necessidade, inclusive de adequação no projeto, teve que ser feito o jateamento de concreto nos taludes da antiga erosão. Na figura 2b pode perceber que há uma irregularidade na "parece" de concreto (que objetiva a contenção) essa irregularidade denota a ineficiência das tentativas de conter a queda dos taludes. A própria utilização do concreto demonstra a instabilidade do terreno, onde o retaludamento não pode ser contido apenas com vegetação rasteira, como em outras obras do mesmo tipo. Outra consequência é a canalização da nascente sob o túnel da ferrovia. Existe no local todo um sistema de drenagem que precisou ser feito para que a água, que é abundante no local, não prejudicasse o funcionamento da ferrovia.

Localização da Alta Bacia do Rio das Antas

Figura 1 - Cidade de Anápolis e a porção urbana da bacia do rio das Antas

Carta-imagem e Fotografia da Região do Túnel

Figura 02a - Erosão acelerada na cabeceira do rio das Antas em 1965 Figura 2b - Túnel 2 da ferrovia Norte-sul em Anápolis

Hipsometria e Declividades da Área de Estudo

Figura 03a - Hipsometria da cabeceira do rio das Antas e áreas adjacentes. Figura 03b - Declividades da cabeceira do rio das Antas e áreas adjacentes.

Curvatura em Planta e em Perfil da Área de Estudo

Figura 04a - Curvatura em planta.Figura 04b - Curvatura em perfil.

Considerações Finais

Na região sul de Anápolis, mais precisamente na alta bacia do rio das Antas, o mal planejamento da drenagem da BR-153 foi fator preponderante para a ocorrência de processo erosivo acelerado na cabeceira de drenagem do referido rio. E sobre esse problema ambiental foi construída uma obra, o túnel 2 da ferrovia Norte-sul, na nascente do rio das Antas, em sua cabeceira de drenagem, num local onde antes havia, como dito, uma erosão linear acelerada (do tipo voçoroca). Tal túnel chega com o discurso da contenção da erosão e provoca prejuízos também muito significativos. Outros prejuízos para a dinâmica do rio podem aparecer a médio e longo prazo, uma vez que a modificação implementada pela obra foi acentuada. Sugere-se que outros trabalhos verifiquem tais consequências em trabalhos futuros. Dessa forma, faz-se necessário avançar no entendimento de como essa ocupação resultou em mudanças, não só no meio ambiente, mas também socioeconômicas.

Agradecimentos

Agradecimentos à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e a Universidade Estadual de Goiás pelo fomento a pesquisa.

Referências

CAMPOS, J. E. G., et al. Diagnóstico Hidrogeológico da Região de Goiânia. AGIM/GO Superintendência de Geologia e Mineração da Secretaria da Indústria e Comércio, Goiânia, GO, 2003, 125 pp.
JESUS, A. S. LOPES, L. M. Geomorfologia da Alta Bacia do Rio das Antas, Anápolis (Go) E A Ocorrência De Processos Erosivos. Disponível em: http://www.labogef.iesa.ufg.br/links/sinageo/articles/365.pdf
LACERDA, H. et al. Formas de relevo, uso da terra, e riscos geológicos na área central de Anápolis (GO). Plurais. Anápolis, n. 2, 2005.
NASCIMENTO, M. A. L. S. O meio físico do Cerrado: Revisitando a produção teórica pioneira. In: ALMEIDA, M. G. (Org.) Abordagens Geográficas de Goiás: O natural e o social na contemporaneidade. Goiânia: IESA, p. 47-89, 2002.
RIBEIRO, J.F.; Walter, B.M.T. Fitofisionomias do Bioma Cerrado. In: Sano, S.M.; Almeida, S.P. de (orgs.). Cerrado: ambiente e flora. Planaltina-DF: Embrapa, 1998. 89-166.
RIDENTE Jr, J.L. et al. - "Cabeceiras de drenagem, uma unidade de análise na elaboração de cartas geotécnicas", In: Anais do 2o Simpósio Brasileiro de Cartografia Geotécnica - I Encontro Regional de Geotecnia e Meio Ambiente, pp.185-194, São Carlos, SP - ABGE, 1996.
SILVA, A. M. et al. Erosão e hidrossedimentologia em bacias hidrográficas. São Carlos: RIMA, 2003.
MOREIRA, C. V. R.; PIRES NETO, A. G. Clima e Relevo. In: OLIVEIRA, A. M. S.; BRITO, S. N. A. Geologia de Engenharia. São Paulo: Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, 1998.
GUERRA, A. J. T. Encostas e a questão ambiental. In: CUNHA, S. B. & GUERRA, A. J. T. A. (Org.). Questão Ambiental: Diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 191-218.