Autores

Santos, E.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA)

Resumo

Através da análise de imagens de satélite e dos registros de precipitação, buscou-se identificar as mudanças que ocorreram na morfologia da foz do Rio Tijucas e parte de sua praia adjacente de 2003 a 2015, averiguando se houve aumento ou diminuição da praia, devido à presença de uma comunidade beira-mar que por vezes é atingida pelas águas do mar, analisando os arranjos dos bancos de detritos da foz e verificando a influência dos eventos meteorológicos nestas variações da praia e da foz. Chegou-se a conclusão de que as elevadas precipitações possuem grande importância para a remodelagem da linha de costa, e que o desenvolvimento dos bancos na foz também está intimamente ligado aos eventos meteorológicos. Para um melhor entendimento da dinâmica local, recomenda-se realizar um estudo das correntes oceânicas locais e como elas atuam ao longo da costa tijuquense, pois além da comunidade estar situada em área de backshore, variações positivas e negativas estão ocorrendo na largura da praia.

Palavras chaves

Geomorfologia costeira; precipitação; risco costeiro

Introdução

A linha de costa está em constante transformação devido aos fatores naturais, como o clima e a circulação oceânica, além das intervenções antrópicas realizadas neste espaço, como ocupação e construção de estruturas hidroviárias (MUEHE, 1995). Tratando-se de um ambiente mutável e que apresenta uma considerável população estabelecida nestas áreas, como no Brasil, é de importância para a geomorfologia compreende-la e estudá-la, pois são muitos os registros de residências destruídas situadas próximas a linha de costa, além das constantes alterações na morfologia praial no decorrer dos anos. A geomorfologia costeira pode auxiliar na tomada de decisões e na obtenção de panoramas de como este ambiente costeiro pode sofrer com as oscilações climáticas e as alterações antrópicas e como isso pode afetar a população residente na zona costeira. Tendo como base este cenário, este trabalho tem como área de estudo a foz do Rio Tijucas e parte de sua praia adjacente, Pontal Norte, em Tijucas/Santa Catarina. A área de estudo está inserida na Baía de Tijucas, sendo esta uma zona costeira semi-abrigada, caracterizada principalmente pelo grande aporte e presença de sedimentos finos, como lamas fluidas, tornando-a diferente dos outros ambientes similares da mesma região (ALMEIDA, 2008; ASP et al., 2009). Enquanto a maioria dos litorais são densamente ocupados e valorizados pelo mercado imobiliário, na área de estudo deste trabalho há certa diferenciação, pois não há exploração do turismo de veraneio na praia do Pontal Norte, devido à presença de grande quantidade de sedimentos finos na praia, como lama. Há uma comunidade pobre neste litoral, principalmente nas proximidades da foz do rio e em área de backshore, considerada uma área de risco à ressaca marinha associada à maré alta (CPRM, 2014). Quanto ao risco de inundações costeiras, no início dos anos 2000 a prefeitura do município construiu um banco de areia (duna artificial) para conter o avanço do mar sobre as residências durante estes episódios. Em meados dos anos 2000, a prefeitura do município promoveu a fixação de vegetação sobre estes bancos de areia para evitar a destruição destes pelas ressacas (CPRM, 2014), mas o problema não foi totalmente solucionado. Rudorff et al.(2014) afirmam que as marés de tempestades têm gerado muitos prejuízos e transtornos para as comunidades costeiras catarinenses, sendo os municípios mais vulneráveis aqueles que apresentam intensa urbanização próximo à orla marítima. Desta forma, há uma importância crescente na identificação de áreas vulneráveis e suscetíveis aos eventos de maré de tempestade e à erosão, para fins de planejamento, gestão e mitigação destas áreas. Além das marés de tempestades, outros fenômenos podem atuar na transformação da zona costeira e principalmente da foz de rios, tanto direta como indiretamente, como a quantidade de precipitação e o padrão de circulação das correntes. Quanto a este último, não há estudos e dados significativos para a Baía de Tijucas (ALMEIDA, 2008). Tratando apenas da foz do Rio Tijucas pode-se encontrar no local barras, que são bancos de detritos carregados pelos cursos d'água e depositados na foz (GUERRA, 2008), que estão em constante mudança de acordo com as variações meteorológicas e oceanográficas. A existência de residências tão próximas destes bancos faz com que haja necessidade destes locais também serem estudados. Desta maneira, buscou-se identificar as mudanças que ocorreram na morfologia da foz do Rio Tijucas e parte de sua praia adjacente no período de 2003 a 2015, averiguar se houve aumento ou diminuição da praia, analisar os arranjos dos bancos de detritos da foz neste período e verificar a influência dos eventos meteorológicos nestas variações.

Material e métodos

O trecho da Baía de Tijucas escolhido para ser a área de estudo é representado pela foz do Rio Tijucas e parte da sua praia adjacente, Pontal Norte. Apenas parte da praia que possui habitações beira-mar e áreas que futuramente possam ser ocupadas foram consideradas aqui. Para a realização deste trabalho utilizou-se imagens de satélite gratuitas obtidas do Google Earth, dos anos de novembro/2003, junho/2005, junho/2009, outubro/2011, junho/2012, março/2014, outubro/2014 e fevereiro/2015. Como o município de Tijucas não possui uma estação pluviométrica ativa, utilizou-se os dados pluviométricos do município vizinho, Governador Celso Ramos (estação 02748019; abril/1976 a outubro/2015), disponibilizados pelo HidroWeb da Agência Nacional de Águas. Os dados de previsões de marés foram obtidos da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) - Marinha do Brasil, para o município de Florianópolis, já que Tijucas não possui um marégrafo. Os registros de maré disponíveis são a partir de 2005. As cartas sinóticas também foram obtidas da DHN - Serviço Meteorológico Marinho, com registros a partir de 2006. As imagens de satélite foram georreferenciadas, interpretadas e vetorizadas no software livre Quantum GIS 1.8.0. Algumas das imagens apresentavam ruídos atmosféricos (nuvens) ou faixas imageadas defeituosas, por isso alguns trechos da vetorização ficaram incompletos (nov/2003, jun/2012 e mar/2014). Constatou-se que os valores das marés previstas não foram relevantes, não trazendo um falso resultado na questão da variação da linha de costa. Posteriormente, as vetorizações foram sobrepostas para verificação da variação da linha de costa. Com base na sobreposição das vetorizações, dividiu-se a área estudada em quatro setores (S1, S2, S3, S4 - de norte para sul, respectivamente). A precipitação média anual para a estação pluviométrica utilizada foi calculada com base no registro de 30 anos de precipitação, de 1980 a 2010, resultando em um valor em torno de 1600mm. A evolução da linha da praia foi feita através da comparação entre os anos trabalhados por setor, posteriormente comparou-se com as precipitações anuais dos anos referentes às imagens. As variações na foz do Rio Tijucas foram associadas à quantidade de precipitação acumulada de dois até seis meses anteriores ao registro da imagem de satélite. Escolheu-se este período com base na verificação de mudanças dos bancos de sedimentos da foz através das imagens de satélite. Fez-se uma coleção de mapas das alterações ocorridas na foz do rio (representado pelo setor 3 - S3) para melhor visualizar cada ano separadamente. Também se fez uma coleção de mapas para a parte norte do S3, onde foi considerado o crescimento da vegetação sobre as dunas artificiais e a praia.

Resultado e discussão

Com base nas vetorizações da evolução da linha de costa, foi possível identificar setores que diminuíram e outros que aumentaram a largura da praia (figura 1). A faixa praial do setor 1 (S1) aumentou sua largura durante o período analisando. Durante esta transição houve um aumento abrupto no S1 entre 2009 e 2011. Depois de 2011 a largura da praia neste setor manteve-se estável. Já o setor 2 (S2) sofreu uma diminuição da sua largura, destacando-se novamente uma transição abrupta, mas de saldo negativo, entre os anos de 2009 e 2011. No setor 3 (S3), caracterizado pela foz do Rio Tijucas, houve um aumento tanto da largura praial quanto da extensão dos bancos situados na foz. Diferentemente dos setores anteriores, a transição abrupta relativa ao aumento da largura da praia e dos bancos deu-se entre 2005 e 2009. Mais adiante, retoma-se este setor para tratar das características da foz. Já o setor 4 (S4) manteve-se relativamente estável na área mais ao sul durante o período analisado. Destaca-se para a porção norte do S4 uma redução da largura da praia, com uma mudança abrupta entre 2005 e 2009. Os anos de 2009 a 2012 foram marcados por precipitações com até 1000mm acima da média anual, que é de 1600mm para a estação pluviométrica utilizada, lembrando que no ano de 2008 registrou-se altos valores de precipitação em grande parte de Santa Catarina, e no caso mais de 3000mm em Governador Celso Ramos. Estes períodos de precipitação acima da média coincidem com os anos em que houve mudanças abrutas da linha de costa, os quais foram citados anteriormente. Tal fato pode estar relacionado às características da precipitação, como ser um sistema estacionário ou frontal, havendo uma agitação do mar, o que aumenta seu poder erosivo e de transporte. Outra possibilidade é o maior fluxo do rio gerar um molhe hidráulico, o que acaba alterando a atuação das correntes oceânicas locais, promovendo uma alteração no transporte de sedimentos ao longo da costa. Quanto aos bancos de sedimentos (figura 2), em 2003 a foz do Rio Tijucas encontrava-se parcialmente obstruída pelos bancos e uma parte apresentava-se erodida. Esta erosão é um resquício do evento de ressaca marinha que ocorreu em maio/2003, onde diversas residências foram afetadas. A precipitação para 2003 foi uma das menores registrada dentre os anos aqui trabalhados, tanto o acumulado anual, quanto os seis meses anteriores ao registro da imagem. Além de 2003, no ano de 2012 também se verificou um estreitamento relevante da foz pelos sedimentos dos bancos. Diferentemente de novembro/2003, a precipitação referente a 2012 só foi menor três meses antes do registro da imagem. O estreitamento da foz em ambos os casos provavelmente está relacionado à menor descarga fluvial, o que possibilitou o mar atuar com maior poder na remodelagem dos bancos da foz. Já os anos que registraram maior precipitação acumulada de três meses a um ano anteriores ao registro das imagens foram 2005, 2009 e 2011. Nestes anos a foz encontrava-se mais aberta, quando comparada com os anos de 2003 e 2012. Já para os anos de março/2014, outubro/2014 e 2015, onde a precipitação esteve próxima da média, os bancos de sedimentos na foz puderam se desenvolver mais em direção ao oceano, formando feições como barras e esporões. Deve-se destacar na porção norte do S3, onde se encontram diversas residências beira-mar, o aumento de vegetação sobre as dunas artificiais e sobre a praia (figura 3). A promoção do estabelecimento de vegetação sobre as dunas deu-se a partir da necessidade de evitar a erosão destas pelo mar (figura 4), consequentemente evitando que este último pudesse atingir as residências próximas. Visto que houve um aumento da largura da praia, o crescimento da vegetação pode ter promovido a fixação dos sedimentos, diminuindo o poder erosivo do mar. Esta vegetação sobre as dunas tornou-se de extrema importância para a proteção da comunidade local, pois áreas que ainda não haviam vegetação eram atingidas pelas ressacas. Lembrando que esta comunidade beira-mar está situada em área de backshore, é importante levar em consideração todas as alterações que estão ocorrendo ao longo da praia no decorrer dos anos e principalmente compreender como os eventos meteorológicos e as mudanças climáticas podem afetar atualmente e futuramente os moradores locais. A construção das dunas artificiais e a promoção de fixação de vegetação sobre estas foram importantes para manter a proteção da comunidade, mas apesar disso devesse compreender que esta foi uma alteração no ambiente, pois o estabelecimento de uma duna aonde não havia vai provocar no ambiente um desequilíbrio, que será corrigido pela própria natureza ao longo dos anos, mas que pode gerar prejuízo econômico e social para Tijucas.

Figura 1

Evolução da linha de costa 2003 a 2015 e divisão da área de estudo em quatro setores.

Figura 2

Evolução da foz do Rio Tijucas e seus bancos de detritos de 2003 a 2015.

Figura 3

Avanço da vegetação sobre as dunas artificiais e a praia Pontal Norte, Tijucas.

Figura 4

Dunas artificiais na praia de Tijucas. A-2003. B-2007. C-2009. D-2015.

Considerações Finais

Durante o desenvolvimento deste trabalho constatou-se que houve aumento da largura da praia nos setores 1 e 3, diminuição no setor 2, e houve mudanças penas em parte do setor 4. Comparando as imagens de junho/2005 e fevereiro/2015, houve um aumento de aproximadamente 3,5ha no setor 1 e 2,8ha no setor 3. No setor 2 houve diminuição de 2,8ha. Destaca-se o crescimento/diminuição abrupto ocorrido entre os anos 2005 e 2011 que são coincidentes com os anos com precipitação acima da média. Esta precipitação acima da média e as mudanças abruptas ao longo da faixa praial podem estar relacionadas com as características da chuva e sua influência na energia do mar. Deve-se considerar também uma maior descarga fluvial e o seu efeito como um molhe hidráulico. O tamanho e a disposição dos bancos de detritos da foz estão condicionados principalmente pelos eventos meteorológicos, pois nos períodos analisados os anos que foram menos chuvosos houve obstrução parcial da foz do Rio Tijucas, pois essa redução na precipitação possibilitou a maior atuação das componentes oceânicas atuarem na remodelagem da foz devido à menor descarga do rio. Além disso, estes bancos se desenvolveram mais em direção ao mar quando as precipitações estiveram próximas da média. Para trabalhos futuros recomenda-se conhecer a circulação oceânica local e como esta pode afetar na morfologia da costa tijuquense, pois a razão da praia aumentar ou diminuir em alguns setores poderia ser mais bem compreendida com estes dados.

Agradecimentos

Referências

ALMEIDA, Dermeval Costa de. Diagnóstico da distribuição de sedimentos finos e processos físicos associados na Baía de Tijucas. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia Ambiental) Centro de Ciências Tecnológicas, da Terra e do Mar - Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí, 2008. 85p.
ASP, N. E.; SIEGLE, E.; SCHETTINI, C. A.F.; LOSSO, A. P.; KLEIN, A. H. D. F. Geologia e hipsometria de bacias de drenagem do centro-norte catarinense (Brasil): implicações para a zona costeira. Quaternary and Environmental Geosciences (2009) 01(2):98-108.
CPRM - Serviço Geológico do Brasil. Ação emergencial para reconhecimento de áreas de alto e muito alto risco a movimentos de massa e enchentes - Tijucas, SC. Localização: Bairro da Praça. Maio, 2014. Disponível em <http://www.tijucas.sc.gov.br/conteudo/paginas/59/sctijsr03cprm.pdf> Acessado em julho/2015.
MUEHE, Dieter. Geomorfologia Costeira. Capítulo 6. p. 253-303. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da (orgs.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
GUERRA, Antônio Teixeira; GUERRA, Antonio José Teixeira (orgs.). Novo dicionário geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
RUDORFF, F. D. M.; BONETTI FILHO, J.; MORENO, D. A.; OLIVEIRA, C. A. F.; MURARA, P. G. Maré de tempestade. Capítulo 12. p.151-154. In: HERRMANN, Maria Lúcia de Paula (Org.). Atlas de desastres naturais do estado de Santa Catarina. Florianópolis, SC. SEA/DGED: 2014.