Autores

Santos, R.C. (UFRJ) ; Oliveira, I.L. (PUC-RIO) ; Cunha, K.A.S. (UFRJ)

Resumo

O sistema fluvial exerce um papel fundamental para o ciclo hidrológico, geomorfológico e de todo um sistema ambiental no qual faz parte, controlado por diversos fatores, podendo sofrer ajustes naturais ou intervenções antrópicas diretas e indiretas, sendo assim de significativa importância o conhecimento acerca destas alterações ocorridas. O presente trabalho foi desenvolvido no canal principal da bacia do rio Sana, afluente do rio Macaé, ao norte do estado do Rio de Janeiro, onde há uma grande preocupação com os danos ambientais e má utilização dos recursos naturais ali presentes, por se encontrar dentro de uma Área de Preservação Ambiental (APA). O objetivo do trabalho é a aplicação do protocolo de avaliação rápida (PAR) adaptado em de 13 pontos de análise ao longo do rio Sana, divididos entre seu alto, médio e baixo curso, avaliando de forma simples e rápida, as condições que o rio se encontra, qual a magnitude dos impactos sofridos e qual a sua perspectiva de preservação.

Palavras chaves

Presevação; Rio Sana; Dano ambiental

Introdução

O sistema fluvial exerce um papel fundamental para o ciclo hidrológico, geomorfológico e de todo um sistema ambiental no qual faz parte, o qual nos possibilita o uso da água para a realização de diversas atividades, como a agropecuárias, industriais e domésticas. E para a continuidade de todas essas atividades é de suma importância à qualidade e equilíbrio ambiental desse sistema, identificando em ações de preservação, medidas essenciais para que não aja o comprometimento deste recurso devido ao mau uso humano. Segundo Callisto (2002), os múltiplos impactos antrópicos sobre os ecossistemas aquáticos têm sido responsáveis pela deterioração da qualidade ambiental de bacias hidrográficas extremamente importantes no território brasileiro. Lembrando que uma atividade de natureza mais agressiva, do ponto de vista ambiental, em uma bacia hidrográfica ou sistema fluvial, pode comprometê-lo como um todo, tornando um sistema fluvial completamente inútil para as atividades descritas anteriormente. Dessa forma, é de grande importância a adoção de um método de avaliação desses sistemas fluviais, os quais integrem tanto o corpo hídrico, como o entorno próximo ao rio. O principal objetivo deste trabalho é a realização de uma avaliação rápida e inicial a partir de questionários adaptados por Callisto et al. (2002) Rodrigues e Castro (2008), da condição do rio Sana, inserido em uma bacia hidrográfica que em 2001 foi declarada como uma Área de Preservação Ambiental (APA), através da lei municipal nº2172. Segundo Rodrigues (2008), na medida em que métodos de avaliação capazes de perceber pequenas mudanças são utilizados, a conservação e o gerenciamento dos recursos hídricos tornam-se mais fáceis e mais eficientes em longo prazo. A verificação precoce de pequenas mudanças na paisagem, proporcionadas pelas ações antrópicas possibilita impedir a expansão das mesmas a todo ecossistema fluvial possibilitando que medidas mitigadoras sejam desenvolvidas. E pelo fato deste protocolo ser de fácil utilização, é possível que a comunidade também atue como um dos principais atores na identificação e preservação na degradação ambiental do rio e auxilie em um possível plano de restauração da paisagem e de suas funções ambientais, demonstrando a importância desta ferramenta em diversos aspectos, principalmente quando relacionado à gestão e planejamento para a preservação de recursos hídricos.

Material e métodos

O presente estudo foi desenvolvido na bacia do rio Sana, a qual possui uma área de aproximadamente 133 km². Inserida no médio-alto curso da bacia do rio Macaé, norte do estado do Rio de Janeiro. Administrativamente, a bacia se assemelha bastante ao limite distrital de Sana, localizada no município de Macaé. Geologicamente, a bacia tem em sua porção leste, uma região de rochas intrusivas do tipo granitoide, denominada Granito Sana e em seu restante, é composta pela Unidade São Fidélis, datada do Proterozóico. Geomorfologicamente, há o predomínio de aproximadamente 81,60% de Serras Escarpadas (acima de 400 m) e, segundo o mapeamento de Carvalho Filho et al. (2001), a região é predominantemente composta pelas classes pedológicas Cambissolo e Neossolo Litólico. Ao total, foram realizados 13 pontos de aplicação dos protocolos de avaliação rápida (PAR), ao longo do rio Sana, que foi setorizado em três grandes trechos: o alto, médio e o baixo curso. tendo em média, 20 minutos como tempo necessário para a aplicação dos quadros protocolares em cada local. O PAR apresenta uma proposta para ser uma ferramenta inicial para avaliação das condições de um rio, avaliando suas relações horizontais e verticais, levando a uma primeira visão quanto à gestão de um sistema fluvial apresentando fatores exemplificadores quanto a sua eficácia. São utilizados métodos de observação e de coleta e caracterização in situ, a fim de avaliar trechos do canal principal da bacia e o nível dos impactos ambientais decorrentes de atividades antrópicas. Foram adaptados dois diferentes protocolos e elaborados em quadros, que consistem em um conjunto de parâmetros em categorias distintas, possuindo uma pontuação quanto ao grau de modificação ou de permanência das condições naturais. O Quadro 1 adaptado por Callisto et al. (2002) do protocolo proposto pela Agência de Proteção Ambiental de Ohio (EUA) (EPA, 1987), possui pontuação com valores 1 (totalmente modificado) e 4 (condições naturais), além da pontuação 2, que representa alterações de moderada acentuação. Os seus dez parâmetros abrangem: tipo de ocupação nas margens do corpo d’água; erosão próxima e ou nas margens do rio e assoreamento do seu leito; alterações antrópicas; cobertura vegetal o leito; cobertura vegetal no leito; odor da água; oleosidade da água; transparência da água; odor do sedimento (fundo); oleosidade de fundo; e tipo de fundo. O Quadro 2 adaptado por Rodrigues e Castro (2008) do protocolo proposto por Hannaford et al. (1997), apresenta pontuação que vai de 1 a 4, sendo o valor 1 referente a uma condição ruim atribuída ao local, o valor 2 para condições regulares, 3 representando condições boas do local e o valor 4 representando condições ótimas ou até mesmo naturais no ponto avaliado. Os cinco parâmetros propostos abrangem: deposição de sedimentos; alteração do canal; estabilidade das margens; proteção das margens pela vegetação do entorno; e estado de conservação da vegetação do entorno. A soma da pontuação atribuída para cada parâmetro fornece uma pontuação final agregada de ambos os quadros, com valores finais variando entre os valores 5 (alto grau de modificação/degradação) e 60 (condições naturais, sem/pouca degradação), gerando uma classificação quanto à condição de cada ponto estudado, através de 4 níveis de preservação, adaptado de Callisto et al. (2002): 5 a 20 pontos indicam trechos totalmente alterados; 21 a 35 pontos, são trechos com alto nível de alteração; 36 a 50 pontos, trechos de médio/baixo níveis de alteração; acima de 50 pontos, trechos naturais e/ou com baixos níveis de alteração. Ainda quanto às pontuações, também foram realizadas analises estatísticas quanto a média dos parâmetros entre todos os pontos de estudo, a verificação de predominância de um ou mais parâmetros ao longo do canal e a comparação entre os locais, para assim verificar se há uma constância quanto a modificações ou a prática de proteção e preservação do rio explorado.

Resultado e discussão

A extensão analisada do rio Sana compreende de montante à jusante, um trecho de aproximadamente 17 km, constituída pelos 13 pontos analisado (Figura 1). Durante o trajeto, foram percorridas áreas próximas a nascente e a desembocadura onde as principais ocupações são campos de pastagem e poucas residências, passando por localidades que apresentavam características próximas às condições naturais, e a área central do distrito, cujo é transverso pelo rio Sana, apresentando uma ocupação inteiramente urbano- residencial com grandes extensões de asfaltamento e desmatamento da vegetação nativa. Os resultados da aplicação do protocolo ao longo do canal gerou uma média dos locais com pontuação de 43,7. Segundo a classificação proposta, caracterizaria a região estudada com um nível médio/baixo de alteração, ou seja, apresentando algumas modificações antrópicas, mas com uma boa preservação das características naturais da região, o que condiz quase que totalmente com o que é esperado de uma APA. Contudo, embora o valor seja positivo, ele representa a generalização quanto a todo o trecho percorrido pelo estudo, enquanto se avaliados de formas separadas, o rio apresenta somas diferentes para seu alto, médio e baixo curso. O alto curso do rio Sana, apresenta os melhores valores a partir da aplicação do protocolo, possuindo uma média de 48 pontos, sendo classificado com um nível médio/baixo de alterações. Entretanto, entre os pontos que compõem o trecho do alto curso, é importante destacar a existência de localidades sem nenhuma alteração antrópica, com valores máximos no ponto de numero 1 (Figura 2) e também a presença de algumas residências localizadas ao longo do canal, sendo representado pelos pontos estudados de número 4 e 5, que também apresentaram extrema fragilidade na estabilidade das margens, decorrentes da pouca presença de vegetação marginal no local, sendo explicitado pelos valores do Quadro 2 (Tabela 1). Os demais pontos que compõem o alto curso apresentaram algumas discordâncias, principalmente quanto aos parâmetros de ocupação das margens, alterações antrópicas e erosão nas margens, mas mantiveram avaliações positivas quanto à preservação do rio. O médio curso se mostrou o trecho mais alterado, sendo refletido pelo valor médio de 36,5 entre os seus pontos, que mesmo ainda estando na mesma classificação que os demais trechos, este percurso apresenta locais avaliados com pontuação inferior 35 (pontos 7 e 9), o que caracteriza pontos com alto nível de alteração, evidenciado nos valores de ambos os quadros. Os outros dois pontos do médio curso, embora tenham tido valores melhores, também apresentam alto nível de residências nas margens do rio, o que reflete uma consequência da retirada da vegetação do entorno do mesmo. Esta extensão apresenta muitas propriedades rurais de grande porte, dificultando o acesso ao canal estudado, assim como é nesta porção da bacia que se localiza a região central do Distrito de Sana, evidenciando ainda mais o porquê foi atribuído valores tão baixos, uma vez que houve canalização e recobrimento em alguns pontos do rio Sana, para que se adequasse as condições para moradias. O baixo curso apresentou um valor médio de 45,75 pontos, bem próximo da classificação geral do estudo. Porém, neste trajeto da pesquisa foram encontradas algumas discrepâncias, pois em boa parte de sua extensão, o rio Sana era caracterizado por boas condições, com alto grau de preservação da vegetação marginal e com boas condições de fluxo, apresentando locais avaliados com pontuação maior que 50, ou seja, classificada como um trecho natural e/ou com baixos níveis de alteração, sendo este o ponto de número 10 e 11. Estes pontos podem ser caracterizados como “ilhas de preservação”, pois baseados na experiência de campo e nos resultados obtidos, eles apresentam uma discrepância tanto em relação aos pontos descritos como as suas regiões próximas. Estas ilhas são criticadas por Rodrigues et al. (2008) a cerca do discurso sobre as Unidades de Conservação, pois segundo os autores, estes trechos não podem estar isolados do seu contexto regional, pois eles devem ser possíveis de manter em tais condições ao mesmo tempo que não devam ser pontos destoantes dentro de um sistema fluvial, o que leva a dois tipos diferentes de caminhos para estas áreas mais preservadas, sendo o primeiro voltado para um gerenciamento de alta qualidade e eficiência, que as mantem e amplia a sua área de preservação ou a uma segunda alternativa, que seria a supressão destas ilha, fazendo-a sucumbir ao avanço das modificações antrópicas. Já em uma pequena área deste trecho, nos pontos 12 e 13, foram encontradas muitas residências as margens do rio, que compunham pequenas propriedades rurais caracterizadas por pequenas áreas de plantio e evidente supressão das matas nativas ao redor do canal. Ao analisarmos especificamente os resultados da avaliação de cada parâmetro, alguns deles merecem destaque. O parâmetro 1 do Quadro 1 “Tipo de ocupação das margens do corpo d'água (principal atividade)” é por si só uma das observações mais importantes, mesmo que fora de um PAR. Este parâmetro é responsável por uma ideia inicial do que será refletido nas outras questões, pois a relação do entorno com o canal se mostra cada vez mais, como a principal fonte das grandes alterações dos sistemas fluviais, alterando a entrada e deposição de sedimentos, regime do fluxo e possíveis barreiras. O parâmetro 2 do Quadro 2 “alteração do canal” mostra uma preocupação a mais do que simplesmente alterações visuais em um canal fluvial, pois busca a associação das alterações com as atividades exercidas e a sua relação com o padrão do rio, sendo ele natural ou não. Isto mostra a importância além do visual a qual a questão se propõe, para assim integrar os fatores que alteram o local e também o sistema. O parâmetro 4 do Quadro 2 “proteção das margens pela vegetação” se mostra uma importante indagação quanto a vegetação ciliar em cursos d’água, pois não leva em conta apenas a existência da vegetação ou a sua proximidade com o canal em si, mas tem por objetivo principal a especificação de que tipo de vegetação está ali presente, sendo a mata nativa a com melhor pontuação no protocolo e efetivamente, a melhor forma de preservação e manutenção do sistema estudado. Todas estas informações obtidas por meio do protocolo, são extremamente uteis no âmbito de programas de monitoramento e preservação dos recursos hídricos, pois oferece um alerta imediato e de fácil percepção a cerca das condições de um sistema fluvial, servindo como uma primeira etapa de um trabalho de gerenciamento, além de ser de fácil aplicação, podendo se tornar uma forma de conscientização e conhecimento por parte da população, que ao se tornar parte do processo de avaliação e entendimento do rio que utiliza, se torna ambientalmente responsável e consciente em prol da conservação do mesmo. No caso do rio Sana, a pontuação do protocolo, bem como, os parâmetros avaliados, indicam para o rio, áreas alteradas e impactadas pelas ações antrópicas. Diretamente ou indiretamente, a interferência do homem sobre este ecossistema, se mostram as grandes responsáveis pela condição atual avaliada. Esta condição foi sendo gradualmente imposta pelo avanço das residências, liberação de esgoto e retirada da mata ciliar, junto com a agropecuária, que se mostra predominante em toda a bacia e contribui para a formação de grandes campos de monocultura, pastagem e consequentemente grandes latifúndios privados, que dificultam cada vez mais as perspectivas de preservação ambiental na região.

Figura 1

Localização da bacia do rio Sana e dos pontos de analise do estudo.

Figura 2

Apresentação do panorama dos pontos analisados em campo.

Tabela 1

Tabela com pontuação, soma total e avaliação quanto ao nível de alteração dos pontos analisados.

Considerações Finais

A partir do que foi exposto, percebemos que apesar do rio Sana estar inserido em uma APA, ele não está isento de agressões ambientais, sendo alvo da expansão agropecuária no interior do estado, sofrendo por consequência a devastação de sua vegetação nativa em detrimento a existência de uma fundação urbana. Com tudo isso e devido a sua grande importância para toda uma cadeia de produção econômica local, incluindo o turismo, a agropecuária e outros tipos de serviços, faz com que a manutenção de um bom programa de preservação seja essencial, a partir do que o PAR nos mostra, tendo como um dos pilares de planejamento, a adequação quanto a legislação ambiental vigente. Outro importante fator para que se chegue a um bom nível de preservação na bacia do rio Sana, é o valioso papel da população local, que não devendo se limitar somente para a não poluição dos recursos hídricos e a não degradação da vegetação nativa e marginal, mas também para a fiscalização e realização de ações e até possíveis denúncias e mobilizações, junto aos órgãos competentes e responsáveis pela região. Esta participação popular aliada a métodos como os protocolos de avaliação rápida tornam-se um grande aliado em defesa de todo o ecossistema existente na bacia, fazendo surgir cada vez mais propostas e resoluções para problemas ambientais existentes, melhorando gradualmente as condições da fauna e flora nativas, bem como da população residente.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pelos auxílios e bolsas concedidos.

Referências

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Callisto, M. et al. Aplicação de um protocolo de avaliação rápida da diversidade de hábitats em atividades de ensino e pesquisa (MG-RJ). Acta Limnologica Brasiliensia, v.34, n.1, p.91-98, 2002.

Epa. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Biological criteria for the protection of aquatic life. Columbus, Ohio: Division of Water Quality Monitoring Assessment., V.1-III, 1987. 120p.

Hannaford, M. J; BARBOUR, M. T.; RESH, V. H. Training reduces observer variability in visualbased assessments of stream habitat. Journal of the North American Benthological Society, v. 16, n. 4, p.853-60, 1997.

Rodrigues, A. S. L.; CASTRO, P. T. A. Protocolos de avaliação rápida: instrumentos complementares no monitoramento dos recursos hídricos. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 13, n. 1, 161-170, 2008.

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