Autores

Matos, L.J. (PREFEITURA DE SÃO PAULO) ; Dias, V.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Vieira, B.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)

Resumo

O método PTVA (Papathoma Tsunami Vulnerability Assessment) vem sendo aplicado em diferentes países para mensurar a vulnerabilidade física dos elementos em risco a diferentes eventos naturais perigosos. Assim, o presente artigo buscou identificar a vulnerabilidade física de construções expostas às corridas de detritos no município de Caraguatatuba. Para tal, os seguintes métodos foram aplicados: a) Seleção dos critérios que afetam a vulnerabilidade das construções; b) Avaliação multicritérios e c) Representação da vulnerabilidade final. Como resultados, foram mapeadas 38 áreas com uma vulnerabilidade final de 7,9 % alta, 68,4 % média e 23,7% baixa. Verificou-se uma variação de aproximadamente 30% entre a vulnerabilidade mais baixa (55%) e a mais alta (83%). Diante da necessidade de mais métodos para vulnerabilidade às corridas de detritos no Brasil, acredita-se que o método aqui aplicado possa contribuir para o reconhecimento dos cenários de vulnerabilidade.

Palavras chaves

Corridas de Detritos; Vulnerabilidade; Serra do Mar

Introdução

As corridas de detritos ocorrem em diferentes partes do mundo e podem ocasionar diferentes graus de perdas e danos denotando as sociedades atingidas consequências que variam desde níveis administráveis até catastróficos. Contudo, as corridas de detritos amplamente divulgadas na literatura correspondem, em sua maioria às que impulsionaram grandes desastres (MARCHI e TECCA, 2006) em detrimento da divulgação das corridas de menor magnitude. Dessa forma, muitos trabalhos voltados a redução de risco, envolvendo as corridas de detritos deparam-se com um banco de dados polarizado no que tange as forças de impacto e criação dos índices de corridas de detritos (JAKOB et al. 2012). A produção de pesquisas voltadas ao estudo das corridas de detritos de menor magnitude é recente, chamando a atenção para a construção de registros mais realísticos acerca destes processos (MARCHI e TECCA, 2006). A partir daí ampliaram-se os métodos que buscam atender a proposta da redução de risco ou minimização das perdas e dos danos, tais como observa-se em, Papathoma et al. (2003), Papathoma e Dominey – Howes (2003), Birkmann (2007), Papathoma-Kohle et al. (2007) e We-Chun Lo et al. (2012). No Brasil, as corridas de detritos são mais recorrentes na Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, sobretudo, na região serrana. Muitas destas áreas encontram-se ocupadas, sem restrição ou planejamento de risco para as moradias próximas aos canais ou em zonas de deposição destes processos. Esforços na literatura nacional predominam na tentativa do reconhecimento físico e classificações do evento perigoso como se observa em: Augusto Filho (1993); Gramani (2001); Kanji et al. (1997, 2003, 2008). Nesse contexto o presente artigo buscou avaliar a vulnerabilidade física de construções na bacia do rio Guaxinduba, Caraguatatuba (SP) a fim de contribuir com os estudos de risco. Para tanto esta pesquisa baseou-se na aplicação do método PTVA (Papathoma Tsunami Vulnerability Assessment) na Serra do Mar para identificar a vulnerabilidade física de construções potencialmente expostas às corridas de detritos.

Material e métodos

Critérios que afetam a vulnerabilidade das construções Para a aplicação do método PTVA foram selecionados sete critérios dos quais quatro se referem diretamente ao padrão construtivo: o material da construção (i), a presença de muros altos (ii), o número de pavimentos (iii) e a presença de portas e janelas grandes (iv). Segundo Fuchs et al. (2007), a vulnerabilidade é altamente dependente do primeiro critério (material de construção), pois a resistência do material nos muros altos, por exemplo, cobrindo as laterais da construção devem protegê-la de um contato direto com os detritos. Entretanto, a sua ausência, somada às construções com janelas e portas grandes podem elevar o grau da vulnerabilidade (HOLUB e HÜBL 2008; KAPPES et al. 2012). O número de pavimentos também tem papel fundamental no grau de perdas socioeconômicas e de vidas, pois a construção com apenas um pavimento térreo oferece menor chance de evacuação e preservação dos bens materiais (PAPATHOMA et al. 2003; PAPATHOMA-KOHLE et al. 2007; KAPPES et al. 2012). Para o entorno das construções observa-se os seguintes critérios: (v) presença de terrenos baldios ou com ampla área descampada (clubes, campos, etc), (v) blocos e (vi) suas dimensões, próximos às construções (vii). Avaliação Multicriterial Aplicou-se o método de Avaliação de Multicritérios de Voogd (1983) com a transformação linear simples na contagem de cada critério e posteriormente com a atribuição dos pesos para cada um. Os pesos foram organizados de acordo com sua importância para a possível aplicação das medidas de mitigação pelo poder público, da mesma forma como foi aplicado por Papathoma e Dominey – Howes (2003).Trata-se da seguinte atribuição: Material de construção (peso 7),Muros altos (peso 6), Presença de portas e janelas grandes/largas (peso 5),Terrenos grandes/baldios (peso 4),Número de pavimentos (peso 3), Presença de blocos (peso 2) e Tamanho dos blocos (peso 1). Neste processo, o valor máximo possível da vulnerabilidade que cada unidade de análise pode atingir corresponde a 28. Atenta-se para a soma dos pesos (28) multiplicados pelo valor máximo unitário (1,0) da contagem padronizada. Diante da contagem e da atribuição de pesos, foi feito o cálculo da vulnerabilidade com a soma da multiplicação de cada peso pela contagem padronizada de cada critério. A transformação da contagem bruta em padronizada, com valores que variam entre 0 e 1, descreve uma maneira de tornar compatíveis os dados trabalhados (VOOGD,1983). Assim, a vulnerabilidade final foi dividida pela soma dos pesos para ser expressa na escala de 0 a 1 e posteriormente multiplicada por 100 (valor percentual).

Resultado e discussão

Resultados e Discussões De modo geral, os valores da vulnerabilidade variaram entre 15,31 e 23,21 (soma absoluta dos critérios) ou quando recalculados para o intervalo 0-100, de 55% a 83% em relação ao valor máximo possível (Figura 1). Constatou-se uma diferença de 28% entre as situações extremas de vulnerabilidade, refletindo a variação nas condições dos critérios de vulnerabilidade avaliados. Figura 1: Observa-se instabilidade nos valores da vulnerabilidade final na Bacia do Guaxinduba. A variação se dá em 28% já que a vulnerabilidade mais baixa alcançada corresponde a 55% na Rua dos Ipês e a vulnerabilidade mais alta (83%) na Estrada do Cantagalo e Alamedas. Assim, a bacia apresentou 7,9% das construções com vulnerabilidade alta, 68,4% média e 23,7% baixa (Figura 2). As altas vulnerabilidades concentraram-se nas porções norte e central da área (Estrada do Cantagalo e Alamedas dos Castanheiros e Pessegueiros) com construções em que predominaram os critérios: (i) blocos das classes 1 a 3, (ii) construções sem muros altos, (iii) cercadas por terrenos baldios e (iv) apenas um pavimento(Figura 3 A e B). As vulnerabilidades médias e baixas se distribuíram ao longo da bacia; no caso das baixas vulnerabilidades observa-se o caso da Rua dos Ipês cujo quarteirão com a distribuidora de bebidas, atingiu a vulnerabilidade mais baixa de toda a área mapeada com 55%. Tal fato, está relacionado aos seguintes critérios: (i) mais de um pavimento, (ii) muro alto envolvendo a área construída, (iii) portas e janelas pequenas e (iv) ausência de blocos (Figura 3 C e D). Figura 2: Mapa da vulnerabilidade das construções às corridas de detritos na bacia do Guaxinduba. 7,9 % da área foram mapeadas com alta vulnerabilidade (vermelho), 68,4% média (amarela) e 23,7% baixa (verde) Figura 3: (A) e (B) Vulnerabilidade alta: ausência de muros altos envolvendo a construção, com o entorno do terreno descampado, apenas um pavimento e presença de blocos grandes a muito grandes. (C) Vulnerabilidade média: apenas um pavimento e presença de blocos entre médios e grandes e ausência de muros. (D) Vulnerabilidade baixa: Distribuidora de bebidas com mais de um pavimento, portas e janelas pequenas, extensão das paredes externas envolvendo toda a construção. No presente estudo, verificou-se que além das condições físicas dos critérios avaliados, a localização em áreas que não atendem a um planejamento com a perspectiva da redução de riscos tem papel importante. Vale ressaltar que neste trabalho, os graus de vulnerabilidade não apresentaram necessariamente conformidade com os graus de suscetibilidade ou zonas de perigo, ressaltando a importância na etapa de construção dos critérios de vulnerabilidade e na atribuição de pesos, a seleção de critérios que identifiquem a vulnerabilidade independentemente dos mapeamentos de suscetibilidade ou de perigo. Ainda neste contexto, os critérios (i) presença e (ii) dimensões dos blocos tratados aqui como critérios de vulnerabilidade contribuíram com a variação do potencial de danos das construções, conduzindo a uma classe de vulnerabilidade final. Contudo, os resultados mostraram que esta variação não foi regular, com destaque, por exemplo, dos seguintes casos: na Alameda dos Pessegueiros com vulnerabilidade alta (77%), mas com a presença de blocos das classes 1 e 2, e nas Alamedas das Palmeiras, Jacarandás e na Rua dos Ipês com vulnerabilidade média (70%) e ausência de blocos.

Figura 1: Variação da vulnerabilidade

Observa-se instabilidade nos valores da vulnerabilidade final com variação de 28% já que a vulnerabilidade mais baixa alcançou 55% e a mais alta 83%

Figura 2: Mapa da vulnerabilidade final

Mapa da vulnerabilidade final das construções: vulnerabilidade alta (7,9%)vermelho, 68,4% média (amarela) e 23,7% baixa (verde)

Figura 3: Construções com diferentes graus de vulnerabilidade

(A)e(B) Vulnerabilidade alta; (C) Vulnerabilidade média e (D) Vulnerabilidade baixa

Considerações Finais

Verificou-se neste trabalho que nenhum critério é determinante na classificação final da vulnerabilidade, sendo seu resultado dependente de um conjunto de critérios que geram diferentes classes. Assim, identificou-se que a conformidade entre o maior número de critérios avaliados em uma área construída é o que define a classe de vulnerabilidade. No caso da área de estudo, nenhuma das construções mapeadas atendeu a todos os critérios conjuntamente, aumentando ou diminuindo, ao máximo, o valor da vulnerabilidade final. De modo geral a condição das construções que mais elevou a vulnerabilidade, nesta pesquisa, reuniu os seguintes critérios: (i) ausência de muros altos envolvendo a construção, (ii) presença de blocos no entorno, (iii) proximidade das construções mapeadas com terrenos descampados, e (v) construções com apenas um pavimento. Finalmente, a variação entre as vulnerabilidades mínima e máxima (28%) alerta para a necessidade de medidas que reduzam este número auxiliando na diminuição da vulnerabilidade dos elementos de risco às corridas de detritos.

Agradecimentos

Referências

AUGUSTO FILHO, O. (1993) - O estudo das corridas de massa em regiões serranas tropicais: um exemplo de aplicação no Município de Ubatuba, SP. Congr. Bras.Geol.Eng., 7, Poços de Caldas. ABGE. V 2, p. 63-70.
BIRKMANN, J. (2007). Risk and Vulnerability indicators at different scales: Applicability, Usefulness and Policy implications. Elsevier – Environmental Hazards. 7. P. 20-31.
CRUZ, O. (1974). A Serra do Mar e planície na área de Caraguatatuba- contribuição à geomorfologia litorânea tropical. SérieTeses e Monografias, 11, IGEOG/USP: 181 p.
FUCHS, S. Heiss, K. and Hübl, J. (2007) Towards an empirical vulnerability function for use in debris flow assessment, Nat. Hazards Earth Syst. Sci., 7, 495-506.
FÚLFARO, V. J. PONÇANO, L. W. BISTRICHI, A. C. STEIN, P. D.(1976) Escorregamentos de Caraguatatuba: Expressão Atual e Registro na Coluna Sedimentar da Planície Costeira Adjacente, Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia, Vol. 2, 1976, pp. 341-350.
GRAMANI, M. F. (2001) Caracterização geológico-geotécnica das corridas de detritos (Debrisflows) no Brasil, em comparação com alguns casos internacionais. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, p 135 – 225.
HOLUB, M. AND HÜBL, J. (2008) Local protection against mountain hazards – State of the art and future needs. Natural Hazardsand Earth System Sciences.,(8) p. 81-99
JAKOB. M, STEIN. D, ULMI. M, (2012) Vulnerability of buildings to debris flow impact. Natural Hazards – DOI 10.1007/s11069-011-0007-2. p. 241-261.
KANJI, M. A. CRUZ, P. T. MASSAD, ARAÚJO, H. A. F (1997). Basic and common characteristics of debris flows.2nd Pan-American sym. Landslides, 2nd COBRAE, Rio de Janeiro, 1997. P 9.
KANJI, M. A. MASSAD, F. CRUZ, T. P. (2003) Debris Flows in areas of residual soils: Occurrence and characteristics, P. 1-8.
KANJI, M. A. CRUZ, P. T. MASSAD, F. (2008) Debris Flow affecting the Cubatão Oil refinery, Brazil.In: Landislides.V. 5, Issue 1, pp. 71 - 82.
JORNAL CORREIO DA MANHÃ (1967). Retirados 200 corpos. Acervo: Arquivo Público do Município de Caraguatatuba. Quarta-Feira, 22 de Março de 1967. 2º caderno.
JORNAL DA TARDE - JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO (1967a). Primeira Visão de Caraguatatuba. Acervo: Arquivo Público do Município de Caraguatatuba. Segunda-Feira, 20 de Março de 1967. p7.
JORNAL DA TARDE - JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO (1967b) - O Prefeito e sua cidade morta. Acervo: Arquivo Público do Município de Caraguatatuba. Segunda-Feira, 20 de Março de 1967. p 8.
KAPPES, M. S, PAPATHOMA-KÖLE, M. K, (2012).Assessing physical vulnerability for multi- hazards using an indicator-based methodology.Elsevier - Applied Geography vol.32, Wien – Austria.p 577-590.
MARCHI, L. TECCA, P. R. (2006) Some observations on the use of data from historical documents in debris-flow studies.Natural Hazards – DOI 10.1007/sl 1069-005-0264-z – Springer. p 301-320
PAPATHOMA, M., DOMINEY.H, D., ZONG, Y., and SMITH.D (2003).Assessing Tsunami vulnerability, an example from Herakleio, Greece.Natural Hazards and Earth System. Sciences, 3, 377–389.
PAPATHOMA.M and HOWES D. (2003).Tsunami vulnerability assessment and its implications for coastal hazard analysis and disaster management planning, Gulf of Corinth, Greece. Natural Hazards and Earth System Sciences, 3, European Geosciences Union. p. 733–747.
PAPATHOMA, K, M., NEUHÄUSER, B., RATZINGER, K.,WENZEL, H., & DOMINEY, H, D. (2007). Elements at risk as a framework for assessing the vulnerability of communities to landslides.NaturalHazardsand Earth System Sciences, 7, 765 e 779.
SANTI. P.M, HEWITT.D. F, VANDINE. E, BARILLAS, C (2011) Debris-flow impact, vulnerability, and response. Natural Hazards – DOI 10.1007/s11069-010-9576-8 – p. 371- 402
VOOGD, H.(1983). Multicriteria Evaluation for Urban and Regional planning. ISBN 085086 1063. Pion Limited, London p.357
WEN, C. L, TING, C. T, CHI, H. H. (2012) Building Vulnerability to debris flows in Taiwan: a preliminary study. Springer - Nat. Hazards – Original Paper. p. 2107-2128.