Autores

Lima, L.P. (UFS) ; Araújo, H.M. (UFS) ; Macedo, H.S. (UFS) ; Santos, A. (UFS) ; Campos, I.M. (UFS)

Resumo

O mapeamento geomorfológico é um instrumento técnico-científico imprescindível para a representação, espacialização e leitura da estrutura, forma e dinâmica do relevo. No contexto do ordenamento territorial ambiental, as formas e processos geomorfológicos são importantes por constituírem o substrato físico sobre o qual se desenvolvem as atividades humanas. O objetivo deste trabalho é mapear e analisar a compartimentação geomorfológica da bacia hidrográfica do Rio Betume. Os procedimentos metodológicos para o desenvolvimento do trabalho foram: revisão bibliográfica, levantamento cartográfico e seleção de dados, elaboração de mapa geomorfológico síntese e análise do mapeamento geomorfológico e sua correlação com o planejamento ambiental. A área de estudo compreende a sub-bacia hidrográfica do rio Betume, inserida em parcelas de seis municípios do estado de Sergipe, abrangendo feições geomorfológicas de Planícies e Planaltos Costeiros.

Palavras chaves

Geomorfologia ; Cartografia; Ordenamento Territorial

Introdução

A análise das formas de relevo levando em consideração os processos, tanto atuais como pretéritos, que presidiram à sua gênese, é escopo da pesquisa geomorfológica. Enquanto elemento cartografável, o relevo apresenta diferentes tamanhos e morfologias, cuja representação depende da escala de análise. Constitui um testemunho complexo de processos passados e presentes, endógenos e exógenos, que condicionam, juntamente com outros componentes ambientais, fragilidades e potencialidades do modelado terrestre enquanto suporte ambiental às ocupações e atividades humanas. O mapeamento geomorfológico é um instrumento técnico-científico imprescindível para a representação, espacialização e leitura da estrutura, forma e dinâmica do relevo (IBGE, 2009). No contexto do ordenamento territorial ambiental, as formas e processos geomorfológicos são importantes, já que nos permitem obter informação sobre as potencialidades e eventuais restrições à ocupação de uma determinada área, considerando a sua suscetibilidade e vulnerabilidade no contexto dos riscos (Santos et al., 2006). Em áreas de maior instabilidade pela sua dinâmica caraterística, designadamente em ambientes costeiros, é necessária uma preocupação acrescida com o uso e ocupação do solo, desenvolvendo-se estudos que integrem um plano de ordenamento territorial sustentável. O objetivo deste trabalho consiste em mapear e analisar a compartimentação geomorfológica da sub-bacia hidrográfica do Rio Betume e ressaltar a importância da cartografia do relevo para o planejamento e ordenamento territorial.

Material e métodos

O desenvolvimento do trabalho deu-se em quatro etapas. A primeira consistiu na revisão bibliográfica, em livros, artigos, periódicos, dissertações e teses de autores que discutem e aplicam a cartografia geomorfológica. Na segunda etapa foram feitos levantamentos cartográficos e selecionados os dados a utilizar, designadamente: bases cartográficas da Superintendência de Recursos Hídricos de Sergipe (SRH) e do Serviço Geológico do Brasil (CPRM); imagem do projeto Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) SC-24-Z-B, na escala 1:250.000. No terceiro momento procedeu-se à elaboração do mapa geomorfológico síntese utilizando ferramentas dos Sistemas de Informação Geográfica ArcGIS 10 e Quantum GIS 2.6. Salienta-se que na produção deste mapa foram considerados aspectos ligados à morfoestrutura, enquanto compartimento do relevo determinado por interferências litológicas, assim como as morfoesculturas definidas como formas de relevo que se originam a partir de processos erosivos e deposicionais (Jatobá e Lins, 2008). A relação morfoestrutura/morfoescultura é tratada por Ross (1992) de forma hierárquica, dividindo o relevo em seis táxons: Unidades Morfoestruturais, Unidades Morfoesculturais, Unidades Morfológicas, Tipos de Formas de Relevo, Tipos de Vertentes e Formas de Processos Atuais. Devido à escala de trabalho, foram considerados apenas os quatro primeiros táxons. A quarta e última etapa consistiu na análise do mapeamento geomorfológico e do uso e ocupação do solo correlacionando com o planejamento ambiental. “A preocupação é dar direção a uma geomorfologia que tem suas bases conceituais nas ciências da terra, mas fortes vínculos com as ciências humanas, à medida que pode servir como suporte para entendimento dos ambientes naturais, onde as sociedades humanas se estruturam, extraem os recursos para sobrevivência e organizam o espaço físico-territorial” (Ross, 1992 p. 17).

Resultado e discussão

Localização da área de estudo A área que compreende a sub-bacia do rio Betume (Figura 1) está inserida na zona costeira norte de Sergipe, abrangendo parcelas de seis municípios (Pirambu, Pacatuba, Japoatã, Japaratuba, Ilha das Flores e Neópolis). O rio principal, que dá nome à sub-bacia, nasce ao norte do município de Pirambu, na divisa deste com Japaratuba e segue atravessando o município de Pacatuba até ao rio São Francisco, do qual é afluente da margem direita, no município de Neópolis. Compartimentação Geomorfológica Tomando como base a proposta metodológica de Ross (1992), as relações taxonômicas entre as feições geomorfológicas da área de estudo foram compartimentadas em quatro táxons. O primeiro, Bacia Sedimentar Sergipe- Alagoas, corresponde à Unidade Morfoestrutural que sustenta as formas de relevo. As Unidades Morfoesculturais, Planalto Costeiro e Planície Costeira, resultantes da ação climática ao longo do tempo geológico, constituem o segundo táxon. O terceiro corresponde às Unidades Morfológicas distinguidas pelas diferenças na topografia e dissecação. Na sub-bacia do rio Betume essas unidades são os Tabuleiros Costeiros Dissecados e a Planície Costeira Norte de Sergipe. O quarto táxon, Tipos de Formas de Relevo, corresponde às feições de acumulação e erosão presentes nas Unidades Morfológicas. Para a área de estudo foram considerados: superfície tabular com escarpas erosivas, superfície de colinas amplas e suaves, terraços marinhos, planície fluviolagunar, planície de pântanos e mangues, campos de dunas e leques aluviais coalescentes (Figura 2). A configuração geomorfológica da sub-bacia do rio Betume reflete a influência de processos deposicionais ‘Terciários’, as mudanças relativas do nível do mar durante o Quaternário e a dinâmica costeira atual. As formas de relevo desenvolvidas na área de estudo estão inseridas nas Formações Superficiais Continentais Cenozóicas, com exceção de pontuais afloramentos rochosos cretácicos da Formação Riachuelo, capeados por sedimentos do Grupo Barreiras na secção nordeste da sub-bacia. As Formações Superficiais Continentais Cenozóicas encontram-se representadas pelas litologias do Grupo Barreiras e pelas coberturas plio-pleistocênicas. No Plioceno, ultima época do Neogeno, foi depositada por sistemas fluviais uma cobertura sedimentar continental composta por três unidades de fácies conglomerática, arenosa e pelítica, denominado Grupo Barreiras. Estes sedimentos terrígenos têm grande ocorrência no litoral brasileiro e ocupam uma porção significativa da sub-bacia em análise. A dissecação pós-Barreiras ocorreu nas fases erosivas durante o Quaternário, resultando em modelados de topos planos e encostas íngremes, os Tabuleiros Costeiros (CPRM, 2003; Alves, 2010). A porção dos Tabuleiros Costeiros inserida na área de estudo compreende sedimentos do Grupo Barreiras, pouco a moderadamente consolidados e associados a um relevo aplainado de suaves ondulações, cujas cotas variam de 20 a 50 metros e definem escarpas erosivas de paleofalésias. As superfícies de colinas amplas e suaves que ocorrem dentro desta unidade geomorfológica referem-se a sequências sedimentares Mesozoicas clastocarbonáticas da Formação Riachuelo, membros Taquari-Maruim, recorbertos por sedimentos do Grupo Barreiras (CPRM, 2003). Bittencourt et al. (1983) descrevem a evolução paleogeográfica quaternária da costa de Sergipe em seis eventos, que explicam o mecanismo de sedimentação das coberturas superficiais plio-pleistocênicas. Segundo os autores referidos, ocorreram três grandes episódios transgressivos (Transgressão mais Antiga, Penúltima Trangressão e Última Transgressão) com predomínio de processos erosivos, trabalhando e retrabalhando feições formadas em períodos anteriores, intercalados por três eventos regressivos onde predominaram os processos de agradação. Adaptado de Bittencourt et al. (1983), Alves (2010) e CPRM (2003), o quadro 1 apresenta a compartimentação e descrição das feições das coberturas superficiais continentais quaternárias encontradas na Planície Costeira da sub-bacia hidrográfica do rio Betume. A bacia hidrográfica do Rio Betume possui uma geomorfologia desenvolvida em coberturas sedimentares recentes, portanto ainda inconsolidadas ou pouco consolidadas, o que confere uma estrutura frágil com capacidade de suporte limitada às ocupações e atividades humanas. A área de estudo possui potencialidades ambientais significativas advindas da sua estrutura. Mais de 90% da sua extensão situa-se sobre um dominio hidrogeológico granular formando um aquífero do tipo poroso com potencial médio a alto. Nos depósitos fluvio-lagunares desenvolveu-se o “pantanal” de Pacatuba (Figura 03), que abriga uma fauna e flora peculiar no estado de Sergipe. É salutar, então, que haja a preocupação com o uso e ocupação do solo atual e futuro para a sub-bacia e adjacências.

Figura 01

Localização da Área de Estudo.

Figura 02

Feições Geomorfológicas da Bacia Hidrográfica do Rio Betume.

Quadro 01

Compartimentação das Coberturas Superficiais Quaternárias da área de estudo.

Figura 03

Trecho do Rio Betume no muncípio de Pacatuba.

Considerações Finais

O mapeamento geomorfológico se constitui como uma ferramenta importante para o planejamento e ordenamento territorial na medida em que, permitindo espacializar as feições resultantes de processos atuais e pretéritos, fornece dados que permitem avaliar a sua capacidade de suporte às atividades humanas já efetivas e futuras. Na sub-bacia do rio Betume os usos e atividades antrópicas predominantes são: pastagem, cultivos agrícolas e a pesca. Além dessas atividades destaca-se também sobre a planície fluviolagunar o trecho urbano do município de Pacatuba, contendo toda a dinâmica inerente a esse tipo de ocupação. É importante salientar, o interesse turístico crescente principalmente para a área do “pantanal” na planicie fluviolagunar do rio principal. Estes usos têm exercido pressão crescente sobre o ambiente. Tratando-se de uma estrutura frágil e com grande potencial ecológico, é necessário o desenvolvimento de estudos que possibilitem a criação de um plano de ordenamento territorial para a sub-bacia. A cartografia e compartimentação do relevo desenvolvidos neste trabalho podem servir de suporte a formulações e proposições que visem o equilíbrio entre os interesses socioeconômicos e a conservação do ambiente.

Agradecimentos

Referências

ALVES, N. M. S. Análise Geoambiental e Socioeconômica dos municípios costeiros do Litoral Norte do estado de Sergipe: diagnóstico como subsídio ao ordenamento e gestão do território. 320 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão. 2010.

BITTENCOURT, A. C. S. P.; MARTIN, L.; DOMINGUEZ, J. M. L. Evolução Paleogeográfica Quaternária da Costa do Estado de Sergipe e Costa Sul do Estado de Alagoas. Revista Brasileira de Geociências, v.13, p.93-97, 1983.

CPRM – Serviço Geológico do Brasil – Geologia do Estado de Sergipe. Brasília, 61p. 2003.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Manual Técnico de Geomorfologia. 2° edição. Rio de Janeiro, 175p. 2009.

JATOBÁ, L.; LINS, R. C. Introdução à Geomorfologia. Recife: Edições Bagaço, 2008.

ROSS, J. L. S. Ecogeografia do Brasil: subsídios para o planejamento ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2006.

ROSS, J. L. S. O Registro Cartográfico dos Fatos Geomórficos e a Questão da Taxonomia do Relevo. Revista do Departamento de Geografia – FFLCH-USP, v.6, p.17-29, 1992.

SANTOS, L.; OKA-FIORI, C.; CANALI, L.; FIORI, A.; SILVEIRA, C.; SILVA, J.; ROSS, J. Mapeamento geomorfológico do Estado do Paraná. Revista Brasileira de Geomorfologia, v.2, p.3-12, 2006.