Autores

Oliveira, R. (UNESP)

Resumo

Nesta pesquisa utilizou-se o conceito de sistemas complexos para compreender a relação do homem com as unidades hidrogeomorfológicas e os impactos socioambientais resultantes da instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHBM). Dentre os objetivos: a) Descrever feições fluviais na área urbana de Altamira; b) Analisar os usos dos ambientes fluviais; e; c) Avaliar os impactos socioambientais durante as obras de barramento do rio Xingu. A metodologia utilizada consistiu no mapeamento da rede de drenagem e dos ecossistemas associados; trabalho de campo; e avaliação dos principais impactos socioambientais. Das unidades fluviais mais impactadas estão: planície de inundação e lagoas marginais. Dos principais usos da planície de inundação estão: extração de argila, lazer e ocupação uso residencial. Dos impactos imediatos das obras de Belo Monte estão: desocupação e inundações de solo urbano, paralisação da atividade oleira e de lazer e ocupação de outras unidades geomorfológicas.

Palavras chaves

complexidade ; planicie ; urbano

Introdução

De acordo com Moreira (2012; p.93) o paradigma holístico é mais aberto e plural, e resgata o sentido de abrangência e da complexidade. Os sistemas complexos são definidos como um conjunto de grande quantidade de componentes interligados, com capacidade de trocar informações com o seu entorno condicionante, possuindo a capacidade de adaptar sua estrutura interna como sendo conseqüências ligadas a tais interações. Correspondem aos sistemas não – lineares, que são aqueles cuja resposta a um determinado distúrbio não é necessariamente proporcional à intensidade desse distúrbio sendo objeto de estudo da chamada teoria do Caos (PHILLIPS, 2003; CHRISTOFOLETTI, 2004; MATTOS & PEREZ FILHO, 2004). Considera-se, portanto, a bacia hidrográfica do rio Xingu como um sistema dinâmico natural complexo, conforme afirma Perez Filho (2006; p.335) sobre a bacia hidrográfica é uma unidade organizada complexa formada por subsistemas, cujas interações resultam da organização do sistema como um todo integrado, sendo impossível compreende-la por meio de um estudo isolado de seus componentes. Portanto, uma analise de processos que ocorrem nas vertentes ou nos canais fluviais são insuficientes para compreender como o sistema bacia hidrográfica funciona enquanto unidade organizada e complexa. O Rio Xingu apresenta uma extensão de 1.979 km e sua bacia hidrográfica drena uma área de aproximadamente 511.000 Km2 nos Estados de Mato Grosso e Pará, que equivale aproximadamente ao dobro do Estado de São Paulo (ISA, 2006; p.8). Apresenta uma diversidade natural e sociocultural. Sua diversidade natural é resultado de seu curso natural que atravessa dois domínios morfoclimáticos: Cerrado e Amazônico (AB SABER, 2003). A diversidade sociocultural resulta na concentração de 16 etnias assentadas no Parque Estadual do Xingu e outras nove no Médio Xingu. De acordo Heckenberger et al. (2003) existem registros de ocupação no alto Xingu desde o século IX d.C. Apesar da elevada a geodiversidade do Xingu (SILVA, 2012) desde o ano de 2010 esta sendo instalada no médio Xingu, no trecho conhecido como Volta Grande do Xingu, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que ameaça romper com a condição de barreira ecológica do trecho. Além disso no meio urbano, alterou o modo de vida da população que historicamente se apropriou das planícies de inundação do Xingu e de igarapés que cortam a área urbana de Altamira como oleiros, migrantes, comerciantes etc.... Nesta pesquisa, o conceito de planície de inundação abrange tanto a perspectiva hidrogeomorfologica (LEOPOLD, WOLMAN E MILLER, 1964; SUGUIO e BIGARELLA, 1979; CHRISTOFOLETTI, 1981) planície de inundação corresponde à faixa do vale fluvial composta por sedimentos aluviais, bordejando o curso d água, e periodicamente inundada pelas águas de transbordamento proveniente dos rios. Como também a perspectiva socioeconômica (LOPES, 2007) o autor apresenta uma visão integrada e intrínseca entre a “várzea e o varzeiro”, ou seja, a planície de inundação e os grupos sociais que vivem as margens inundáveis dos rios, combinando estratégias de sobrevivência e produção, como agricultura familiar, extrativismo vegetal, criação de gado, extração madeireira, pesca, cultura de auto consumo e sobrevivência. Uma característica intrínseca referente ao rio Xingu mudança na paisagem de acordo com período de cheias e estiagem. Segundo o Estudo de Impacto Ambiental existem importantes ecossistemas de Transição como as lagoas podem ser classificadas em dois grupos: a) Lagoas de baixa vazão e, b) Lagoas de média vazão (BRASIL, 2009; p.181). Neste sentido, é objetivo desta pesquisa compreender as interações entre o rio Xingu e os três afluentes que cortam a área urbana de Altamira, para tanto, foi necessário cumprir os seguintes objetivos específicos: a) Descrever as características geoambientais da planície de inundação dos três igarapés Ambé, Altamira e Panelas; b) Analisar as principais formas de apropriação dos ambientes fluviais na área de estudo; e; c) Avaliar os impactos socioambientais durante as obras de barramento do rio Xingu para instalação de Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Material e métodos

A descrição das unidades de paisagem presentes nas três subbacias de drenagem foi obtida por meio fotointerpretação, em escala 1:100.000. Inicialmente foi realizada a pesquisa de imagens de satélite no programa Google Earth Pro; o Georreferenciamento das Imagens no Programa ArcMap 10.1; a Vetorização das feições no programa ArcMap 10.1 e Configuração de Layout do Mapa no programa ArcMap10.1. A identificação das principais usos na planície de inundação e os impactos socioeconômicos a esses grupos durante a construção da Hidrelétrica de Belo Monte foram obtidos por meio de trabalho de campo, nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, nos bairros Baixão do Tufi; Indenpendente I, Bairro Aparecida e Açaizal. Outra técnica complementar aplicada na coleta de informações foi à aplicação da “história oral”, mas precisamente a história de vida, para levantamento dos dados históricos e levantamento dos impactos socioeconômicos durante a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte.

Resultado e discussão

Conforme o mapa apresentado na sequencia principal formas de origem fluvial identificada na área de estudo foram: a) Drenagem permanente; b) Drenagem Intermitente; c) Lagoas; d) Planície de Inundação e Terraços fluviais. A drenagem está classificada em permanente e intermitente, no caso especifico da drenagem intermitente apresentam sua gênese relacionada principalmente à dinâmica de cheia e vazante anual do Rio Xingu (Figura 01) e afluentes. Durante o período chuvoso no médio Xingu inúmeras drenagens temporárias surgem em função da elevação do nível dos rios, escoam principalmente em setores da planície com sedimentos lamosos e inconsolidados. A planície de inundação ou planície aluvial corresponde a uma feição morfo-hidrológica construída pela sucessiva deposição de sedimentos em suspensão dos canais fluviais, quando estes estão na fase de transbordamento sazonal, compreendendo o período das enchentes. Naturalmente apresenta subsistema de drenagem de difícil escoamento condicionado pela intricada vegetação de graminácea, arbustiva e arbórea que a reveste. Além disso, durante as inundações mínimas podem surgir furos e serie de feições como lagos de várzea no mapa apresenta grande representatividade. Os terraços são feições encontradas abaixo da Terra Firme, sendo conhecidos também de tesos, tiveram sua formação no Pleistoceno, através da deposição em paleoplanícies fluviais, retrabalhados no Holoceno, tendo como material contribuinte na sua gênese, sedimentos coluvio-aluvionares. Estão geralmente situados de 20 a 30 metros acima das planícies atuais e não sofrem inundação. As lagoas apresentam diversos estágios de intervenção na área urbana. Esses ecossistemas são ambientes de transição e apresentam conexão com o rio Xingu, apresentando variação da linha d água variando de acordo com regime hidrológico do rio Xingu. Oliveira & Rocha (2015) georreferenciaram lagoas em vários estágios de intervenção antropogênica por meio da técnica da história oral (OLIVEIRA e ROCHA, 2015). No entanto, em Altamira, assim como em grande parte das cidades Amazônicas foi assentada próximo a margem dos grandes rios, para facilitar o escoamento das chamadas drogas do sertão, látex e castanha do Brasil (figura 02). E que a partir da década, a partir da década de 70 com a abertura da Transamazônia (BR-230) e Santarém-Cuibá (BR-163) atraiu elevado numero de migrantes, especialmente maranhenses, que foram ocupando essas planícies aluviais. Inicialmente do igarapé Ambé, posteriormente no igarapé Altamira e intensificando-se a ocupação a partir de 2010, o igarapé Panelas. Dos agentes que ocuparam a planície de inundação na área urbana de Altamira com usos e estratégias de sobrevivência diversificada estão: pescadores, oleiros, comerciantes de vários segmentos (alimentação, lazer, aquários) indígenas, barqueiros e extratores de areia. Os pescadores separam-se em dois grupos os vinculados a pesca ornamental de Acari zebra (Hypancistrus zebra) voltada ao mercado externo e, outro segmento vinculado a pesca artesanal de subsistência, ambos ocuparam prioritariamente a faixa de inundação do rio Xingu por meio da instalação de palafitas garantindo a proximidade com o rio dos pescadores e melhor posicionamento das embarcações na área portuária, permitindo embarque e desembarque. Os oleiros são aqueles que realizavam a exploração de argila, Essa atividade esta intimamente ligada ao regime hidrológico do rio Xingu. É uma operação de lavra essencialmente manual, seguida de uma moldagem também manual da argila para produção de tijolos no igarapé Ambé e Panelas. De acordo com Oliveira, Santos e Souza (2011) as olarias tradicionais apresentam espacialização do trabalho (amassador , cortador ) a partir de 2010 com o superaquecimento do mercado imobiliário a produção de tijolos aumentou grandemente e se consolidou ao longo da planície do igarapé Panelas que teve inicio desde 2002. Segundo Rocha & Oliveira (2014; p.25) para muitas famílias essas planícies local do trabalho também é de moradia, sendo residência o ano inteiro, mas para a maioria isto se dá apenas no verão amazônico quando reformam ou montam as suas casas utilizando geralmente madeira e palhas. Indígenas citadinos foram afastando-se gradativamente da Volta Grande do Xingu e se miscigenando com outras etnias ou, com não- índios. Nesse processo, perderam o nome indígena, língua materna e religião e assumiram uma identidade ribeirinha. Na área urbana de Altamira são índios citadinos (Xipaias, Curuaia e Juruna) exercem funções diversificadas: pedreiros, comerciantes de peixe, lavadeiras. Migrantes nordestinos ocuparam áreas desprovidas de infra-estrutura trata-se especialmente de migrantes nordestinos dentre os quais se destacam os maranhenses, existem setores marcantes como baixão do Tufi, Açaizal e Invasão dos Padres. No grupo de comerciantes incluímos os instalados sob a planície incluímos os donos de bares e restaurantes, dentre estas peixarias especializadas que foram indenizadas Kalyne e Fuminho, próximo a praia urbana denominada de praia do pepino e praia do Pajé, além de balneários localizados no curso do igarapé Ambé. E na principal via de entrada da cidade com vendedores de peixes regionais na jusante do igarapé Ambé. Outro grupo importante são os extratores de areia e seixo do leito do Xingu, geralmente a estrutura desta atividade localiza-se as margens do rio Xingu, envolve vários trabalhadores desde motoristas, barqueiros, mergulhadores que dirigem tratores, caminhões, barcas e embarcações menores. Esses trabalhadores estão entorno de uma associação. Com o crescimento da construção civil a atividade cada vez mais foi intensificada (Figura 03). Dentre os principais impactos que emergem durante a construção da Hidrelétrica de Belo Monte estão: a) indenização e ou remanejamento da população residente em solo abaixo da cota 100m, setores que concentrava população de baixa renda são extintos baixão do Tufi, Açaizal e Invasão dos padres; b) Ocupação de ecossistemas de transição por uma população de migrantes ou não contemplados no projeto de requalificação urbana, favorecendo enchentes, subsidência do solo e, agravamento das condições sanitárias; c) extinção da atividade oleira tradicional nas planícies dos igarapés Ambé e Panelas; d) desaparecimento das praias do pepino, Pajé e dos Balneários no igarapé Ambé; d) ocupação de áreas de morros e morrotes por novos bairros planejados privados destacando-se Cidade Nova, Próximo a circulação Perimetral, e Residencial Cidade Jardim, localizado na Rodovia Transamazônica Br-230 e tendência de gênese de novos bairros por meio das áreas de Reassentamento Urbano Coletivo.

Figura 02

Resumo dos ciclos econômicos em Altamira.

Figura 03

Apropriação da planície de inundação na área urbana de Altamira: (a) atividade oleira as margens do igarapé Panelas, ano 2015 (b) Balneário no igarapé Ambé, ano 2014; (c) palafita no baixão do Tufi sob o leito do igarapé Altamira, ano 2015 e, (d) Extração

Figura 01

Mapa onde foram identificadas os principais ambientes fluviais no entorno e área urbana de Altamira, Pará.

Considerações Finais

A planície de inundação dos igarapés Ambé, Altamira e Panelas abrangem áreas significativas na área urbana de Altamira, naturalmente sofrem inundações periódicas associadas ao regime de cheias e estiagem do Xingu. Dos principais usos da planície de inundação destaca-se a atividade oleira, ocupação desordenada, extração de areia e seixo, lazer e etc..que foram impactadas diretamente durante a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte, que até a presente data não foi concluída. Além dos impactos sobre a planície existem ecossistemas resistentes como as lagoas marginais instaladas que estão sendo ocupadas de forma desordenada, agravando enchentes urbanas, e favorecendo a problemas de subsidência do solo e agravamento das condições sanitárias na área urbana.

Agradecimentos

A todos os que colaboraram com a técnica História Oral nos Trabalhos de Campo

Referências

BRASIL, ELETROBRAS. Estudo de Impacto Ambiental: Áreas De Influência Direta e Diretamente Afetada Do Meio Físico. 2009. 471p.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia Fluvial Editora Edigard Blücher, 1981. p 244
INSTITUTO SÓCIOAMBIENTAL. Cuidando das águas e matas do Xingu / [Organizadores Rodrigo G. Prates Junqueira, Eduardo Malta Campos Filho, Fabiana Mongeli Peneireiro]. - São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.43p.
HECKENBERGER, Michael J. et al. Amazonia 1492: Pristine Forest or Cultural Parkland?”. Science, v.301, n.5640, p.1710- 1714, 2003.
LEOPOLD, L.B., WOLMAN, M.G. & MILLER, J.P., 1964. Fluvial processes in geomorphology. Freedman, San Francisco, p 319.
LOPES, L. O. do C. Várzea e varzeiros da Amazônia. 1. Ed. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2008.
OLIVEIRA, R. D. de; SANTOS, R. de S.; SOUSA, A. M. de. Analise ambiental e socioeconômica preliminar da atividade oleira ao longo de dois igarápes em Altamira, Pará. V Simpósio Internacional De Geografia Agráriainga e VI Simpósio Nacional de Geografia Agraria 2011.


OLIVEIRA, R.D. de; ROCHA, P.C. Inundaçoes impactos ambientais e socioeconômicos na área urbana de Altamira, Sudoeste do Pará, Brasil. XI Encontro Nacional da ANPEGE. 2015.1095-1108p.

PHILLIPS, J. D. Sources of nonlinearity and complexity in geomorphic systems. Progress in Physical Geography, n. 27,1, 2003. p. 1-23.
ROCHA, C.S.R.;OLIVEIRA, F.P.M. Estudo da cadeia produtiva do tijolo artesanal e as incertezas quanto ao futuro da atividade oleira em decorrência do impacto da hidrelétrica de Belo Monte, Altamira, Pará. Universidade Federal do Pará.2014.40 p.
SUGUIO, K. & BIGARELLA, J.J. (1979) Ambiente fluvial: ambientes de sedimentação, sua interpretação e importância. Curitiba, UFP/ADEA. p. 80.