Autores

Lima, K.C. (UNICAMP) ; Perez Filho, A. (UNICAMP)

Resumo

A datação absoluta por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) é uma importante ferramenta de análise do relevo, sendo considerada como um método eficaz para a datação de formas de origem fluvial. Nesse sentido, estimaram-se a idade absoluta de coberturas superficiais de baixos terraços fluviais e aluviões recentes no trecho do rio Itapicuru entre a cidade de Cipó e o distrito de Caldas do Jorro (BA), no sentido de contribuir com discussões levantadas por Jean Tricart e Tereza Cardoso da Silva sobre os terraços fluviais do Itapicuru.

Palavras chaves

LOE; Itapicuru; Holoceno

Introdução

Terraços fluviais são antigas planícies de inundação compostos por uma superfície plana e por escarpas levemente inclinadas em direção ao canal fluvial atual, situadas à frente e por trás do terraço (LEOPOLD ET.AL., 1964; SCHUMM, 1977). Sua presença em vales fluviais fornece registros de alterações nos regimes de escoamento dos rios e dos sedimentos que lhes são fornecidos ao longo do tempo (GOUDIE, 2010). Em um vale fluvial com ocorrência de terraços, estes podem ter diversos níveis topográficos, demonstrando a sequência de deposição e incisão do canal (SCHUMM, 1973; BLUM E TÖRNQVIST, 2000) ocorrida ao longo do tempo e que podem estar associadas às mudanças climáticas. Segundo Goudie (2010), muitos terraços que compõem as paisagens contemporâneas são de idade pleistocênica ou holocênica e possuem registros das mudanças nos regimes fluviais decorrentes das variações climáticas ocorridas nos períodos glaciais e interglaciais. Tricart (1958) afirmou que o relevo do Estado da Bahia reflete as consequências das oscilações paleoclimáticas quaternárias, pois diversas formas de relevo indicam a sucessão entre climas úmidos e climas secos. Tricart e Silva (1968) descreveram os terraços fluviais do rio Itapicuru em diversos trechos, e afirmaram que a ocorrência de níveis bem definidos com características distintas resultaria de oscilações climáticas bastante eficazes. Segundo os autores, os terraços da região de Cipó são dos mais desenvolvidos e ocorrem em três níveis topográficos distintos. No sentido de contribuir com algumas discussões levantadas por Tricart (1958) e Tricart e Silva (1968), objetivou-se estimar a idade absoluta de baixos terraços fluviais e aluviões recentes no trecho do Itapicuru situado entre a cidade de Cipó e o distrito de Caldas do Jorro, terço superior do baixo curso, com base na datação de coberturas superficiais por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). A LOE é um dos métodos de datação absoluta mais utilizado em estudos do Quaternário e pode ser aplicado na datação da grande maioria dos depósitos sedimentares arenosos, por basear-se na luminescência de minerais como o quartzo e o feldspato (WALLINGA, 2002; GUEDES ET.AL., 2011).

Material e métodos

Foram selecionadas duas sequências de baixo terraço e point bars, e uma sequência de baixo terraço e dique marginal no referido trecho do rio Itapicuru. Esta é uma área de transição entre clima subúmido a seco e clima semiárido, cujos terraços fluviais se desenvolveram sobre depósitos aluviais quaternários, associados à Formação Marizal e ao Grupo São Sebastião, inseridos na Bacia Tucano-Jatobá. Segundo Tricart e Silva (1968), ocorrem nesse trecho, três níveis de terraço, sendo que o baixo estaria posicionado a cinco metros acima do leito atual, o intermediário a oito metros acima do leito atual e o alto terraço entre trinta e trinta e cinco metros acima do leito atual. Os níveis de terraço descritos por Tricart e Silva (1968) foram identificados com base em fotografias aéreas digitais do Projeto Rio Itapicuru da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM); imagens orbitais do satélite RapidEye, disponibilizadas pela Companhia de Desenvolvimento Urbano e Regional da Bahia (CONDER); imagens orbitais do satélite CBERS 2B- HRC, disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); e imagens orbitais disponibilizadas pelo Google Earth. Nos trabalhos de campo, foram abertas trincheiras com profundidade entre 90 cm e 1 m, descreveram-se os perfis e coletaram-se amostras de coberturas superficiais em duas profundidades para a análise granulométrica (STORANI E PEREZ FILHO, 2012; STORANI E PEREZ FILHO, 2015) e análise do ambiente de deposição. Amostras para datação por LOE foram retiradas com tubos opacos de PVC de 60 cm de extensão e 6 mm de diâmetro, enterrados horizontalmente em profundidades entre 70 e 80 cm. Após a extração, os tubos foram fechados e embalados em sacos pretos para evitar exposição do material à luz solar (SALLUN ET.AL., 2007; MAGALHÃES JR ET AL, 2011). A análise granulométrica foi realizada no Laboratório de Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola/ Universidade Estadual de Campinas. O método empregado foi o da pipeta (CAMARGO ET. AL., 1986) para a determinação da classe textural dos grãos nas frações areia muito grossa, areia grossa, areia média, areia fina, areia muito fina, silte e argila. Após a obtenção dos resultados de laboratório, foi realizada a análise estatística pelo método gráfico (FOLK E WARD, 1957) no Gradistat 6.0 (BLOTT AND PYE, 2001). As amostras para datação foram enviadas ao Laboratório Datação, Comércio e Prestação de Serviços Ltda., na cidade de São Paulo (SP/Brasil). O material da parte central dos tubos foi extraído em ambiente de luz vermelha e passou por tratamentos químicos e separação de grãos de quartzo (100 - 160 µm) isentos de matéria orgânica e metais pesados, com o objetivo de eliminar possíveis sinais residuais. Uma parte do material foi submetida à radiação solar para decaimento dos isótopos de urânio (U), tório (Th) e potássio (K) e posteriormente obteve-se a curva de calibração (Murray e Roberts, 1997) por meio das amostras que foram irradiadas com as doses pré-definidas (Gy). Os valores das paleodoses foram obtidos pelo método de alíquota única Single Aliquot Regenerative-dose - SAR (Murray e Wintle, 2000; Wintle e Murray, 2006) com aplicação de 15 alíquotas para a aquisição do valor médio das doses equivalentes (DE). As idades absolutas foram obtidas através da relação entre a paleodose ou DE e a dose anual. Verificou-se a acurácia do valor médio da DE e o desvio padrão das amostras (CLARKE, 1996; CLARKE ET AL., 1999) com o objetivo de identificarmos possíveis falhas na coleta do material e conferir-se o grau de confiabilidade das amostras.

Resultado e discussão

As amostras datadas por LOE apresentaram padrão de idade decrescente entre os baixos terraços e aluviões (figura 1), demonstrando coerência cronológica entre as formas de relevo. Cinco amostras apresentaram baixo grau de dispersão das doses equivalentes por alíquota única e uma delas apresentou grau de dispersão maior. No entanto, todas as amostras obtiveram desvio padrão inferiores ao valor referência de 5 Gy (figura 1), atestando a sua confiabilidade (CLARKE ET AL., 1999). Figura 1 No trecho entre a cidade de Cipó e o distrito de Caldas do Jorro, os terraços fluviais são assimétricos e ocorrem em três níveis distintos. Os baixos terraços estão a 5 metros acima do leito na margem direita e a 6 metros na margem esquerda, condizendo com as posições indicadas por Tricart (1958) e Tricart e Silva (1968). São terraços cujo grupo textural foi classificado como areia lamosa com percentuais significativos de areias (figura 2) pobremente selecionadas e assimetria positiva, indicando ambiente de deposição fluvial de média a alta energia. A cobertura superficial dos baixos terraços apresentou idades semelhantes nas três amostras coletadas, indicando que a sua deposição ocorreu durante o Holoceno. Aluviões recentes estão a 1 – 2 metros acima do leito nas margens direita e esquerda, respectivamente. Point bars são compostos por sedimentos arenosos com predomínio de areia grossa moderadamente selecionada em estratificações planares (amostra AR_E02) e ocorrência de cascalho (figura 2). O dique marginal é composto por areia lamosa com mais de 70% de areia e cerca de 27- 28% de sedimentos lamosos. Esses sedimentos foram pobremente selecionados e estão associados a deposição por ação fluvial. As idades dos depósitos recentes também são holocênicas com pequenas diferenças nas idades absolutas do material (figura 2). O conjunto de dados indicaram que entre 1.050±200 e 950±140 anos A.P., o regime fluvial apresentou características de condições climáticas mais secas, haja vista a predominância de depósitos arenosos com presença de cascalho (figura 2) que formaram point bars nas margens convexas. Entre 1.590±230 e 1.920±340 anos A.P. o regime fluvial do rio foi irregular, dada a alternância de camadas com sedimentos mais finos e sedimentos arenosos nas trincheiras dos baixos terraços (figura 2), o que pode estar associado a origem climática dos terraços (TRICART E SILVA, 1968). As datações por LOE demostraram que o período entre a deposição das coberturas superficiais dos baixos terraços e aluviões recentes foi relativamente pequeno (500 anos) e provavelmente está associado a pulsações climáticas ocorridas durante o Holoceno (SUGUIO, 2010). Essas pulsações seriam responsáveis por alterações no regime fluvial do Itapicuru, ratificando a origem climática das formas, como apontaram Tricart (1958) e Tricart e Silva (1968). Figura 2

Figura 1

Idades LOE dos baixos terraços e aluviões recentes

Figura 2

Perfil topográfico representativo da sequência 2 (margem esquerda) demonstrando as diferenças altimétricas entre baixo terraço e point bar.

Figura 3

Sequências de baixo terraço e aluviões recentes com as características das trincheiras descritas em campo e resultantes das análises em laboratório.

Considerações Finais

As pulsações climáticas de curta duração ocorreram neste trecho do Itapicuru e influenciaram o regime fluvial do rio, ora depositando areia fina a silte nos períodos menos secos, ora depositando areia grossa e cascalho nos períodos mais secos. Acredita-se que as condições de umidade para esse trecho do rio não se alteraram a ponto de terem ocorrido mudanças de clima seco para clima úmido, com condições semelhantes às que atualmente são encontradas no terço inferior do baixo curso, situado na zona litorânea. Os resultados obtidos por meio da análise estatística dos sedimentos e da datação por LOE contribuíram para o entendimento do regime fluvial e do período em que ocorreu a deposição das formações superficiais. As idades absolutas das formas de relevo demonstraram que a elaboração dessas formas é mais recente do que era esperado para esse trecho. Não obstante, faz-se necessárias investigações mais detalhadas das condições climáticas, além de variáveis como a tectônica, que favoreceram o desenvolvimento não apenas dos baixos terraços e aluviões recentes, mas também dos demais níveis de terraço e das planícies de inundação do Itapicuru.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo 408333/2013-8, pelo financiamento da pesquisa.

Referências

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