Autores

Cavalcanti, L.C. (U) ; Lira, D.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE) ; Corrêa, A.C.B. (U)

Resumo

A cartografia geomorfológica, bem como o ensino de geomorfologia carece de ferramentas e instrumentos que auxiliem os estudantes na identificação de feições e interpretação dos fatos geomorfológicos. Para fins de cartografia geomorfológica, a construção de listas contendo tipos de unidades que podem ser encontrados é um trabalho essencial. O objetivo deste trabalho foi construir uma tipologia de unidades geomorfológicas para as depressões do semiárido brasileiro, principalmente no contexto dos terrenos cristalinos. O trabalho foi desenvolvido em três etapas: revisão da literatura, listagem das unidades geomorfológicas e seus critérios de definição e; construção de uma chave para identificação das unidades. Foram identificadas 19 unidades e 23 subunidades adequadas para mapas na escala 1:10.000 ou maior. As unidades foram agrupadas em modelados. Tanto os critérios quanto a chave de identificação podem apoiar rotinas de mapeamento, além do ensino de geomorfologia.

Palavras chaves

Ensino de Geomorfologia; Cartografia Geomorfológica; Geoformas do Semiárido

Introdução

A cartografia geomorfológica e o ensino de geomorfologia carecem de ferramentas e instrumentos que auxiliem os estudantes a identificar formas e interpretar fatos geomorfológicos. Para fins de cartografia geomorfológica, a construção de listas contendo tipos de unidades que podem ser encontrados em um determinado ambiente é um trabalho essencial, como pode ser visto nos trabalhos de Goudie (2004), Allaby (2008), Pavlopoulos et.al. (2009) No Brasil, muitos trabalhos têm focado sobre a construção de listas que contemplam geomorfismos regionais. Um exemplo clássico é o conjunto didático intitulado ‘Formas de Relevo’ do professor Aziz Ab’ Saber (1970). Outro exemplo é o Manual Técnico de Geomorfologia do IBGE (2009), que destaca as feições utilizadas pelo referido órgão em suas atividades de reconhecimento dos recursos naturais. A aproximação do IBGE é muito próxima àquela de Ross (1992) e a do Projeto RADAMBRASIL (1983). Trabalhos como o de Christopherson (2012), apresentam geoformas que podem ser reconhecidas para fins de mapeamento. Contudo, para levantamentos de detalhe, sobretudo em ambiente semiárido, os dados ainda se encontram dispersos na literatura como em Ab’Saber (1959; 1974) e Thomas (2011). No caso do semiárido brasileiro, onde 89% dos estabelecimentos agropecuários pertencem à agricultura familiar (INSA, 2015), o reconhecimento de padrões detalhados do relevo pode auxiliar projetos de cunho agroecológicos e na recuperação de áreas degradadas e/ou em risco de desertificação. Além disso, as tipologias podem subsidiar análises ambientais como também em interpretações paleoambientais, a exemplo de paleo-sistemas climáticos e vegetacionais. De outro modo, feições de detalhe permitem uma correlação mais efetiva com a ocorrência de comunidades vegetais, facilitando estudos geoecológicos e estudos geossistêmicos como mapeamentos da paisagem, como pode ser visto no trabalho de Cavalcanti 2014). Este trabalho foi desenvolvido como parte das atividades do Grupo de Pesquisa sobre Paisagem e Patrimônio Natural e do Grupo de Estudos do Quaternário do Nordeste Brasileiro, com o objetivo de construir uma tipologia de geoformas para as depressões cristalinas do semiárido brasileiro.

Material e métodos

Visando subsidiar levantamentos em escalas iguais ou maiores a 10:000, bem como atividades de campo, este trabalho se baseou em revisão bibliográfica com o intuito de coletar informações sobre feições geomorfológicas de detalhe, com ênfase para terrenos cristalinos de ambientes secos. O trabalho foi desenvolvido em três etapas: revisão da literatura, listagem das unidades geomorfológicas e seus critérios de definição e; construção de uma chave para identificação das unidades. Inicialmente foram selecionados artigos, livros, dissertações e teses com ênfase para formações que ocorrem no cristalino e em ambientes secos, notadamente para o semiárido brasileiro. Em seguida, as unidades foram organizadas em uma lista, contendo suas variações (subtipos) e os critérios de definição. Posteriormente, foram avaliados os critérios mais recorrentes, que foram utilizados para a criação de uma chave de identificação de tipos geomorfológicos. A chave consiste numa série de 12 perguntas, cujas respostas levarão à indicação da unidade geomorfológica correspondente.

Resultado e discussão

Foram identificadas 20 unidades principais e mais 23 subunidades cuja aplicabilidade é adequada para mapas geomorfológicos na escala 1:10.000 ou maior. Algumas destas unidades estão representadas na figura 1. As unidades e subunidades foram agrupadas em modelados, descritos a seguir. Figura 1. Tipos de Geoformas em Terrenos Cristalinos do Semiárido Brasileiro. 1-Encosta rochosa; 2-Escarpa rochosa; 3-Blocos residuais (nubbin); 4-Torre; 5-Rampa/Sopé Coluvial; 6-Patamar; 7-Tálus; 8-Pedimento; 9-Ravina; 10- Pedimento com cobertura arenosa; 11-Barra fluvial; 12-Banco de solapamento; 13-Leito arenoso. Fonte: os autores. 3.1 Modelados de Acumulação Coluvial Depósitos de encosta, cuja origem associa-se a movimentos de massa. Os tipos variam conforme a composição granulométrica, a posição em que ocorrem e/ou a forma que apresentam, são eles: Tálus e Colúvio. 3.1.1 Tálus: depósito de encosta com ocorrência comum de matacões, blocos e/ou afloramentos rochosos. Pode ocorrer com cobertura parcial de colúvio arenoso ou pelítico. 3.1.2 Colúvio: depósito de encosta com ocorrência comum de sedimentos de granulometria cascalho, areia e/ou pelitos. Podem ocorrer blocos, matacões e afloramentos rochosos de maneira ocasional. Os podem ocorrer na forma sopé coluvial quando na base de encostas ou rampa coluvial, no caso contrário. 3.2 Modelados Residuais Correspondem à superfície subjacente ao material que foi erodido, geralmente apresentam composição rochosa, sendo parte de um inselberg, a saber: torres, blocos residuais, lajedos (escarpas e encostas rochosas), tafonis e rampas eluviais. 3.2.1 Torres (Tors): consiste em blocos de rocha empilhados numa coluna, resultante da erosão laminar e exposição da rocha fresca inalterada. 3.2.2 Blocos residuais (Nubbins): resultado da obliteração avançada de inselbergs, resultando em amontoados de matacões. Geralmente com aspecto circular, ocorrem nas proximidades de inselbergs. 3.2.3 Lajedos: afloramentos rochosos, ocasionalmente com presença irregular de matacões, blocos e/ou cascalho. Pode ocorrer como escarpa rochosa (declive>45°) ou encosta rochosa (declive >5° e <45°). 3.2.4 Tafonis: reentrâncias em afloramentos rochosos, geralmente associados à erosão por infiltração (seepage erosion) ou mais raramente à dissolução. 3.2.5 Rampas eluviais: encostas de material eluvial (intemperizado e não transportado) com declive >5° e <45°. Geralmente consistem no saprólito exposto pela erosão do material sobrejacente. 3.3 Modelados de Aplainamento Unidades de transporte associadas a fluxos não concentrados, que ocorre na base do relevo entre uma elevação (ex.: inselberg) e o canal, também podendo ocorrer de modo generalizado e coalescente, isto é, sem a presença de uma elevação residual notável. Neste último caso é comum o uso do termo pediplano. Contudo, este termo remete à teoria da pediplanação, que nem sempre pode ser aplicada à explicação da origem dos pedimentos (Cf. TWIDALE, 1995). Logo, é mais apropriado o uso do termo no plural pedimentos. 3.3.1 Pedimentos: relevo plano (declive <5°). Podem ocorrer como pedimento rochoso (sem cobertura de sedimentos), pedimento com cobertura arenosa, pedimento com cobertura pelítica, pedimento detrítico (com cobertura de blocos e/ou cascalho). Cabe destacar que os pedimentos detríticos, são denominados de ‘malhadas’ em muitas localidades do semiárido. 3.4 Modelados em Patamares Unidades planas de topo ou encosta, geralmente associados à processos de fluxo não concentrado e em geral resultantes de diferenças no litotipo ou à presença de falhas. 3.4.1 Patamares: relevo plano (declive <5°) que ocorre escalonado, como um degrau numa encosta ou mesmo num topo. Pode ocorrer como patamar rochoso (sem cobertura de sedimentos), patamar com cobertura arenosa, patamar com cobertura pelítica, patamar detrítico (com cobertura de blocos e/ou cascalho). Cabe destacar que os patamares detríticos, assim como os pedimentos detríticos, são denominados de ‘malhadas’ em muitas localidades do semiárido. 3.5 Modelados de Acumulação Fluvial 3.5.1 Planície fluvial: unidade de relevo plano (declive <5°) resultante da deposição fluvial por inundação. Pode ser classificada como planície de inundação (quando sujeita a inundações periódicas) ou planície alagada (quando permanece alagada em durante todo o ano ou em grande parte dele). 3.5.2 Terraço fluvial: unidade de acumulação fluvial com relevo plano (declive <5°) e limite marcado por uma escarpa ou quando apresenta características de leito abandonado, isto é, carga de leito (geralmente cascalho e/ou blocos) em área não sujeita à inundação periódica. 3.5.3 Barra arenosa: unidade de acumulação de areia depositada no leito do canal. Pode ser classificada como barra lateral (ocorrendo nas margens côncavas dos canais), barra de confluência (ocorrendo na confluência entre dois canais) ou barra longitudinal (ocorrendo no meio do canal, geralmente pelo encontro de correntes com velocidades diferentes). 3.5.4 Leito: unidade de acumulação fluvial dentro do canal. Pode ser classificado como leito arenoso, leito pelítico ou leito pedregoso (ocorrência de cascalho e/ou blocos). 3.6 Modelados de Erosão Fluvial 3.6.1 Dolinas de Colapso de Solo: geralmente ocorrem no interior de terraços fluviais, próximas ao canal. Estas dolinas se formam quando a erosão por tubos (pipe erosion) causada pelo nível freático próximo aos rios causa o colapso do solo, formando pequenas dolinas. 3.6.2 Caldeirão: forma circular ou semicircular associada à erosão de leito provocada pelo deslocamento turbulento das águas de um rio. Geralmente ocorre associado a fraturas nas rochas. Pode inclusive ocorrer longe dos rios atuais, muitas vezes encontrando-se completamente inumado. 3.6.3 Soleira: leito rochoso. 3.6.4 Banco de solapamento: escarpa (declive >45°) associada à margem convexa de rios. Resulta da erosão fluvial. 3.7 Feições de Erosão Pluvial Unidades erosivas que dissecam pedimentos, patamares, planícies, terraços, tálus e sopés e rampas coluviais e eluviais. Estão associadas ao fluxo concentrado. Na região do Submédio São Francisco, estas feições são denominadas localmente de ‘barrocas’. 3.7.1 Sulcos: cicatriz erosiva com menos de 15 cm de largura e profundidade. 3.7.2 Ravinas: cicatriz erosiva com largura e profundidade entre 15 cm e 50cm 3.7.3 Voçorocas: cicatriz erosiva com mais de 50 cm de largura e profundidade, geralmente afetada pela presença do nível freático. Chave de identificação 1. Declive ‘negativo’ formando reentrância na rocha (alcova)? Sim.....Tafoni Não.....Vá para 2 2. Declive<5°? Sim.....Vá para 3 Não.....Vá para 4 3. Ocorre escalonado, como degrau numa elevação (serra)? Sim.....Patamar Não.....Vá para 5 4. Declive >45°? Sim.....Vá para 6 Não.....Vá para 7 5. Possui cobertura de origem aluvial? Sim.....Vá para 8 Não.....Pedimento 6. Formado por rochas empilhadas? Sim.....Torre Não.....Escarpa 7. Ocorre ao longo de uma encosta? Sim.....Vá para 9 Não.....Vá para 10 8. Apresenta formato de leque, quando observado em planta? Sim.....Leque Aluvial Não.....Planície Fluvial 9. Qual a composição? Afloramentos rochosos.......Encosta rochosa Elúvio......Rampa Eluvial (classifique com base na composição e declividade) Afloramentos e/ou colúvio fino com blocos e matacões......TáluS Colúvio no sopé da encosta......Sopé coluvial Colúvio ocorrendo longe do sopé......Rampa coluvial 10. Forma barra alongada e paralela ao canal? Sim......Barra fluvial Não......Vá para 11 11. Composição rochosa? Sim......Vá para 12 Não......Leito 12. Formato deprimido semicircular? Em sedimento......Dolina de colapso de solo Em rocha......Caldeirão Não......Soleira

Tipos de Geoformas em Terrenos Cristalinos do Semiárido Brasileiro.

1 e 2 Lajedos; 3-Nubbin; 4-Tor; 5-Colúvio; 6- Patamar; 7-Tálus; 8 e 10-Pedimentos; 9-Ravina; 11- Barra fluvial; 12-Banco de solapamento; 13-Leito.

Considerações Finais

A tipologia de unidades geomorfológicas apresentada neste trabalho é indicada para levantamentos de detalhe, visto que as unidades descritas são compatíveis com mapas em escalas iguais ou maiores a 1:10.000. Estudos posteriores incluem a determinação de tipologias para áreas de planalto, bem como terrenos sedimentares. Acredita-se que, tanto os critérios quanto a chave de identificação constituem ferramentas didáticas e facilitadoras das rotinas de mapeamento geomorfológico, quanto o ensino de geomorfologia.

Agradecimentos

Ao CNPQ pelo financiamento do Projeto nº472137/2014-0.

Referências

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