Autores

Niemann, R.S. (UNESP) ; Silva, T.S.F. (UNESP) ; Cancian, L.F. (UNESP) ; Grohmann, C.H. (USP) ; Morellato, L.P.C. (UNESP) ; Longhitano, G.A. (USP)

Resumo

O imageamento por VANTs (Veículos Aéreos não Tripulados) é uma tecnologia ainda pouco explorada, que pode fornecer informações com alta resolução espacial e temporal, em comparação aos dados obtidos por sensores orbitais, e com baixo custo. Algoritmos de visão computacional, como o algoritmo SfM (Structure from Motion), permitem a extração de pontos tridimensionais a partir da sobreposição de imagens obtidas por VANTs, que podem ser utilizados para gerar modelos digitais de superfície (MDS) através de algoritmos de interpolação. Contudo, devido à alta resolução, os MDS derivados necessitam da remoção de objetos sobre a superfície, como vegetação e construções, produzindo assim um modelo digital de terreno (MDT). No presente trabalho, apresentamos uma abordagem metodológica para gerar um MDT a partir de imageamento por VANT, através da interpolação da nuvem de pontos e filtragem do MDS. Os objetos da superfície são removidos usando morfologia matemática e filtragem robusta.

Palavras chaves

Nuvem de Pontos; Modelos Digitais de Terreno; Veículo Aéreo Não Tripulado

Introdução

O terreno e as formas do relevo podem explicar diferentes características e interações da paisagem, como a disposição da hidrografia, as variações pedológicas, a composição da vegetação, a história de formação geológica e também diferenças nos aspectos socioeconômicos locais (EVANS, 2012; LI; ZHU; GOLD, 2005; PIKE; EVANS; HENGL, 2009). Um modelo digital de elevação (MDE) é uma representação estatística da superfície contínua da Terra, através de um grande número de pontos selecionados com coordenadas conhecidas X e Y (planimétricas) e Z (altimétricas) em um campo de coordenadas arbitrárias (LI; ZHU; GOLD, 2005). Quando o modelo representa somente os pontos referentes à superfície do terreno, desprezando objetos como vegetação e construções, ele é chamado de modelo digital de terreno (MDT). Se o modelo leva em consideração também os objetos sobre a superfície do terreno, este passa a ser chamado de modelo digital de superfície (MDS) (KERSTING et al., 2004). Diversos métodos existem para a geração de modelos digitais de elevação, como o uso de pares estereoscópicos na fotogrametria analógica e digital a partir de fotografias ou imagens aéreas (PIKE; EVANS; HENGL, 2009), ou através de dados obtidos pela tecnologia LiDAR (Light Detection And Ranging). Estes últimos são considerados o estado da arte na geração de modelos digitais de elevação, produzindo levantamentos de alta resolução espacial e com alta correlação real com superfície da terra. Os dados LiDAR são apresentados como uma nuvem de pontos dotados de coordenadas X, Y e Z, os quais podem reproduzir a superfície com precisão (POPESCU; WYNNE; NELSON, 2002). Contudo, levantamentos por fotogrametria ou LiDAR normalmente tem um custo financeiro bastante elevado, devido não apenas ao alto valor monetário dos sensores, mas também pelo custo de manutenção e operação das aeronaves tripuladas. O uso de VANTs (Veículos Aéreos Não Tripulados), popularmente conhecidos como “drones”, tem crescido exponencialmente nos últimos anos, especialmente para a realização de levantamentos fotográficos da superfície. A partir destas aeronaves é possível obter dados com altíssima resolução espacial, devido à menor altitude de voo, e também com maior resolução temporal, devido ao baixo custo operacional. Os sensores acoplados aos VANTs, apesar de simples, podem ser usados para métodos fotogramétricos. Seu grande diferencial é a capacidade de realização de levantamentos de altíssima resolução, minimizando algumas limitações existentes na fotogrametria tradicional, como a falta de definição geométrica de algumas feições, e dificuldade de separação entre elementos de terreno e de superfície (DANDOIS; ELLIS, 2010). Contudo, devido à alta resolução, os MDS derivados necessitam da remoção de objetos sobre a superfície, como vegetação e construções, para que se possa assim produzir um modelo digital de terreno (MDT). Assim, o presente estudo buscou desenvolver e avaliar uma abordagem metodológica para geração de MDTs a partir de imageamentos por VANT, utilizando técnicas de interpolação e filtragem digital.

Material e métodos

O estudo seguiu as seguintes etapas: seleção da área imageada, testes de voo com o VANT, aquisição das imagens, geração da nuvem de pontos através de visão computacional, pós-processamento da nuvem de pontos, geração do MDS, filtragem de terreno e criação do MDT.A Serra do Cipó, localizada no estado de Minas Gerais, acerca de 100 km ao norte de Belo Horizonte. A região limita-se a 19o12'30"-19o30'35" S e 43o20'25"-23o40'00" W, pelo Rio Cipó e seus afluentes a leste (GONTIJO, 2008), com altitudes máximas de 1700 m(GIULIETTI et al., 1987). Seus afloramentos rochosos, pertencente ao supergrupo Espinhaço, são formados por rochas antigas, com blocos estruturais do Pré-Cambriano resistentes aos processos de erosão, compostos por quartzitos e arenitos (ABREU, 1995).Foi realizado um imageamento em uma área de interesse, com o uso de um VANT de asa fixa modelo GPlane, equipado com receptor GPS e magnetômetro, e capaz de executar missões em modo de piloto automático, controlado por sistema de rádio e telemetria em tempo real. O imageamento foi realizado utilizando uma câmera Canon S100, com sensor RGB de 12 megapixels (4000x3000 pixels, 7,44x5,58mm), utilizando uma distância focal de 5,2mm. A missão de voo foi programada de maneira a oferecer sobreposição frontal e lateral de ~70% entre as fotografias. Para a geração da nuvem de pontos, foi utilizado o algoritmo SfM–Structure from Motion, implementado no software Pix4D(WESTOBY et al., 2012). O algoritmo faz o alinhamento automático das fotografias aéreas sobrepostas, gerando a calibração entre as imagens e posterior extração da nuvem de pontos (TURNER; LUCIEER; WATSON, 2012). Os pontos são extraídos por correspondências de região, gerando uma nuvem de pontos densificada através das triangulações e correspondências entre as imagens calibradas. A nuvem de pontos densificada foi transformada em um MDS (formato grid) do software SAGA-GIS (CONRAD et al., 2015). O MDS é gerado a partir dos valores dos pontos com menores altitudes (Z) dentro de cada célula de resolução especificada para o MDS. O modelo digital de superfície foi gerado definindo-se uma resolução espacial de 30 cm por pixel.Uma vez que o MDS gerado mostra clara interferência de objetos de superfície, foi então aplicado o processo de filtragem pelo algoritmo “Filter-DTM", também do software SAGA-GIS(VOSSELMAN, 2000). Este algoritmo verifica, para todas as células do MDS, quais pares de células possuem grandes diferenças de altura, considerando que esta diferença possa ser considerada como “ruído”. O filtro se baseia em uma janela (kernel) cujo raio é definido pela diferença de altura máxima especificada como aceitável entre duas células. A célula central da janela é representada como a superfície do terreno, e se não houver outra dentro do raio de busca do kernel (janela) com uma diferença de altura maior do que o desnível máximo definido pelo usuário, a análise prossegue em direção ao pixel seguinte. Desta forma, são excluídas as células que não pertencem ao terreno (non- ground) e os espaços gerados são interpolados para gerar o modelo digital de terreno. Para interpolação do MDT, foi utilizado o algoritmo multinível B- spline (LEE; WOLBERG; SHIN, 1997). Este algoritmo interpola os dados espaciais dispersos, utilizando uma hierarquia das células de controle, de resoluções mais grosseiras até mais finas, aplicando uma sequência de funções bi-cúbicas(SITHOLE; VOSSELMAN, 2005). Foram testados diferentes parâmetros para o processo de filtragem, e os valores ótimos determinados foram de um raio de 20 células e declividade média de 30%. A definição do melhor raio levou em consideração a diferença de altura da vegetação em algumas regiões da imagem.A avaliação dos resultados foi feita através de análise visual, do cálculo de estatísticas descritivas e dos histogramas da distribuição de valores de elevação antes e depois da filtragem e interpolação, e da comparação gráfica entre perfis altimétricos correspondentes, extraídos do MDS e MDT

Resultado e discussão

O imageamento com uso do VANT de asa fixa gerou 551 imagens, recobrindo uma área de 19,403 km². Após a calibração e alinhamento automáticos, 518 (94%) das imagens adquiridas foram utilizadas para a geração da nuvem de pontos. No total, foram obtidos 63.443 pontos homólogos extraídas por imagens, com 1,36% de diferença relativa entre os parâmetros iniciais internos da câmera e os seus parâmetros optimizados. A partir dos pontos homólogos iniciais, a densificação da nuvem de pontos resultou em um número final de 135.922.106 pontos, tendo uma densidade média de 21,44 pontos por m³. Figura 1. Ortomosaico gerado pelo software PiX4D a partir de imagens áreas obtidas por Veículo Aéreo Não-Tripulado na região da Serra do Cipó (MG), e Modelo Digital de Superfície (MDS) correspondente, após a interpolação. Figura 2. Modelos digital de superfície (MDS) e de terreno (MDT) gerados pelo software SAGA GIS a partir dados obtidos por veículo aéreo não- tripulado (VANT), na região da Serra do Cipó (MG). Acima: Distribuição de altitudes mostradas pelo MDS (esquerda) e MDT (direita). Abaixo, os mesmos modelos são apresentados utilizando-se sombreamento de terreno. O modelo digital de superfície teve uma dimensão de 29.156.556 células, com resolução de 30 cm, com altitudes variando entre 1.099 até 1.347 metros. A altitude mediana foi de 1.244 m. O processo de filtragem teve um impacto significativo na melhora do aspecto visual da paisagem, assemelhando-se mais ao esperado para a superfície real do terreno, com a eliminação dos ruídos introduzidos pela presença da vegetação (Figura 2). O processo de filtragem pode ser considerado eficiente, pois não resultou em alterações (viés) significativas nas estatísticas descritivas. Após o processamento, a altitude mediana foi de 1.243m, com altitudes mínimas e máximas de 1.100m e 1.346m, respectivamente. A diferença entre o modelo de superfície e o modelo de terreno pode ser melhor visualizada através da comparação de perfis topográficos correspondentes. A Figura 3 mostra a diferença pré e pós- filtragem. O perfil topográfico mostra uma suavização das variações de alta frequência observadas no modelo digital de superfície. Esta variação é causada pela vegetação local, composta por plantas gramíneas e arbustivas, com pouca diferença de altitude em relação a terra nua. Figura 3. Gráfico do perfil topográfico do Modelo Digital de Superfície (MDS) em laranja e do Modelo Digital de Terreno (MDT) em azul. A linha em laranja apresenta maior rugosidade do perfil, e a linha azul mostra uma maior suavização do terreno. A importância da filtragem pode ser também observada através do cálculo de declividade do terreno a partir do MDS e MDT. Podemos notar que medidas de declividade geradas a partir do modelo digital de terreno representam melhor a variação real de declividade, as quais são obscurecidas pela presença da vegetação ao se usar o MDS (Figura 4). Figura 4. Variação a declividade do modelo digital de superfície (MDS) e do modelo digital de terreno (MDT) A linha que aparece na figura é da localização do perfil topográfico mostrado no gráfico da Figura 3.

Considerações Finais

A aplicação do método descrito no presente trabalho permitiu gerar uma representação adequada da superfície do terreno em uma região de relevo montanhoso e vegetação esparsa, apresentando uma solução acessível para obtenção automática de modelos digitais de superfície por dados obtidos por VANTs. O efeito da filtragem e suavização do MDS é notável principalmente em regiões planas ou áreas cujo relevo é demasiadamente acidentado, onde o método computacional adotado apresentou melhor eficácia. A qualidade final dos modelos digitais de terreno (MDTs) dependem principalmente da resolução espacial utilizada, e dos parâmetros das filtragens usados, os quais dever ser otimizados para tipo de aplicação. Os resultados obtidos a partir da metodologia apresentada fazem parte de dissertação de mestrado em elaboração. Como atividades futuras, serão realizadas avaliações do método em regiões com diferentes topografias e tipos de cobertura vegetal, e serão feitos levantamentos topográficos em campo para validação mais rigorosa dos modelos de elevação gerados.

Agradecimentos

Agradecemos o suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, através do projeto “e-phenology: combining new technologies to monitor phenology from leaves to ecosystems” (FAPESP 2013/50155-0), e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de fomento. C. H. Grohmann, T .S F. Silva e L. P. C, Morellato são bolsistas de produtividade CNPq (procesoss nº 307647/2015-3, 310144/2015-9, e 310761/2014-0).

Referências

ABREU, P. O Supergrupo Espinhaço da Serra do Espinhaço Meridional (Minas Gerais): o rifte, a bacia e o orógeno. Geonomos, v. 3, n. 1, p. 1–18, 1995.
CONRAD, O. et al. System for Automated Geoscientific Analyses (SAGA) v. 2.1.4. Geoscientific Model Development, v. 8, n. 7, p. 1991–2007, 2015.
DANDOIS, J. P.; ELLIS, E. C. Remote sensing of vegetation structure using computer vision. Remote Sensing, v. 2, p. 1157–1176, 2010.
EVANS, I. S. Geomorphology Geomorphometry and landform mapping : What is a landform ? Geomorphology, v. 137, n. 1, p. 94–106, 2012.
GIULIETTI, A. M. et al. FLORA DA SERRA DO CIPÓ, MINAS GERAIS : CARACTERIZAÇÃO E LISTA DAS ESPÉCIES. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo, v. 9, n. May, p. 1–151, 1987.
GONTIJO, B. M. Uma geografia para a Cadeia do Espinhaço. Megadiversidade, v. 4, n. 1-2, p. 7–15, 2008.
KERSTING, J. et al. Filtragem de Modelos Digitais de Superfície derivados da varredura a laser usando a triangulaçâo de DalaunayI Simpósio de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação - SIMGEO, 2004. Disponível em: <http://people.ufpr.br/~centeno/publications/download/2004/f023.pdf>
LEE, S.; WOLBERG, G.; SHIN, S. Y. Scattered data interpolation with multilevel b-splines. IEEE Transactions on Visualization and Computer Graphics, v. 3, n. 3, p. 228–244, 1997.
LI, Z.; ZHU, Q.; GOLD, C. M. Digital terrain modelling. Principles and methodology. [s.l: s.n.].
PIKE, R. J.; EVANS, I. S.; HENGL, T. Geomorphometry - Concepts, Software, Applications. [s.l: s.n.]. v. 33
POPESCU, S. C.; WYNNE, R. H.; NELSON, R. F. Estimating plot-level tree heights with LiDAR: local filtering with a canopy-height based variable window size. Computers and Electronics in Agriculture, v. 37, p. 71–95, 2002.
SITHOLE, G.; VOSSELMAN, G. Filtering of Airborne Laser Scanner Data. GeoInformation Science, v. 36, n. part 3, p. 66–71, 2005.
TURNER, D.; LUCIEER, A.; WATSON, C. An automated technique for generating georectified mosaics from ultra-high resolution Unmanned Aerial Vehicle (UAV) imagery, based on Structure from Motion (SFM) point clouds. Remote Sensing, v. 4, p. 1392–1410, 2012.
VOSSELMAN, G. Slope based filtering of laser altimetry data. Iaprs 2000, v. XXXIII, p. 1–8, 2000.
WESTOBY, M. J. et al. “Structure-from-Motion” photogrammetry: A low-cost, effective tool for geoscience applications. Geomorphology, v. 179, p. 300–314, 2012.