Autores

Paz, O.L.S. (UFPR) ; Sampaio, T.V.M. (UFPR)

Resumo

A rede de drenagem resulta da interação de fatores como o relevo, a geologia e o clima. A subjetividade nos métodos de mapeamento torna imprecisa a sua representação cartográfica. A relação entre os fatores condicionantes e a rede de drenagem carece de estudos que quantifiquem suas influências sobre a mesma. Esta quantificação pode servir como parâmetro auxiliar para o processo de mapeamento. O objetivo deste trabalho foi analisar e quantificar o nível de correlação espacial entre nascentes e o ICR-Global, na folha Eldorado Paulista (Paraná e São Paulo). Foram obtidas as nascentes a partir da Carta Topográfica (1:50.000) e foi gerado o ICR-Global com dados SRTM (90 metros). Em seguida, foi aplicado o Rpz que mensura a correlação entre feições pontuais e feições zonais. Observou-se a forte tendência a não ocorrência de nascentes nas áreas classificadas como relevo “plano” e “suave ondulado”, apontando um caminho para a melhoria da acurácia do mapeamento da rede de drenagem

Palavras chaves

Rede de Drenagem; Mapeamento; SIG

Introdução

Em geral, a representação cartográfica da rede de drenagem apresenta significativas imprecisões causadas pela subjetividade presentes nos métodos de mapeamento. Esse problema independe da experiência do fotointérprete (CHORLEY e DALE, 1972) e pode resultar em análises ambientais imprecisas como o mapeamento incorreto das Áreas de Preservação Permanente (APPs) de nascentes e rios, como mostrado por Sousa (2014). Essas imprecisões podem ocasionar problemas também em estudos Geomorfológicos, bem como destaca Christofoletti (1980), uma vez que é por meio da análise da rede hidrográfica que se compreendem inúmeras questões sobre a dinâmica das paisagens terrestres. Autores como Glock (1931), Christofoletti (1980), Montgomery e Dietrich (1989), Dietrich e Dunne (1993) e Guerra e Cunha (1995) ressaltam que a espacialização e a evolução da rede de drenagem, e consequentemente suas nascentes, estão relacionadas com o relevo e a geologia. Porém, essas constatações são baseadas em análises empíricas, não quantificadas. Dessa forma, a falta de parâmetros quantitativos que descrevem tal relação dificulta ou inviabiliza o seu uso para outros fins, como por exemplo, melhorar a acurácia da representação cartográfica da rede de drenagem (SAMPAIO, 2010). Se identificada uma relação matemática entre a ocorrência de nascentes e o relevo, está poderá ser incorporada ao processo de mapeamento. O objetivo do presente trabalho foi analisar o nível de correlação espacial de nascentes com o Índice de Concentração de Rugosidade Global (adotado aqui como representante da variável relevo). A área de estudo foi o recorte da folha SG.22-X-B-VI, denominada folha de Eldorado Paulista, localizada entre os estados do Paraná e São Paulo

Material e métodos

Área de estudo está localizada entre os estados do Paraná e São Paulo. Abrange o município de Cajati (SP) e parcialmente os municípios de Eldorado (SP), Barra do turvo (SP), Iporanga (SP), Jacupiranga (SP), Registro (SP), Cananéia (SP), Sete Barras (SP) e Guaraqueçaba (PR). O arquivo vetorial referente à rede de drenagem foi adquirido junto ao site do Sistema de Informações Geográficas de Ribeira de Iguape e Litoral Sul, com escala 1:50.000, extraído a partir das folhas SG-22-X-B-VI-1, SG- 22-X-B-VI-2, SG-22-X-B-VI-3 e SG-22-X-B-VI-4, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 1987. O Modelo Digital do Terreno (MDT) usado para construir o ICR-Global foi disponibilizado pelo Consortium for Spatial Information (CGIAR-CSI), cuja fonte é o projeto SRTM (Shuttle Radar Topography Mission). Foi usada a imagem com código S25W049, referente à banda C, com 3 arcos de resolução (aproximadamente 90 metros), na sua quarta versão. Para extrair as nascentes da rede de drenagem foi necessário antes realizar a correção topológica, por meio do software Arcgis 10.1, módulo ArcCatalog, sendo aplicadas as seguintes regras: Must be Covered by Boundary Of Polygon (para as linhas não extrapolarem a área de estudo), Must Not Self-Overlap (para que não ocorra sobreposição entre linhas) e Must Not Self-Intersect” (para que não ocorra intersecção entre linhas). Ainda, no software HydroFlow 1.1, foi acertado a direção de fluxo da rede hidrográfica. Assim, no módulo ArcMap do ArcGis 10.1, foi aplicado a ferramenta FeatureVerticesToPoints, inserindo pontos nos vértices iniciais da rede de drenagem. Além de permitir a extração das nascentes, essa etapa atende as recomendações da norma internacional ISO 19.113, que apresentar os itens para qualidade de dados espaciais digitais. O ICR-Global foi gerado a partir das recomendações de Sampaio (2008) e Sampaio e Augustin (2014), usando o módulo ArcMap do software ArcGis 10. Em um primeiro momento, foi gerada a declividade (medida de inclinação da superfície) em porcentagem, por meio do calculo das variáveis direcionais de Horn (1981), pela ferramenta slope. Após, o raster de declividade foi convertido em uma nuvem de pontos pela ferramenta RasterToPoint. Posteriormente, a nuvem de pontos foi submetida ao estimador de densidade Kernel (ferramenta Kernel Density), que usa o interpolador Epanechnikov, cujo valor do raio de busca foi de 1128 metros. Na etapa seguinte, o raster gerado foi normalizado, sendo este divido por 123. Por fim, o raster foi reclassificado conforme a proposta de Sampaio e Augustin (2014), gerando as classes: plano, suave ondulado, ondulado, forte ondulado, escarpado e forte escarpado. Para a correlação espacial, aplicou-se o Rpz (Sampaio (2010). , que estima o nível de correlação numérica entre a feição pontual (qualitativo - Nascente) e uma feição zonal (qualitativo ou quantitativo – ICR-Global). Quando a proporção de ocorrência do evento pontual se apresenta maior que a proporção de área do evento zonal analisado, considera-se que a correlação é positiva e, o cálculo do RPZ Normalizado é dado por: RPZ normalizado = 1 - {(sz / ∑s) / (npz / ∑p)} Onde: Rpz – Correlação numérica entre a feição pontual (qualitativo) e zonal (qualitativo ou quantitativo ordenado em séries discretas). Valores variam de -1 até 1. Npz – Número de ocorrência da feição pontual sobre o polígono (zona). ∑p – Soma total da ocorrência da feição pontual sobre a área de estudo. Sz – Área total do polígono ou soma da área de todos os polígonos com o mesmo atributo. ∑s – Soma total de todos os polígonos presentes na área de estudo ou a área total de estudo. Quando a proporção de ocorrência do evento pontual é menor do que a proporção de área ocupada pela feição analisada, considera-se que correlação é negativa e, o RPZ normalizado é calculado por: RPZ normalizado = {(npz / ∑p) / (sz / ∑s)} – 1

Resultado e discussão

O ICR-Global gerado e as nascentes mapeadas podem ser observados na figura 1. Nota-se que as áreas classificadas como forte escarpado ou escarpado são as áreas que se concentrando num transecto noroeste-sudeste. Na parte sudeste, observa-se as elevações associadas às rochas cristalinas como granitos e Granulito (Granitos Pós-Tectónicos, do terreno Curitiba) e na porção noroeste estas encontram-se associadas a sequencia Serra das Andorinhas, que possui rochas como o filito, e ao Grupo Votoverava (CPRM, 2013). Conforme mostra a figura 2, predominam as áreas classificadas como “forte ondulado” e “escarpado”, ocupando quase 2/3 da área de estudo (cerca de 72,39%). Nos municípios de Jacupiranga e Cananéia (ambos em São Paulo), encontram-se pequenas áreas classificadas como plana (cerca de 0,05% do total), sendo essas caracterizadas geologicamente como coberturas sedimentares inconsolidadas. Na figura 3 são apresentados os valores obtidos via Rpz da correlação espacial entre as nascentes e o ICR-Global, referentes as análises espaciais no recorte da folha de Eldorado Paulista. Contudo, para a aplicação numa eventual extração automática da rede de drenagem, em modelos de regressão ou para validação e verificação da acurácia de mapeamentos da rede de drenagem existentes, são necessárias análises espaciais mais abrangentes. Nas áreas classificadas como “plano”, não foram encontradas nascentes. Nas áreas classificadas como “suave ondulado”, que ocupam 0,89% da superfície total pesquisada, foram encontradas 7 nascentes, ou seja, 0,09% do total de nascentes mapeadas, o que resultou em um valor de Rpz: -0,8951, indicando forte correlação negativa. As áreas classificadas como “plano” e “suave ondulado” apresentaram baixa incidência de nascentes, indicando que o relevo pode ser utilizado como variável auxiliar ao processo de melhoria da acurácia do mapeamento da rede de drenagem, em acordo com os resultados de Sampaio e Augustin (2014) que aplicaram método semelhante na bacia hidrográfica do rio Benevente (Espirito Santo). As áreas classificadas como “ondulado” também apresentam baixa incidência de nascentes, visto que essa classe ocupava 13,26% da área de estudo e foram encontradas 339 nascentes em seu interior (cerca de 4,55% do total), indicando a dificuldade da ocorrência de nascentes nessa classe de relevo. A figura 4 mostra que a tendência de ocorrência de nascentes aumenta conforme a rugosidade cresce, porém, de forma não proporcional. No entanto, esse padrão não tem continuidade quando observado a classe “forte escapado”, que apresentou correlação negativa, de aproximadamente -0,4018.

Figura 1

ÍCR-Global e as nascentes identificadas na folha Eldorado Paulista. Org: os autores (2016).

Figura 2

Valores área para o ICR Global de 30 metros na área de estudo. Org: O autor, 2016.

Figura 3

Valores área para o ICR Global de 30 metros na área de estudo e numero de ocorrência de nascentes mapeadas. Org: O autor, 2016.

Figura 4

ÍCR-Global e as nascentes identificadas na folha Eldorado Paulista. Org: os autores (2016).

Considerações Finais

Os resultados para essa área de estudo indicam tendência a não ocorrência de nascentes nas áreas classificadas como “plano” e “suave ondulado”. No entanto, essa constatação não soluciona o problema do mapeamento da rede de drenagem, mas aponta um caminho para validação de mapeamentos já existentes. Destaque-se a eficiência e praticidade da aplicação do método Rpz para identificação de correlações espaciais numéricas entre feições pontuais e feições zonais. Também se destaca o uso do ICR-Global para entendimento do relevo em determinada área de estudo, uma vez que esse se apresenta de fácil aplicação e possui alta correlação com métodos de mapeamentos geomorfológicos populares no Brasil, como as propostas de Ross (1992) e IBGE (1995). Cabe destacar a necessidade de validação de campo de um n amostral de nascentes para refazer o teste, uma vez que esse estudo utilizou apenas a base cartográfica oficial para análise

Agradecimentos

Agradeço ao CNPQ pela bolsa de Iniciação Científica.

Referências

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