Autores

Ferreira Maganhotto, R. (UNICENTRO) ; Calderari de Oliveira Junior, J. (UTFPR) ; de Paula Souza, L.C. (UFPR) ; Lohmann, M. (UEL)

Resumo

As unidades de conservação (UC) são constituídas em espaços territoriais que possuam grande relevância para o patrimônio biológico e ecossistemas, garantindo também que as populações tradicionais façam uso racional e sustentável dos seus recursos. Para que o manejo e conservação sejam efetivamente alcançados, se faz necessário um estudo e classificação das áreas segundo sua fragilidade ambiental e, neste sentido, uma análise da geomorfologia é indispensável. Com o objetivo de estabelecer um plano de manejo para a Reserva Biológica das Araucárias, o presente trabalho utilizou alguns índices de representação do relevo (IRR) a fim de analisar a geomorfologia de forma quantitativa e menos subjetiva possível, permitindo que a mesma metodologia seja empregada em outras UC.

Palavras chaves

Geomorfometria; Pedometria; Planejamento Ambiental

Introdução

A crescente demanda pela produção de alimentos e valorização da terra têm promovido o avanço de áreas agrícolas sobre resquícios de matas ciliares e a supressão da fauna e flora local. Diante deste cenário, as áreas que possuem grande relevância para o patrimônio biológico e representam importantes ecossistemas a nível nacional, são passíveis de proteção, regulamentada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criada no ano de 2000 (MAGANHOTTO et al., 2013). As Unidades de Conservação (UC) regulamentadas pelo SNUC podem ser utilizadas de forma racional e sustentável pelos povos tradicionais da região. A intensidade com que essas áreas podem ser utilizadas dependem da sua classificação, que podem ser: i) Unidade de Proteção Integral – de uso mais restritivo, permite apenas o uso indireto dos recursos (recreação, turismo ecológico, pesquisa científica, etc.) e, ii) Unidades de Uso Sustentável – são menos restritivos, permitem o uso dos recursos naturais desde que a natureza não seja prejudicada, com extrações esporádicas. Para que as unidades sejam efetivamente conservadas, se faz necessário o zoneamento do território de acordo com sua suscetibilidade ambiental, entendida neste trabalho como sendo suscetibilidade ao processo erosivo vinculado ao escoamento superficial e a sedimentação provocada por ele. Um aspecto importante a se considerar, que guarda grande relação com a biodiversidade e imprime grande restrição ao uso da área é a geomorfologia que, por sua vez,está intimamente ligada a variação de solos. Entretanto, a análise da geomorfologia pode variar conforme a profissional que está realizando o zoneamento, bem como da experiência profissional e formação de cada indivíduo (HUDSON, 1992). Uma forma de minimizar a subjetividade se dá pela quantificação dos aspectos morfológicos, pelo conjunto de técnicas que compõem a geomorfometria (SILVEIRA e SILVEIRA, 2013). A quantificação de aspectos geomorfológicos pode partir de um modelo digital do terreno (MDT). Os índices de representação do relevo (IRR), por sua vez, utilizam o MDT para analisar a situação do pixel em relação aos vizinhos. Segundo Maganhotto et al. (2013), os IRR que melhor representam a suscetilibilidade ambiental são: i) Altitude em Relação ao Canal de Drenagem (Altitude Above Channel Network – AACN), ii) Potencial de Erosão e Sedimentação (Multiresolution Index of Valley Bottom Flatness – MRVBF), iii) Declividade (Slope), iv) Relação do Comprimento de Rampa e Declividade (LS) e, v) Índice de Umidade (Topographic Wetness Index – TWI). O Slope guarda relação com a capacidade que água tem de infiltrar pelo perfil de solo (PRATES et al. 2012), ou seja, quanto maior a declividade, menor a quantidade de água que infiltra no solo e maior o volume que escorre superficialmente. Já o índice LS considera, além da declividade, o comprimento da rampa, simulando a energia com que a água de escorrimento superficial pode atingir no local em questão, predizendo de forma mais confiável o potencial de erosão (MOORE et al., 1993). Moore et al. (1993), Mckenzie e Gallant (2007) observaram que, para o índice MRVBF, valores abaixo de 5 indicaram áreas em que o processo erosivo é mais atuante, ao passo que valores acima de 5 o processo predominante é de sedimentação. Prates et al. (2012) e Oliveira Junior et al. (2014) observaram que este índice também pode indicar a presença de solos hidromórficos, com deficiência de drenagem. O índice TWI sugere áreas em que fluxo de água são convergentes, mas que não necessariamente planas ou que permaneçam por longos períodos saturados por água. Lin et al. (2006),utilizaram este índice para identificar pontos de alagamentos em estradas florestais, definindo tais como pontos de maior suscetibilidade.Este trabalho teve como objetivo realizar o zoneamento da Reserva Biológica das Araucárias com auxílio de ferramentas geomorfométricas, determinando assim áreas mais ou menos suscetíveis a erosão.

Material e métodos

Para a geração do MDT foram utilizadas curvas de nível digitalizadas, equidistantes em 5 m, cedidos pela Companhia Paranaense de Energia (COPEL). A transformação do arquivo de curvas (vetor) em arquivo matricial (raster) foi conduzida por meio do interpolador, B-Spline Aproximation do Software System for Automated Geoscientific Analyses (SAGA, 2005). Em seguida, esses dados foram exportados para o Idrisi Andes, e com o apoio da função Surface obteve-se a Carta de Declive, seguindo a classificação sugerida por Lepch (1991)em virtude de se considerar adequada para analisar o uso da terra e já ter sido utilizada por Maganhotto (2013). De posse do MDT, no software SAGA, foram gerados os seguintes índices: AACN, TWI, MRVBF, Slope (declividade) e LS Factor. A escolha dos referidos índices justifica-se devido a relação dos mesmos com os processos geomorfológicos e parâmetros pedológicos. O Quadro 1 relaciona os Índices de Representação do Relevo a referência em que foi publicado o respectivo método. Baseado em alguns trabalhos anteriores, o Quadro 2 sintetiza os valores que foram utilizados para classificação dos índices em relação as condições ambientais que eles representam. Esses valores forem considerados para a padronização Fuzzy, na qual os valores são normalizados de 0 a 255 (imagem de 8 bits), com os valores próximos de 0 representando as situações com maior suscetibilidade ambiental e o valor de 255 a situação de menor suscetibilidade. Para cada fator, foi estabelecido um coeficiente de importância relativa segundo Maganhotto et al. (2013) e posteriormente utilizadas para o agrupamento segundo a análise por múltiplos critérios (Multiple Criteria Analysis – MCE), onde cada atributo é multiplicado pelo seu peso e então gerado o mapa de suscetibilidade ambiental da área.

Resultado e discussão

A REBIO das Araucárias apresenta a maior parte da sua área classificadas como de limitação muito baixa e baixa (49,00 e 21,07%, respectivamente – Quadro 3), principalmente na porção central e leste da área (Figura 1). As áreas classificadas como de limitação muito baixa têm como característica AACN médio de 13,08 m, ou seja, uma distância vertical relativamente grande em relação ao canal de drenagem e consequentemente do lençol freático. Por conta do exposto, essas áreas pertencentes a essa classe não sofrem com encharcamentos ou empossamento de água. A declividade média de aproximadamente 4,5% indicam áreas em que o escoamento lateral de água ocorre de forma suave, sem tendência a processos erosivos, entendidos como sendo unicamente vinculados ao escoamento superficial, seja ele difuso ou concentrado. Este fato corrobora os valores de MRVBF médio de 1,31 (Quadro 4) o qual poderia ser interpretado individualmente como área mal drenada, caso a mesma não se situasse tão distante do canal de drenagem (PRATES et al, 2012). O baixo valor médio de LS sugere que as áreas dessa classe não estão sujeitas a processos erosivos intensos, justificando a inclusão da mesma como de muito baixo risco ambiental, ou de degradação (MANSOR et al. 2002). As áreas classificadas como de limitação baixa diferenciaram da anterior por estarem situadas mais próximas ao canal de drenagem, distantes verticalmente 5,6 m (Quadro 4), mas com valores de declividade relativamente baixos, assim como os valores de MRVBF. O principal fator limitante dessa área seria a umidade da encosta, representada pelos valores de TWI maiores em relação a classe apresentada anteriormente.Em termos de distribuição da área, essa classe está representada por fragmentos dispersos (Figura 1), geralmente na transição entre as áreas de muito baixa suscetibilidade e de média suscetibilidade.A classe de limitação média perfaz 2.335 hectares da REBIO (15,65% - Quadro 3). Sua distinção das outras classes se dá principalmente pelo maior valor de MRVBF que, segundo Mckenzie e Gallant (2007), representam processos de sedimentação intensos, uma vez que essas áreas predominam no sopé da encosta, recebendo sedimentos transportados de toda vertente. Os valores de TWI de 10 seriam suficientes para caracterizar esse ambiente como mal drenado (LIN et al., 2006, PRATES et al., 2012). Apesar dos valores médio de AACN e TWI não apresentarem grande diferença para a classe de baixa limitação, é possível observar nas figuras 2 e 3 que as áreas enquadradas nessa classe coincidem com aquelas mais próximas ao canal de drenagem e com maiores valores de TWI. Essa pequena variação dos valores médios se deve, provavelmente, a classe de baixa limitação situar-se na transição entre outras duas classes, como mencionado anteriormente.As áreas classificadas como de grande suscetibilidade ambiental somam 2.132 hectares, perfazendo 14,28% da REBIO (Quadro 3). Declividade e LS foram os IRR que apresentaram grande variação em relação as demais classes e consequentemente foram os determinantes para a enquadramento dessas áreas como tal. A média dos valores de declividade para a classe foi de 18%, condição em que predomina o movimento lateral da água, com reduzida infiltração no perfil e potencializando os processos erosivos. Este último corrobora com os elevados valores de LS, o qual também considera comprimento de rampa além da declividade.Apesar dos valores médios indicarem a predominância dessa classe em áreas com intenso processo erosivo, é possível que a oeste da REBIO há pequena região classificada como de elevada suscetibilidade (Figura 1), porém, quando observadas as Figuras 2, 3 e 4, percebe-se que elevados valores de MRVBF e TWI associados e pequenos valores de AACN, os quais sugerem uma área mal drenada, provavelmente com sérios problemas de saturação hídrica. Esta área pode influenciar as médias discutidas anteriormente, em que os valores de LS e Declividade podem estar sendo subestimados, visto que ambas áreas associadas a elevada suscetibilidade ambiental, são geomorfologicamente distintas.

Quadro 1 e 2

Quadro 1: Índices de Representação do Relevo Quadro 2: Parâmetros estabelecidos para o processamento dos IRR.

Quadro 3 e 4

Quadro 3. Classes de limitação ambiental, com a respectiva área em hectares e sua proporção a área total da REBIO. Quadro 4. Estatística básica para o

Figura 1 e 2

Figura 1. Classes de limitação identificadas na análise por MCE.Figura 2. TWI com valores superiores a 8 indicando áreas mal drenadas

Figuras 3 e 4

Figura 3. Índice MRVBF Figura 4. Índice AACN

Considerações Finais

O uso dos IRR na classificação da fragilidade ambiental de áreas da REBIO das Araucárias se mostrou um importante método no zoneamento das UCs, reduzindo a subjetividade durante o processo. Os IRR também permitiram uma rápida caracterização de toda a área de quase 15.000 hectares, processo que pelo método qualitativo demandaria um esforço e tempo bem superior. Os principais fatores que caracterizaram as áreas com elevada fragilidade ambiental foram a susceptibilidade a erosão (LS) e declividade (Slope), sugerindo que essas áreas devem permanecer com a cobertura vegetal para reduzir o potencial erosivo das chuvas, bem como deve-se evitar qualquer processo que implique em revolvimento do solo e consequentemente no aumento da sua fragilidade. As áreas de baixa fragilidade se situaram ou distantes do canal de drenagem, com uma altura média em relação ao canal de drenagem de 18 m, ou são áreas mais baixas, mas com valores de MRVBF intermediários. Esses valores intermediários de MRVBF indicam que tanto o processo erosivo quanto o sedimentar não é tão intenso.

Agradecimentos

Aos autores do trabalho e as Fundações O Boticário e Araucária.

Referências

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