Autores

Martins, T.D. (UFPR) ; Oka-fiori, C. (UFPR) ; Carvalho, B.V. (USP) ; Bateira, C.V. (UNIVERSIDADE DO PORTO) ; Montgomery, D.R. (UNIVERSITY OF WASHINGTON)

Resumo

A eficiência de dois Modelos Digitais de Terreno (MDT’s), sendo um basedo no LiDAR e outro em curvas de nível foram avaliados, preliminarmente, em mapeamento de áreas suscetíveis a escorregamentos. Para avaliar os MDT’s, fez- se uso do modelo em base física SHALSTAB. Os testes foram realizados em uma bacia hidrográfica afetada por escorregamentos rasos deflagrados após intensa precipitação, em março de 2011, na área urbana do município de Antonina (PR), na parte Sul da Serra do Mar. Os dados das propriedades físicas do solo necessários foram obtidos (literatura) no interior de uma das cicatrizes de escorregamento de 2011. No intuito de avaliar o mapa de suscetibilidade, foram comparados os padrões espaciais das classes de instabilidade previstas pelo SHALSTAB com o mapa de cicatrizes. Os resultados mostraram significante diferença entre os MDT’s, especialmente na distribuição da classe mais instável.

Palavras chaves

LiDAR; Escorregamentos Rasos; SHALSTAB

Introdução

Os movimentos de massa são ocorrências que, historicamente, são conhecidos por populações que vivem em áreas montanhosas, especialmente àquelas que durante o ano, registram um alto valor de precipitação pluvial. Suas ocorrências têm gerado desafios no sentido de entender a dinâmica dos eventos, bem como promover soluções adequadas de ocupação destas áreas no intuito de evitar que tais processos sejam fatais. No Brasil, trabalhos como de Meis; Silva (1968), Fúlfaro et al. (1976) e De Ploey; Cruz (1979), dentre outros, identificaram a Serra do Mar como um cenário de ocorrência de eventos desastrosos de movimentos de massa. Sepulveda; Petley (2015) ao analisarem padrões regionais e fatores controladores de escorregamentos que causaram mortes, verificaram que no Brasil, entre 2004 e 2013 ocorreram 119 escorregamentos resultando em 2.262 mortes. Diante disto, inúmeros esforços são realizados para compreender os mecanismos deflagradores do processo, buscando uma integração entre os fatores condicionantes do solo, da topografia, da morfometria do relevo e das drenagens, dos volumes de precipitação e do monitoramento hidrológico (FERNANDES et al., 2001). A partir da década de 1990, somando os avanços dos Sistemas de Informação Geográfica, métodos preditivos foram desenvolvidos no intuito de identificar a variação espacial da suscetibilidade a escorregamentos. Dentre eles, estão os que se apoiam em modelos matemáticos em bases físicas que, segundo Chorley, 1967 “são baseados nas noções matemáticas clássicas de relações exatamente previsíveis, entre variáveis independentes e dependentes” Um dos exemplos é SHALSTAB (Shallow Landsliding Stability Model), um modelo matemático em base física que calcula para cada unidade (célula) do terreno, em uma bacia hidrográfica, seu potencial de instabilidade baseando-se em parâmetros como as propriedades físicas do solo, fluxo d’água em subsuperfície e, destacadamente a topografia, que, por meio do Modelo Digital de Terreno (MDT), fornece os parâmetros de área de contribuição e ângulo das vertentes (Montgomery; Dietrich, 1994; Montgomery et al., 1998; Dietrich; Montgomery, 1998). Dentre os trabalhos usando esse modelo no Brasil, a exemplo de Guimaraes et al, (2003), Zaidan; Fernandes (2009); Listo; Vieira (2012), Vieira; Ramos (2015), foi feito uso de dados topográficos convencionais, como curvas de nível, para a construção do MDT. Todavia, diante da permanente introdução de distintas tecnologias que permitem aprimorar a aquisição de dados topográficos, como o LiDAR (Light Detection and Ranging), foi indagado qual tipo de dado (curvas de nível ou LiDAR) traria respostas mais eficientes quando aplicado ao modelo. Destarte, o objetivo desta pesquisa, ainda preliminar, foi o de avaliar a resposta do modelo SHALSTAB, na indicação de áreas suscetíveis a escorregamentos rasos para uma bacia hidrográfica, quando comparados dois distintos conjuntos de dados para a geração do MDT, sendo um, curvas de nível e outro, dados do LiDAR. A área selecionada para a realização desta pesquisa localiza-se no perímetro urbano do município de Antonina (PR), localmente denominada de Morro do Bom. A área foi afetada por diversos escorregamentos em 11 de março de 2011, deflagrados após um intenso período de precipitação pluvial, no qual foi registrado um valor de 98,6 mm para a data do evento, e com um acúmulo de 263 mm entre o período de 01/03/2011 a 11/03/2011, conforme os dados fornecidos pelo Sistema Meteorológico do Paraná (SIMEPAR).

Material e métodos

A seleção da área de estudo se deu devido a disponibilidade de dados, tanto cartográficos, quanto das propriedades físicas do solo e também diante a ocorrência de cicatrizes de escorregamento. Desta forma foi definida uma bacia hidrográfica (BH das Laranjeiras - BHL) localizada no Morro do Bom Brinquedo, município de Antonina/PR. Para a elaboração dos MDT’s foram considerados dois conjuntos de dados, cartográficos resultantes de levantamento em escala 1:2.000. O primeiro é composto de curvas de nível com equidistância de 1 metro (PMA, 2007); e o segundo, uma “nuvem de pontos” obtida de um sistema LiDAR aerotransportado, utilizando o equipamento OPTECH 2050. Para o processamento destes dados, e a elaboração dos MDT’s, fez uso do programa ArcGIS 10.3. No primeiro caso considerou-se a ferramenta Topo to Raster. Já para os dados LiDAR, esta versão do programa dispõe de uma ferramenta (Las Dataset to Raster) de conversão direta dos dados LiDAR (em extensão .las) para um arquivo de grade regular (raster). Neste último adotou-se o interpolador Natural Neigbhor. Os dados referentes as propriedades físicas do solo, como a massa específica, o ângulo de atrito (θ), coesão (c’) e também a profundidade (z), foram obtidas do trabalho realizado por Lopes (2013). Neste foram analisadas uma sequência de amostras coletadas no interior de uma das cicatrizes de escorregamento no Morro do Bom Brinquedo (em uma área contígua a BHL). Assim foram definidos os seguintes valores: 2,6 g/cm³; θ: 31°; c’: 0 Pascal; z: 1 metro. Posteriormente, para a aplicação do modelo fez-se uso de sua versão para o programa ArcView 3.3 (DIETRICH; MONTGOMERY, 1998). Os testes foram realizados tomando os mesmos valores referentes as propriedades físicas do solo e profundidade e variando a base de geração do MDT (curvas de nível e LiDAR). Desta forma gerados dois cenários que, comparados ao mapa de cicatrizes, elaborado de informações na literatura (MINEROPAR, 2013; MARTINS et al., 2015) e com visitas de campo. Assim obtiveram-se os índices de Concentração de Cicatrizes (CC) e o Potencial de Escorregamentos (PE), baseado na proposição de Gao, (1993) e, tendo sido aplicada com eficiência, em trabalhos como Guimarães et al. (2003) e Vieira; Ramos (2015), dentre outros. Para fins de realizar essas operações foi utilizada a ferramenta Map Algebra (ArcGIS 10.3). Finalmente foram analisadas as respostas do modelo em relação à origem dos dados do MDT, permitindo identificar o MDT com maior e menor potencial na definição das classes de instabilidades dadas pelo SHALSTAB.

Resultado e discussão

Os mapas de suscetibilidade a escorregamentos gerado pelo SHALSTAB, baseado nos dois distintos conjuntos de dados para a geração dos MDT’s, são apresentados na Figura 1. Usando o MDT-Curvas (Figura 1A) o modelo classificou 13% da bacia como Incondicionalmente Instável, 38% na classe Log q/T>-2,2 e 49% na Incondicionalmente Estável. As quatro classes intermediárias somadas registraram menos de 1%. A Concentração de Cicatrizes (CC) variou de 32% para a classe Incondicionalmente Instável até 66% para as duas classes mais estáveis. O Potencial de Escorregamento (PE) registrou 15% para a classe mais instável e 9% para as duas mais estáveis. AS quatro demais variaram de 4 a 12%. Considerando o MDT-LiDAR (Figura 1B), 16% da bacia foi classificada como Incondicionalmente Instável, e, aproximadamente 50% das cicatrizes (CC) ocorreram na mesma classe. Conjuntamente, as classes mais estáveis (Log q/T > -2.2 e Incondicionalmente Estável) registraram 84% de frequência e 50% das cicatrizes ficaram concentradas nestas duas classes. Valores nulos foram registrados em algumas das classes, considerando a frequência. Quanto ao PE, a classe Incondicionalmente Instável registrou 18%, e, das quatro classes intermediárias, apenas a Log q/T -3,1 _ -2,8 registrou algum valor (~15%). As duas classes mais estáveis (Log q/T > -2.2 e Incondicionalmente Estável) marcaram menos de 8% juntas. Baseado nos valores apresentados pelos dois MDT’s nota-se que o MDT-Curvas registrou valores para todas as sete classes, enquanto que o MDT-LiDAR mostrou valor nulo para algumas das classes intermediárias. Contrariamente, o MDT-LiDAR registrou os mais altos valores para o CC na classe mais instável. Em suma, o MDT-Curvas registrou menores valores para a classe Incondicionalmente Instável quando comparado ao outro MDT, e maiores valores para as duas classes mais estáveis, em CC. As quatro classes intermediárias não aparecem em ambos os mapas devido ao reduzido número de células nestas classes. Ambos os MDT’s registraram valores em PE (15% e 17%) para a classe Incondicionalmente Instável. A maior ocorrência desta classe se deu ao longo dos trechos médios e superiores das vertentes. É importante destacar que o MDT-Curvas suavizou as zonas de maior suscetibilidade, e o MDT-LiDAR aparentemente marcou melhor a área afetada pelo escorregamento. Este fato pode ser explicado devido ao período de coleta dos dados LiDAR, que se deu 2 anos após o evento, e alguma das cicatrizes ainda são visíveis. Os baixos valores, ou mesmo nulos, nas classes intermediárias em ambos MDT’s, podem ser explicados pela morfologia da vertente, que de acordo com a literatura (MINEROPAR, 2013) não são vertentes côncavas e, apresentando em algumas da BHL, feição convexa. O MDT gerado do LiDAR ainda carece de mais investigações, sobretudo no que se refere a sua eficiência na representação de uma superfície. Em destaque, o número de pontos por metro quadrado, no presente caso, diferiu imensamente da literatura. Após o processo de filtragem, obteve-se 0,06 pt/mt², sendo que em outros trabalhos (Bater; Coops 2009, Guo et al. 2010) os valores são de 2 pt/mt². Isto pode ser devido ao denso dossel vegetal, ou adoção de prévios critérios inadequados para a obtenção dos dados lidar, para conseguir uma alta densidade de pontos no terreno. O uso de MDT’s derivados do LiDAR tem sido amplamente discutido na literatura, e os resultados tendem a variar, especialmente, devido a densidade de pontos e a complexidade do terreno (LIU, 2008). Trabalhos prévios mencionam a precisão e acurácia dos pontos LiDAR, considerando o mesmo equipamento usado aqui, identificando um erro de 15 cm para a altimetria, sendo este mais sistemático sob densa vegetação (Becker; Centeno 2013). Portanto, como no caso de outros dados de sensores remotos, um MDT- LiDAR pode apresentar certas limitações em usos específicos, como modelagem hidrológica (BARBER; SHORTRIDGE 2005), ou, como apresentado aqui, no mapeamento de suscetibilidade a escorregamentos usando modelos de base física.

Figura 1

Mapa de Suscetibilidade a escorregamentos gerado pelo SHALSTAB para a Bacia Hidrográfica das Laranjeiras - BHL: A) MDT-Curvas e B) MDT-LiDAR.

Considerações Finais

No Brasil a maior parte dos movimentos de massa, especialmente os translacionais rasos que ocorrem na Serra do Mar, são deflagrados após períodos de intensa precipitação pluvial. Desde o início dos anos 2000, diferentes pesquisas vêm apresentando resultados eficientes na aplicação de modelos de base física, como o SHALSTAB, para identificar áreas potencialmente instáveis. Diante do avanço de ferramentas de coleta de dados topográficos, fundamental para a aplicação do modelo, faz-se mister analisar a influência dos dados topográficos, em especial da tecnologia LiDAR, na performance do modelo. Esta pesquisa identificou, preliminarmente, diferenças na resposta do SHALSTAB em relação ao MDT gerado a partir das curvas de nível e o derivado do LiDAR. Futuras investigações podem apontar melhores parâmetros para a coleta de dados LiDAR para a elaboração mais precisa de um modelo digital de representação do terreno. Além disso, o limite das cicatrizes pode ser novamente avaliado, incorporando ou não parte do setor de transporte, sobretudo nas áreas mais planas e consequentemente alterando a validação dos percentuais de áreas classificadas como cronicamente estáveis.

Agradecimentos

Os autores agradecem a CAPES (Processo BEX 5188/14-8) e a FAPESP (Processo 2014/10109-2) pela concessão de apoio financeiro para a pesquisa. E também a Harvey Greenberg e a DRª. Lopamudra Dasgupta do GIS Lab (Department of Earth and Spaces Sciences), Universidade de Washington, Seattle.

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