Autores

Melo, R.F.T. (UFPE) ; Silva, D.G. (UFPE) ; Corrêa, A.C.B. (UFPE)

Resumo

No estudo do Quaternário, a micromorfologia tem se mostrado bastante esclarecedora em temáticas como: processos morfogenéticos do relevo, estudo de dinâmicas superficiais atuais (processos de vertentes), identificação de estruturas ligadas a climas específicos: crioturbação, periglaciarismo, feições de ambiente desértico, processos de deposição e ambiente deposicional e evolução pós-deposicional. Diante disto, este trabalho utiliza-se da micromorfologia como ferramenta de compreensão para a dinâmica geomorfológica da Lagoa das Pedras, no município de Água Branca - AL.

Palavras chaves

Evolução Geomorfológica; Micromorfologia de Solos; Geomorfologia do Quaternário

Introdução

A micromorfologia consiste em uma técnica de estudo de amostras não deformadas de solos e de rochas que permite, com a ajuda de técnicas microscópicas e ultramicroscópicas, identificar os constituintes elementares e as diversas associações destes (esqueleto, plasma, nódulos, poros), além de permitir precisar suas relações mútuas no espaço e, muitas vezes, no tempo. Esta vem sendo documentada desde a década de quarenta do século passado (Kubiena, 1938), e é uma importante ferramenta, visto que, permite observar os componentes estruturais do solo na sua forma natural, possibilitando melhor visualização do comportamento da estrutura e do espaço poroso para a compreensão de muitos problemas identificados no campo, em diversas áreas da ciência do solo (SILOS et al. 2011). Silva (2013) afirma que a análise detalhada dos constituintes do solo serve para diagnosticar filiações litológicas e/ou pedogenéticas entre os materiais, os processos e mecanismos a ele associados (alteração, pedogênese e morfogênese), seus eventos, fases e cronologia relativa, incluindo a identificação de paleossolos, permitindo sua separação dos solos enterrados atuais. No estudo do Quaternário, a micromorfologia tem se mostrado bastante esclarecedora em temáticas como: processos morfogenéticos do relevo, estudo de dinâmicas superficiais atuais (processos de vertentes), identificação de estruturas ligadas a climas específicos: crioturbação, periglaciarismo, feições de ambiente desértico, processos de deposição e ambiente deposicional e evolução pós-deposicional. Corrêa (2001) afirma que a partir da micromorfologia é possível identificar a origem do material, quando se trata de um solo in situ, ou, de um material transportado, como no caso dos materiais coluviais; sendo estas características úteis para o estudo de paleomovimentos de massa em áreas tropicais muito intemperizadas. Fitzpatrick (1993) enfocou o papel da micromorfologia na diferenciação de processos erosivos e deposicionais. Segundo o autor, um dos principais processos erosivos que pode ser investigado pela micromorfologia de solos é a erosão diferencial de materiais tropicais superficiais, deixando para trás um resíduo de materiais mais grossos. Para Corrêa (op cit.) isto é particularmente importante em áreas tectonicamente estáveis como o Brasil, onde o intemperismo químico e a denudação progressiva têm ocorrido ao longo de milhões de anos, originando as feições resultantes como os grãos de quartzo arredondados e subarredondados, fragmentos de laterita e concreções em geral. Tais formas são atribuídas ao rolamento e transporte do material encosta a baixo. Deste modo, a micromorfologia de solos pode ser utilizada para melhor caracterizar e diferenciar os sedimentos de encosta relacionados a períodos de instabilidade geomórfica dentro do Quaternário. Durante esses períodos de instabilidade os perfis de solo são truncados nas áreas produtoras de sedimentos, e outros perfis são soterrados nas áreas deposicionais. Os períodos de deposição de sedimentos são os mais interessantes para a pesquisa estratigráfica. Durante sua ocorrência os solos são inumados por sedimentos e mais tarde podem ser utilizados como marcadores estratigráficos (CORRÊA, 2001). Para Silva (2013) a combinação no uso de técnicas de campo e laboratório, com a finalidade de interpretar a gênese dos sedimentos de encosta, tem se tornado um procedimento recorrente na maior parte dos estudos atuais que tratam deste tema. Sendo assim, a utilização da micromorfologia como fonte de interpretação da dinâmica geomorfológica, vem fornecendo bases para a elucidação de interações entre as mudanças temporais de longo e curto prazo nos processos geomorfológicos, cujas repercussões ainda são visíveis na paisagem. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo utilizar a micromorfologia para o caracterizar as variações climáticas quaternárias encontradas na área de estudo.

Material e métodos

Para a análise micromorfológica primeiramente foi necessário a abertura de trincheira de apenas 1,40x0.50cm, tendo em vista a dureza dos sedimentos (processo de vertisolização). Após a abertura do perfil constatou-se a existência de quatro unidades estratigráficas, estas que foram nomeadas e rotuladas de acordo com sua feição, localidade e profundidade a qual foi extraída, tendo como referência a base do perfil. Após este momento inicial, foram extraídas duas amostras indeformadascom o mínimo de perturbação (LP 23 E LP56, LP- Lagoa das Pedras, à 23cm e a 56cm), com o auxílio de pequenas caixas de ferro (caixa de kubiena) com dimensões de 5 cm x 5 cm x5 cm. Estas amostras foram orientadas, possibilitando a identificação do topo do perfil, viabilizando o estudo da direção do transporte de material dentro do solo. Posteriormente, as mesmas foram secas ao ar livre para eliminação do excesso de umidade e foi realizada a impregnação dos blocos das amostras indeformadas com o objetivo de torná-las resistentes para que fossem laminadas. O material foi impregnado com uma mistura de resina plástica Araldite XGY-1109 100%, 10% de endurecedor HY-951 e 40 a 50% de acetona P.A. As condições de impregnação não devem afetar o arranjo dos constituintes ou mudar suas propriedades ópticas. Desta forma, optou-se por uma resina plástica conhecida comercialmente como Araldite, que apresenta baixa toxicidade, endurecimento e polimerização mais rápidos, e grau de contração mais baixo do que a da resina de poliéster. Para cada amostra, foram realizadas pelo menos três sessões de impregnação por capilaridade obtida a vácuo seco, em intervalos de 24 h, para melhor penetração da resina na amostra. Neste processo foi utilizada uma bomba de vácuo conectada a um dessecador que abriga a resina e as amostras. Com a polimerização, a amostra tornou-se resistente, mas sem perder a estrutura original, o que permitiu proceder com o seu corte e a sua laminação. O endurecimento completo das amostras ocorreu após duas a três semanas. Depois do endurecimento das amostras deu-se sequência à sua laminação. Cada bloco foi cortado em máquina de disco diamantado em duas partes e, por último, cada fatia foi polida em um disco em rotação com abrasivo e água, até alcançar uma superfície lisa e plana o suficiente para ser colada em lâmina de vidro. As amostras coladas foram desbastadas e polidas manualmente com abrasivo (carborundum) até a espessura de 30 micra quando, finalmente, o material ficou adequado para estudos microscópicos. Tais procedimentos foram realizados no Laboratório de Laminação do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco. As lâminas foram analisadas utilizando-se o microscópio trinocularLeica DM 2500 P, com câmera Leica EC 3 acoplada, e do software LeicaApplication Suíte - LASEZ versão 1.4 disponível no Laboratório de Geomorfologia do Quaternário do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE, onde foram descritas para cada amostra o grau de desenvolvimento da agregação, tipos de microestrutura e distribuição relativa dos constituintes (esqueletos, poros e plasmas). A interpretação de tais feições diagnósticas do solo foi realizada de acordo com as definições do Manual de Microscopia de Solo e Micromorfologia de Stoops (2003).

Resultado e discussão

A Lagos das Pedras está localizada no município de Água Branca no extremo oeste do Estado de Alagoas , possui cerca de 1000m², contudo, a área escavação foi de apenas 5mx8m em virtude do processo de vertissolização. Esta área foi escolhida como ponto de análise em virtude de possuir um sistema de sedimentação similar, estabelecendo as devidas proporções, aos encontrados em marmitas de dissolução, popularmente conhecidas como “tanques”, dessa forma, a Lagoa das Pedras poderia ser descrita como uma marmita de bordas suaves. Por se tratar de uma bacia de sedimentação confinada, a área é propícia para os estudos de evolução da paisagem, já que, estas áreas fornecem os melhores registros dos grandes inputs climáticos ocorridos no quaternário. Sendo assim, a Lagoa das Pedras apresenta quatro unidades estratigráficas distintas, com a presença apenas da matriz lama. A unidade basal da lagoa é composta de areia grossa com a presença de cascalho, de coloração amarelada, com quartzo, feldspato e biotita. A segunda unidade é composta por um mosqueamento fruto do processo de pedogênese atual, de aproximadamente 15cm de expressão. A terceira unidade é composta de sedimento argilo-arenoso (areia grossa), com presença de quartzo, feldspato e ilmenita. O topo da sequência, a quarta unidade, representa um horizonte antrópicamente perturbado, não sendo analisado devido à perda das características deposicionais. A coleta do material para análises foram realizadas à 23cm e 56cm a partir da base da escavação. • Interpretação das lâminas micromorfológicas LP 23 A amostra LP23 é constituída por minerais de Feldspato predominantemente Plagioclásio (Pl) e Microclina(mi), com presença de Quartzo(Q), Biotita(bi) e clorita(Cl), envolvidos por uma matriz argilosa e nódulos de ferro (ambiente oxiredutor). Sua granulometria geométrica é variada, com formas entre angular e subangular, evidenciando um transporte gravitacional por fluxo de lama, coloração esverdeada da matriz argilosa ocorrendo devido ao processo de cloritização, este que consiste na alteração da biotita, com a formação de cristais de clorita lamelar. Em sua assembleia mineral há presença predominante de Feldspato, com maior quantidade de Plagioclásio (20 a 30%) comparado com a microclina (5 a 20%), Quartzo (10 a 15%) e biotita, surge a clorita como mineral secundário. Há ainda a ocorrência de Feldspato com um avançado processo de alteração (sausuritização), sendo visualizado na lâmina por uma cor de interferência muito variada, e presença de cristais angulosos com 1mm à 1,5mm. A amostra apresenta características micromorfológicas com grau de seleção moderada nas dimensões de argila <2 µm (próximo a silte), com domínio de grão de feldspato e quartzo com fraca variabilidade entre os grãos que se definem por um arranjo dimensional da classeplacoide (em placas). A amostra apresenta ainda grãos de feições angular a subangular e uma esfericidade subalongada, em superfície de rugosidade ondulada em distribuição pórfiro-enáulica (trama de transição, apresentando grãos na fração areia grossa, sendo envolvidos por grãos menores, com pouca fábrica, contudo, esta amostra tem argila, mas não expressiva, que possa ser considerada apenas enáulica). Esta amostra ainda demonstra agregados cristalinos parcialmente acomodado em matriz de dimensões silte. LP 56 A amostra LP 56 também é composta por minerais de Feldspato predominantemente Plagioclásio (Pl) e Microclina(mi), com presença de Quartzo(Q), Biotita(bi) e clorita(Cl), envolvidos por uma matriz argilosa e nódulos de ferro (ambiente oxiredutor). A geometria da granulometria é variada, com formas entre angular e subarredondadas, evidenciando um transporte gravitacional ou por fluxo de lama, apresentando coloração esverdeada da matriz argilosa, tal feição ocorre devido ao processo de cloritização, este que consiste na alteração da biotita, com a formação de cristais de clorita lamelar. Em sua assembleia mineral há a presença predominante de Feldspato, com maior quantidade de Plagioclásio (20 a 30%) comparado com a microclina (5 a 20%), Quartzo (10 a 15%) e biotita, surge a clorita como mineral secundário. Há ainda a ocorrência de Feldspato com um avançado processo de alteração (sausuritização), sendo visualizado na lâmina por uma cor de interferência muito variada, e presença de cristais angulosos com 1mm à 2mm. A amostra apresenta características micromorfológicas com um grau de seleção moderada, nas dimensões de areia fina <2 µm (próximo a silte), com domínio de grãos de feldspato e quartzo com fraca variabilidade entre os grãos, estes que se definem por um arranjo dimensional da classe placoide (em placas), variando entre angular a subaredondada e uma esfericidade subalongada, em superfície de rugosidade ondulada em distribuição pórfiro- enáulica, trama de transição, apresenta grãos na fração areia grossa, sendo envolvidos por grãos menores, apresentando pouca fábrica, contudo, esta amostra tem argila, mas não de forma expressiva, que possa ser considerada apenas enáulica, com os agregados cristalinos parcialmente acomodados em uma matriz de dimensões silte. Apresenta ainda, porosidade entre os grãos. As amostras LP 23 e LP 56 demonstram que estão inseridas em um ambiente deposicional com uma gradação granulométrica ascendente, indicando mudança de energia de transporte entre os níveis coletados, resultando em um sedimento altamente friável com alta porosidade entre os grãos, estes que se acumularam após sofrerem processo físico de erosão e transporte por fluxo lamoso e aquoso.

Lagoa das Pedras

Escavação realizada pelo proprietário na Lagoa das Pedras, com marcação da área de coleta.

Seção Vertical da Lagoa das Pedras.



Lâmina da amostra LP 23.

Lâmina da amostra LP 23, fotomicrografica, à esquerda com luz paralela objetiva 4x, à direita com luz polarizada.

Lâmina da amostra LP 56.

Lâmina da amostra LP 56, fotomicrografica, à direita com luz paralela objetiva 4x, à esquerda com luz polarizada.

Considerações Finais

Diante do exposto, torna-se possível inferir que apesar de visualmente a sedimentação encontrada na área de estudo aparentar se oriunda de um único imput climático, a micromorfologia de solos permitiu esclarecer a ocorrência de dois momentos climáticos distintos que geraram fluxos gravitacionais e que consequentemente demonstram arranjos distintos. Tal resultado corrobora com a ideia já muito difundida no ramo da evolução paleoambintal nordestina de que o Quaternário nordestino foi composto de grandes oscilações climáticas que desencadearam grande imputs de energia, favorecendo assim grandes eventos de sedimentação.

Agradecimentos

Referências

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