Autores

Silveira, A. (CEETEPS) ; Maria Lupinacci da Cunha, C. (UNESP CAMPUS RIO CLARO)

Resumo

Fundamentado em Tricart (1977 e 1992), Ross (1990, 1994 e 2001) propôs a organização da Carta de Unidades de Fragilidade Potencial e Emergente, a partir da reunião das variáveis classes de declividade, densidade de drenagem e grau de entalhamento dos vales, tipos de solos e tipos de cobertura. O trabalho pretende identificar aspectos lito-estruturais para organização hierárquica do grau de fragilidade dos materiais rochosos. A área selecionada para a pesquisa corresponde à bacia hidrográfica do Córrego das Ondas, posicionada na borda nordeste da Unidade Geotectônica da Bacia Sedimentar do Paraná. Foram identificados afloramentos de duas diferentes fáceis da Formação Corumbataí, além de um corpo intrusivo em menor proporção. Pôde-se averiguar que a caracterização dos aspectos lito-estruturais tem papel relevante para a análise da fragilidade potencial e emergente da bacia do Córrego das Ondas.

Palavras chaves

grau de fragilidade do material rochoso; Formação Corumbataí; fragilidade potencial e emergente

Introdução

No final da década de 1970 e, mais especificamente, no Brasil, em 1977, foi publicada pelo IBGE a obra do geomorfólogo Jean Tricart, denominada por Ecodinâmica, que teve a proposta, no contexto da abordagem geográfica integrada, de analisar a natureza, mais especificamente o ecossistema, sob as interferências da sociedade. Sob influência de Tricart (1977 e 1992), com referência às análises morfodinâmicas ou ecodinâmicas, Ross (1990, 1994 e 2001) passou a desenvolver trabalhos que resultaram em proposições para análises geográficas integradas aplicadas ao planejamento territorial com vista à gestão ou gerenciamento ambiental. No ano de 1994, o autor publica um artigo intitulado como Análise Empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados. A análise da fragilidade proposta por Ross (1990, 1994 e 2001) vem a exigir levantamentos de campo, serviços de gabinete, a partir dos quais, em um primeiro momento, geram-se produtos cartográficos temáticos, denominados por produtos cartográficos intermediários, referentes à Geomorfologia, Geologia, Pedologia, Climatologia e Uso da Terra/Vegetação. Em uma fase posterior, tais informações são sintetizadas em um produto cartográfico de síntese, denominado por Carta de Unidades de Fragilidade Potenciais e Emergentes (ROSS, 1995). Assim, esse trabalho tem como objetivo caracterizar os aspectos geológicos de uma bacia hidrográfica em processo de urbanização, demonstrando a importância de tais aspectos para a análise da fragilidade potencial natural e emergente. A bacia hidrográfica do Córrego das Ondas, área selecionada para a pesquisa, é contribuinte da margem direita do rio Piracicaba, desembocando suas águas a aproximados 5 km a jusante do salto do rio Piracicaba, nível de base local constituído por afloramento de diabásio. Esta área de corredeira deu origem ao nome da cidade interiorana paulista “Piracicaba”, associada ao lugar “que não deixa o peixe passar”. Estabelecida entre as latitudes 22º38’30’’e 22º41’’30’’ S e as longitudes 47º41’15’’ e 47º43’30’’ W, a bacia do Córrego das Ondas, posiciona-se no setor noroeste do sítio urbano de Piracicaba.

Material e métodos

Para organização da Carta de Unidades de Fragilidade Potenciais e Emergentes, Ross (1994) propõe a reunião das variáveis classes de declividade, densidade de drenagem e grau de entalhamento dos vales, tipos de solos e tipos de cobertura (uso e ocupação da terra). Tais variáveis são organizadas em categorias hierárquicas e dispostas em quadros ilustrativos. Como exemplo, a classe de declividade < 3% é categorizada como “muito fraca” (ROSS, 1990, 1994 e 2001). Áreas com dimensão interfluvial > 3750 m e entalhamento do vale < 20m, são classificadas com fragilidade do relevo “muito fraca”. Já para os tipos de solos, por exemplo, os Podzolizados com cascalho, os Litólicos e as Areias quartizosas, são classificados com fragilidade “muito alta”. Por fim, também a título de exemplo, os tipos de cobertura como cerrado denso (capoeira densa), mata homogênea de pinus densa, pastagens cultivadas com baixo pisoteio de gado e cultivo de ciclo longo como o cacau, são classificados como grau de proteção “média” (ROSS, 1990, 1994 e 2001). Diante das variáveis ilustradas, o trabalho pretende, a partir dos dados adquiridos por meio de informações bibliográficas e de trabalhos em campo, organizar um quadro complementar que represente o grau de fragilidade do material rochoso. Dessa forma, tal informação se associaria as variáveis propostas por Ross (1990, 1994 e 2001). Para o levantamento dos dados geológicos, foram consultados os seguintes materiais cartográficos: IGG (1966), escala 1:100.000; IPT (1981), escala 1:500.000; Sepe (1990), escala 1:50.000, Souza (2002), escala 1:100.000, e principalmente IPT (1980), na escala 1:25.000. O documento cartográfico do IPT (1980) serviu como referência para a representação dos dados geológicos, sobretudo devido a sua escala. Os outros documentos tiveram contribuição na descrição das formações geológicas registradas na área de estudo, bem como para a análise da compatibilidade dos dados encontrados. Constatou-se que, embora existam diferenças de escala entre os trabalhos consultados, houve semelhança das formações geológicas mapeadas. Feita a etapa de aquisição de fontes de informações geológicas, foi realizada a etapa de pesquisa de campo para a aferição das diferentes litologias aflorantes. Nesta etapa de identificação foram observadas diferentes fácies da Formação Corumbataí (avermelhada e acinzentada), as quais não foram diferenciadas nos mapeamentos citados. Promoveu-se na sequência a transferência dos dados encontrados para a Base Cartográfica, escala de 1:10.000, no software AutoCAD Map (2004), com base no documento elaborado pelo IPT (1980) e nos registros de campo (para o limite das diferentes fácies da Formação Corumbataí), com auxílio do detalhe das curvas de nível e das fotografias aéreas.

Resultado e discussão

A partir de consultas aos documentos cartográficos do IGG (1966), IPT (1981), Sepe (1990), Souza (2002) e IPT (1980), associados às aferições em campo realizadas, foram identificadas e cartografadas as formações geológicas aflorantes na bacia do Córrego das Ondas, apresentadas na figura 1. Em termos geológicos, a área pesquisada situa-se na borda nordeste da Unidade Geotectônica da Bacia Sedimentar do Paraná, estabelecida a partir do Devoniano Inferior/Siluriano sobre a Plataforma Sul-Americana. Tal Bacia, com subsidência oscilatória por milhares de anos, acumulou grande espessura de sedimentos, lavas basálticas e sills de diabásio (IPT, 1981). Aflora na bacia do Córrego das Ondas (figura 1), predominantemente, litologia sedimentar Paleozóica do Grupo Passa Dois e, com pequena expressão, litologia magmática Mesozóica do Grupo São Bento. O Grupo Passa Dois se faz presente pela Formação Corumbataí, datada do Permiano Superior. Dominante na área de estudo, a Formação Corumbataí esta sobreposta concordantemente a Formação Iratí, apresentando em sua parte inferior, siltitos, argilitos e folhelhos cinzentos a roxo acinzentado. Segue-se uma sucessão de camadas siltosas, ritmicamente alternadas com lâminas ou delgadas camadas cuja litologia varia entre argilosa e arenosa fina, de coloração vermelha e roxa (IPT, 1981). Os sedimentos desta Formação constituem-se na matéria prima de diversas olarias e cerâmicas da região, assim como evidenciam ambientes marinhos costeiros pantanosos e eventualmente lacustres, que se formaram há aproximadamente 230 milhões de anos (PERINOTTO e ZAINE, 1996). Já o Grupo São Bento se faz presente na área de estudo a partir da Formação Serra Geral e Intrusivas Básicas Associadas, datadas do Jurássico. Tal formação é constituída de basaltos toleíticos entre os quais se intercalam arenitos da Formação Botucatu, associados a corpos intrusivos de mesma composição, constituindo, sobretudo, diques e sills de diabásio, respectivamente, em forma discordante e concordante em relação às camadas da rocha hospedeira (PERINOTTO e ZAINE, 1996). Os sills são muito frequentes na depressão periférica, enquanto os diques encontram-se por todo o Estado de São Paulo, penetrando nas rochas sedimentares da bacia ou nas cristalinas pré-cambrianas (IPT, 1981). Devido ao predomínio da Formação Corumbataí na área de estudo, pode-se identificar duas fáceis de diferentes características das rochas aflorantes (figura 1): - dominando grande extensão da área de estudo, aflora a Formação Corumbataí com coloração avermelhada, com materiais inconsolidados derivados predominantemente espessos, com restritos setores de materiais pouco espessos (foto 1). - na porção leste da bacia, na média e baixa bacia, a Formação Corumbataí aflorante tem coloração acinzentada, com material inconsolidado pouco espesso (foto 2); Também foi possível observar que o limite entre estas fácies aflorantes acinzentada e avermelhada aproxima-se da drenagem principal do Córrego das Ondas, em sua baixa e média bacia. Nesta porção da bacia, evidencia-se um lineamento da drenagem por meio de estrutura falhada. Tal lineamento inferido provavelmente é o condicionante responsável pela estrutura dissimétrica da bacia do Córrego das Ondas, a qual apresenta um número significativo de drenagens afluentes concentradas na margem oeste do curso principal. Também pode ser evidência de deslocamento de bloco, promovendo o afloramento das diferentes fácies da Formação Corumbataí (avermelhada e acinzentada). Em estudo sobre as fácies da Formação Corumbataí com vista ao emprego na indústria cerâmica da região de Rio Claro (SP), Christofoletti, Moreno e Batezelli (2006), a partir das investigações em cavas de retirada de argila, observaram feições estruturais com lineamentos de drenagens associados às zonas de falhas, que individualizaram blocos altos e baixos. Lembra-se que a área de estudo posiciona-se, respectivamente, a sul e a leste da Estrutura de Pitanga e Domo de Artemis. Souza (2002) observou que o padrão estrutural principal destas áreas é caracterizado por zonas de falhas de orientação preferencial NW-SE, que promoveram soerguimentos e abatimentos de blocos, dando origem a altos e baixos estruturais. Ao estudarem os diques clásticos na região de Piracicaba, Perinotto et al. (2008), defenderam a hipótese da origem sísmica para estas intrusões, que vieram a se encaixar na deposição do terço superior da Formação Corumbataí. Quando em formas concordantes, tais corpos intrusivos localizam-se comumente no contato basal das Formações Corumbataí, Iratí e Pirambóia (COTTAS, 1983). Tem relevância econômica para o setor da construção civil, sendo utilizado na fabricação do concreto, no substrato de pavimentação asfáltica, como lastro de ferrovias, nas calçadas portuguesas, entre outras (PERINOTTO e ZAINE, 1996). Nestes termos, o afloramento no norte da área de estudo do corpo intrusivo de diabásio da Formação Serra Geral (figura 1), bem como as características estruturais de entorno mencionadas, são indícios do componente tectônico no condicionamento da drenagem do Córrego das Ondas. Evidencia-se, portanto, um provável lineamento da drenagem por meio de estrutura falhada. É provável que tal lineamento inferido (figura 1) seja o condicionante responsável pela estrutura dissimétrica da bacia e também o responsável, mediante um deslocamento de bloco, pelo afloramento das diferentes fácies da Formação Corumbataí (avermelhada e acinzentada). Tais características litológicas aflorantes foram de suma importância para a identificação dos tipos de materiais inconsolidados, considerando que este material é produto da ação intempérica do material rochoso. A facie acinzentada da Formação Corumbataí gera materiais inconsolidados homogêneos, pouco espessos, de textura média arenosa a argilosa. Já a facie avermelhada gera materiais homogêneos e heterogêneos. Estes, posicionados no centro da média bacia, espessos e de textura média arenosa a muito argilosa. Diante, portanto, das características geológicas apresentadas, foi possível a organização do quadro 1, que estabeleceu a composição hierárquica do grau de fragilidade dos materiais rochosos encontrados na bacia do Córrego das Ondas.

Figura 1

Figura 1: Formações Geológicas da Bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP). Organização: Silveira (2012).

Foto 1

Foto 1: Formação Corumbataí de coloração avermelhada na média bacia oeste. Autor: Silveira (2012).

Foto 2

Foto 2: Formação Corumbataí de coloração acinzentada na média bacia leste. Autor: Silveira (2012).

Quadro 1

Quadro 1: Classificação da fragilidade das formações geológicas da bacia do Córrego das Ondas - Piracicaba (SP). Organização: Silveira (2013).

Considerações Finais

Foram identificadas duas fáceis da Formação Corumbataí. Na primeira, aflora a Formação Corumbataí com coloração avermelhada, com materiais inconsolidados derivados predominantemente espessos, de textura média arenosa a muito argilosa. Já a fácie de coloração acinzentada, apresenta material inconsolidado pouco espesso, de textura média arenosa a argilosa. Ao norte da bacia, foi registrado um corpo intrusivo da Formação Serra Geral, com material inconsolidado de textura média argilosa a argilosa. Pôde-se também notar indícios do componente tectônico no condicionamento da drenagem do Córrego das Ondas, com o registro do lineamento da drenagem por meio de estrutura falhada. O lineamento inferido pode ter sido o condicionante responsável pela estrutura dissimétrica da bacia e também o responsável, mediante um deslocamento de bloco, pelo afloramento das diferentes fácies da Formação Corumbataí. A proposta de Ross (1990, 1994 e 2001) não contemple a organização hierárquica do grau de fragilidade dos materiais rochosos. Porém, pôde-se averiguar, diante das características geológicas apresentadas, que tal variável é de suma importância para a análise da fragilidade potencial e emergente. Assim, as investigações bibliográficas, bem como os procedimentos de campo, foram relevantes para a organização do quadro 1, que representa a composição hierárquica do grau de fragilidade dos materiais rochosos da bacia do Córrego das Ondas.

Agradecimentos

Referências

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