Autores

Figueiredo, M.S. (IFRJ) ; Rocha, T.B. (UERJ) ; Fernandez, G.B. (UFF)

Resumo

O litoral do estado do Rio de Janeiro é dominado por ondas e apresenta a predominância de barreiras arenosas ao longo de sua costa. Para a planície costeira da Massambaba indicadores morfológicos permitem a interpretação da gênese e evolução das feições, porém, lacunas ainda permanecem. O objetivo deste trabalho é caracterizar comportamentos distintos na evolução dos ambientes deposicionais na área e realizar um detalhamento das morfologias. Para isto foram realizados: a identificação das feições em planta, a construção de representações morfológicas (2D e 3D) e o mapeamento da arquitetura deposicional das feições. Os resultados apontaram diferenças ao longo da barreira costeira holocênica da Massambaba o que gerou três setores distintos. Portanto, mesmo com a formação das barreiras arenosas a partir de variações positivas do nível do mar, verificou-se a participação de outros processos, principalmente eólicos, na construção das morfologias ao longo da planície.

Palavras chaves

Barreira costeira; Holoceno; Radarfácies

Introdução

Barreiras arenosas costeiras são feições de aspecto alongado e estreito, compostas por areias ou outros sedimentos desprendidos que sofrem diretamente a ação de ondas, correntes, marés e ventos (Leatherman, 1988; Short, 1999). A evolução e a disposição em subsuperfície da arquitetura sedimentar das barreiras arenosas costeiras são marcadas por efeitos de flutuações no nível do mar, do gradiente do substrato de acomodação, do suprimento sedimentar, da ação de ondas, correntes e marés, da ação eólica, além da granulometria dos sedimentos, entre outros fatores (Roy et al, 1994; Dillenburg e Hesp, 2009). Desta forma são reconhecidos três modelos básicos de barreiras costeiras de acordo com sua evolução: as retrogradantes, as progradantes e as estacionárias. No caso do estado do Rio de Janeiro, cujo litoral se mostra francamente dominado pela ação das ondas incidentes, verifica-se a predominância de barreiras arenosas costeiras distribuídas ao longo do litoral. De fato, apesar da queda do nível do mar entre o máximo transgressivo e o presente (Angulo et al, 2006), este não foi suficiente para que se formassem feições associadas a características morfológicas regressivas ou progradantes no litoral fluminense. A origem das barreiras arenosas costeiras e sua tendência evolutiva no litoral do Rio de Janeiro foram discutidas nos trabalhos de Dias e Kjerfve (2009) e Fernandez (2008) que sugerem a formação de sistemas barreira-laguna para parte do litoral, como resposta a transgressão ocorrida desde o último pós-glacial (Angulo et al, 2006). Para a planície costeira da Massambaba, no trecho entre as cidades de Saquarema a Arraial do Cabo (Figura 1), existem feições associadas a episódios transgressivos, evidenciadas pelos sistemas barreira-laguna, mesmo com a atual tendência de diminuição do nível do mar a partir dos últimos 5.800 anos A. P. (Angulo et al. 2006). Destaca-se que o registro sedimentar em subsuperfície é desconhecido considerando os últimos trabalhos sobre a respectiva área, significando uma lacuna a ser investigada. Em outros trechos do litoral fluminense contribuições importantes foram dadas por diversos autores neste sentido, tais como Pereira et al. (2003), Silvestre (2013), Silva et al. (2014), entre outros. Outra questão pertinente a planície costeira da Massambaba refere-se à heterogeneidade das feições costeiras, sobretudo em relação a sua espacialização, distribuição e dimensões. Portanto, o objetivo deste trabalho é mapear indicadores de superfície e subsuperfície da barreira costeira holocênica da Massambaba, com o intuito de indentificar se existe em subsuperfície alguma resposta de progradação a condição de diminuição relativa do nível do mar e se no mesmo arco de praia, a barreira arenosa costeira pode apresentar arquitetura sedimentar e morfologias distintas.

Material e métodos

No intuito de identificar as características morfológicas da barreira costeira holocênica foram realizados alguns procedimentos. Inicialmente foi realizado o mapeamento geomorfológico da planície costeira sedimentar da Massambaba, confeccionado com o intuito de identificar as principais feições assim como os limites da barreira holocênica, feição de interesse principal deste trabalho. A legenda do mapeamento geomorfológico abrangeu as seguintes classes: Barreira interna (Pleistoceno), Barreira externa (Holoceno); Brejos, Esporão lagunar; Área antrópica indiscriminada, Área urbana/ocupada, Corpos d’água, Salinas. Foi também estabelecida uma simbologia para Ocorrência de leques de transposição e Retrabalhamento eólico nos locais em que estes foram identificados. Após a definição da legenda foi realizada a interpretação visual e a vetorização manual para delimitar as feições. Em seguida as classes foram validadas em campo. A partir do mapeamento geomorfológico foram estabelecidos os pontos de visita de campo, onde foram coletados dados de superfície, que consistem em dados de registro topográfico (bidimensional e tridimensional), e dados de subsuperfície, que consistem em dados sobre a arquitetura deposicional sedimentar. Foram confeccionados perfis topográficos transversais com a utilização de estação total, haste de suporte e prisma (Figura 8). Este equipamento agiliza a coleta de dados de distância vertical e horizontal com erros submétricos. Os dados tabelados foram plotados em gráficos bidimensionais no programa Grapher. Ainda em relação aos dados de superfície, foram realizadas representações morfológicas tridimensionais (Baptista et al, 2008) a partir do Differential Global Positioning System (DGPS). Os pontos adquiridos pelo DGPS TechGeo GTR G² (Figura 9) foram exportados através do software NovAtel CDU e processados através do software GTR Processor 2.8. Posteriormente foram trabalhados os devidos ajustes de tabulação através do programa Microsoft Office Excel 2007 e a correção ortométrica através do programa MapGeo 2010. Finalmente os dados ajustados foram inseridos no software Golden Surfer 8.0 para a confecção da representação morfológica tridimensional através da interpolação de pontos por meio Kriging bem como para a inserção das escalas de representação. A coleta de dados de subsuperfície se deu a partir do uso do Ground- Penetrating Radar (GPR) que funciona a partir de um sistema de antenas (transmissora e receptora) que emite ondas eletromagnéticas ao serem transportadas sobre um determinado ambiente (de forma transversal ou longitudinal a feição de interesse) e registram, por meio de um radargrama, reflexões e padrões de reflexão em resposta ao contraste das propriedades dielétricas entre diferentes camadas adjacentes (Van Dam, 2012). Tais refletores representam as estruturas internas da feição que é submetida a uma investigação com maior detalhamento. No presente trabalho o radar de penetração foi utilizado em diversos pontos ao longo da barreira holocênica, visando identificar a sua arquitetura deposicional em subsuperfície para dar maior capacidade de investigação as diversas feições geomorfológicas mapeadas na superfície da planície costeira da Massambaba.

Resultado e discussão

Os resultados evidenciaram nuances ao longo da barreira costeira holocênica da Massambaba e por isso serão apresentados em três setores: Setor Oeste, Setor Central e Setor Leste. O Setor Oeste (Figura 2) apresentou como características um sistema barreira-laguna (Figura 2A) com corpos lagunares estreitos e alongados no reverso da barreira costeira holocênica. Em relação aos dados topográficos bidimensionais (Figura 2B) o perfil referente ao Ponto 4 (localização na Figura 1) evidencia em sua morfologia uma área baixa aplainada no contato com o sistema lagunar mapeado, associada a terraço lagunar, e uma área com cotas mais altas no topo da barreira, associada a duna frontal. A representação morfológica tridimensional (Figura 2C), realizada no Ponto 1 (localização na Figura 1), revela que, no Setor Oeste, a barreira holocênica se apresenta de forma contínua e mais sujeita a efeito colisional do que a transposição de ondas em momentos de tempestade. Em relação a arquitetura deposicional (Figura 2D), realizada no Ponto 4 (localização na Figura 1) destacam-se as radarfácies associadas a retrabalhamento da margem lagunar (f4a e f4b) e radarfácies associadas ao desenvolvimento da duna frontal (f1a e f1b). A radarfácies f1b apresentou refletores planos a sinuosos, inclinados em direção ao oceano, sub-paralelos e contínuos e foi interpretada como refletor eólico de face de acresção. Refletores semelhantes foram descritos por Bristow et al (2000) e Bristow e Pucillo (2006), onde são associados ao aprisionamento de sedimentos pela vegetação na face da duna voltada para o mar. A radarfácies f1c se mostra bastante similar a f1b, apresenta como diferencial a inclinação em direção ao continente, e foi interpretada como refletor eólico de face de avalanche. Esta radarfácies foi previamente descrita (Bakker et al, 2012; Bristow et al, 2000) e é associada à face de sotavento de dunas frontais. A radarfácies f4a apresentou refletores planos, inclinados em direção ao continente, paralelos e contínuos e a radarfácies f4b apresentou refletores planos, inclinados em direção ao continente, sub-paralelos e contínuos. Ambas foram interpretadas como retrabalhamento da margem lagunar se diferenciando apenas pelo grau de inclinação. Refletores semelhantes foram descritos por Rocha et al (2013). O Setor Central (Figura 3) apresentou uma série de corpos lagunares que não se apresentam mais de forma alongada e passam a ser um sistema de corpos circulares individualizados (Figura 3A). Em relação aos dados topográficos bidimensionais (Figura 3B) o perfil referente ao Ponto 6 (localização na Figura 1) evidencia as cotas mais altas de toda a barreira e com morfologia associada ao desenvolvimento eólico. A representação morfológica tridimensional (Figura 3C) também revelou a ação eólica neste setor com a identificação de um corte eólico no local. Em relação à arquitetura deposicional (Figura 3D) foram identificados refletores praiais (f2) e eólicos (f1f). A radarfácies f1f apresenta um padrão caótico de refletores e é interpretada como retrabalhamento eólico sem maior detalhamento pela própria natureza do depósito. A radarfácies f2 apresenta refletores planos, horizontais ou inclinados em direção ao oceano, paralelos a sub-paralelos e contínuos. Esta radarfácies foi interpretada como berma e face praial. O fato de a cota em que os refletores definidos como pertencentes a uma radarfácies praial (f2) ser alta gerou dúvidas em relação à sua classificação. De fato, a sequência progradante poderia ser de origem eólica caracterizando uma série de foredune ridges. Porém, a dinâmica da praia intermediária chama atenção. A partir de uma série de monitoramentos realizados em perfis transversais à praia verificou-se uma alta variabilidade da cota da crista da berma. Esta variabilidade da cota da berma indica que, em um momento anterior de nível do mar mais alto, a própria ação das ondas seria capaz de construir esses registros. Por esta razão optou-se por interpretar os refletores progradantes neste perfil como referentes a berma e face praial. O Setor Leste (Figura 4) teve como característica o desaparecimento dos corpos lagunares no reverso da barreira holocênica (Figura 4A). Além disso, neste trecho existe uma área de ocorrência de leques de transposição sobre a barreira holocênica, o que ocorre apenas no Setor Leste da planície. Em relação aos dados topográficos bidimensionais (Figura 4B) o perfil referente ao Ponto 8 (localização na Figura 1) revelou cotas altas com morfologia associada ao desenvolvimento de dunas. A representação morfológica tridimensional (Figura 4C) mostrou que a barreira holocênica não é contínua, esta apresenta áreas mais altas associadas ao desenvolvimento de dunas frontais e áreas mais baixas que permitem a ultrapassagem de ondas de alta energia e a deposição de leques de transposição. Em relação à arquitetura deposicional (Figura 3D) foram identificados refletores praiais (f2) e eólicos (f1b, f1c e f1d). Neste perfil destaca-se um conjunto de refletores inclinado em direção ao continente (f1c), construídos provavelmente pela ação de ventos de sul/sudoeste, e outro conjunto de refletores inclinados em direção ao oceano (f1d), que evidenciam a importante participação de ventos de nordeste na construção das dunas, além da radarfácies f1e, foi interpretado como refletor eólico de face de migração, representando o deslocamento dos sedimentos na alteração da morfologia da duna que passou a apresentar formato semelhante ao de uma duna parabólica.

Figura 1

Mapa de localização da planície costeira da Massambaba com os pontos de coleta de dados de campo ao longo da praia atual.

Figura 2

(A) Mapeamento geomorfológico; (B) Perfil topográfico transversal; (C) Representação morfológica tridimensional; (D) Perfil de GPR interpretado.

Figura 3

(A) Mapeamento geomorfológico; (B) Perfil topográfico transversal; (C) Representação morfológica tridimensional; (D) Perfil de GPR interpretado.

Figura 4

(A) Mapeamento geomorfológico; (B) Perfil topográfico transversal; (C) Representação morfológica tridimensional; (D) Perfil de GPR interpretado.

Considerações Finais

A investigação das características geomorfológicas da barreira holocênica da Massambaba proporcionou a compreensão de alguns aspectos. A partir de diferentes metodologias de investigação em superfície e em subsuperfície foi possível detalhar três setores morfológicos: Setor Oeste, Setor Central e Setor Leste. No Setor Oeste foi identificado um sistema barreira-laguna, ação das ondas restrita à dinâmica praial e refletores que representam a duna frontal e o registro do retrabalhamento da margem lagunar. No Setor Central os corpos lagunares são circulares e individualizados, as cotas das barreiras são as mais altas, há cortes eólicos e refletores praiais e também eólicos, o que evidencia a eficácia da ação eólica nas feições. No Setor Leste a barreira holocênica aparece sujeita a processo de transposição de ondas e observa-se ainda a participação eólica na construção das dunas frontais. Estas são alimentadas pelos sedimentos depositados no pós-praia a partir da transposição das ondas (Fernandez, 2003). A arquitetura deposicional deste trecho mostrou um padrão bidirecional de registro eólico sobre berma e face praial. Assim, foi possível identificar que a barreira costeira holocênica da Massambaba apresenta setores distintos, com registro da participação expressiva dos processos eólicos na construção das morfologias ao longo da planície, registro ação lagunar do trecho oeste, e ação marinha na forma de transposição de ondas e depósito de leques no trecho leste da planície.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pelos equipamentos de aquisição de dados na chamada PROEQUIPAMENTOS (2012 – 2014) e pela concessão de bolsa de mestrado para Mariana Figueiredo (2013 – 2015). Os autores também agradecem ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pelas diárias das campanhas de coleta de dados em campo em diferentes ocasiões.

Referências

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