Autores

Miranda de Medeiros, D.H. (LABOMAR) ; Almeida Cavalcante, A. (UECE) ; de Souza Pinheiro, L. (LABOMAR)

Resumo

Os processos deposicionais no interior dos estuários semiáridos estão associados à morfologia do sistema fluvial, haja vista as variações de sinuosidade, que estão submetidas à elevada influência de energia das marés, e com menor energia dos rios em razão de sua intermitência. Essa pesquisa objetivou analisar a distribuição granulométrica de sedimentos, e suas respectivas correlações com a sinuosidade do canal estuarino do Rio Apodi- Mossoró. Para tanto, foram selecionados 6 pontos de coleta para análise da composição de sedimentos, bem como do índice de sinuosidade como critério de interpretação da morfologia fluvial. Foi observado que o trecho da foz apresentou maior domínio das frações de areia, enquanto que nos demais pontos ocorreram o predomínio de sedimentos siltosos. A configuração do sistema fluvial estuarino, que apresenta baixa sinuosidade próxima à foz, e sinuosidade diferenciada em setores a montante, foram importantes para os processos de depósitos de sedimentos.

Palavras chaves

SINUOSIDADE; DISTRIBUIÇÃO DE SEDIMENTOS; RIO APODI MOSSORO

Introdução

Em regiões tropicais semiáridas e áridas, a descarga de águas nos estuários é muitas vezes temporária, com grandes fluxos na estação chuvosa, sendo seguidos de cinco a dez meses de descarga insignificante (período de estio). No período de estiagem, a entrada da água do mar nos vales durante as marés altas impede que esses rios fiquem sem a comunicação com o oceano (PINHEIRO e MORAIS, 2010). As condições climáticas no litoral semiárido do Brasil (RN/CE) geralmente apresentam taxas de evapotranspiração potencial maiores do que as precipitações, determinando níveis de escoamento superficial praticamente desprezíveis. Sob esse aspecto, se enquadram a maioria dos rios do semiárido brasileiro, que são intermitentes, fluindo somente durante a estação chuvosa, configurando o caso da forte penetração das águas de origem marinha pelos vales dos rios (PINHEIRO, 2003). Amaro e Araújo (2008), afirmam que os processos costeiros que afetam o litoral setentrional do Estado do Rio Grande do Norte, decorrem do baixo aporte sedimentar e das correntes de interferência oriunda da foz do Rio Apodi-Mossoró, o que resulta numa instabilidade morfodinâmica da extensa faixa costeira, que o distingue como um “sistema aberto” de carga sedimentar desbalanceada. Os processos deposicionais do interior desse corpo estuarino estão associados à morfologia do sistema fluvial, dada as variações de sinuosidade que estão submetidas à influência das marés e rio, com baixa energia (MEDEIROS, 2016). É também comum em estuários, à medida que as águas marinhas adentram estuário acima, ocorrer à redução da força das marés e a velocidade das correntes pelas raízes profundas dos mangues, favorecendo a intensa deposição de sedimentos com granulação fina, de natureza autóctones e/ou alóctones (ODUM, 1972; CINTRON e SCHAEFFER-NOVELLI, 1983; IPT, 1988; ROSSI e MATTOS, 2002). A sinuosidade do canal se constitui numa variável importante na definição de padrões de canais (LEOPOLD et al., 1964; ROSGEN, 1994; KNIGHTON, 1998) a qual se relaciona diretamente com a energia do canal, declividade e tipo de material transportado. A morfologia associada do perfil longitudinal do canal pode favorecer na maior sedimentação de finos nas margens estuarinas. Em geral canais com sinuosidade menor que 1,3 transportam maior percentual de carga de fundo (SCHUMM, 1985), em decorrência dos fluxos rápidos. De modo oposto, canais com sinuosidade maior que 2 transportam maior carga em suspensão que detém menor energia (BRIERLEY e FRYIRS, 2005). Nessa perspectiva, este trabalho propõe discutir os aspectos ligados à morfologia do canal como variável importante aos processos deposicionais de sedimentos em ambiente estuarino sob domínio climático semiárido. Portanto, essa pesquisa objetiva analisar a possível influência da morfologia do canal nas variações espaciais dos sedimentos ao longo estuário do Rio Apodi- Mossoró (RN).

Material e métodos

Foram estabelecidos 6 pontos de coleta de sedimentos ao longo do estuário do Rio Apodi-Mossoró (Figura 01). As amostras foram coletadas com amostrador a uma profundidade de 15 cm, em maré baixa, entre os dias 10 e 11 de setembro/2015. O material coletado foi acondicionado em sacos plásticos, previamente identificados, e analisados no Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica da Universidade Estadual do Ceará-UECE. A composição textural e granulometria das amostras de sedimentos foram analisadas pelo método gravimétrico descrito por Suguio (1973). As análises estatísticas dos parâmetros foram obtidas pelo programa SAG – Sistema de Análise Granulométrica (LAGEMAR/UFF, 2000; DIAS e FERRAZ, 2004). A classificação utilizada nos sedimentos foi a de Folk e Ward (1957) apud Suguio (1973). Para os dados da morfologia do canal obtidos na vetorização do canal estuarino, foi utilizado o cálculo do índice de sinuosidade (IS) (SCHUMM, 1963). Esse índice relaciona o comprimento real do canal (projeção ortogonal) com a distância vetorial (comprimento em linha reta), aplicado entre dois pontos extremos para trechos determinados do sistema fluvial, conforme equação:IS=L/LV, em que IS (índice de sinuosidade); L (Comprimento do canal); LV (Comprimento Vetorial). Como critério de delimitação dos trechos, utilizou-se a própria distribuição dos pontos amostrais. De acordo com a metodologia, o índice de sinuosidade não foi aplicado para os canais secundários. A aplicação desse método objetiva analisar as possíveis correlações entre morfologia do canal e os depósitos sedimentares fluviais. Os valores de IS foram adaptados a partir da classificação de Freitas (1952 apud Santos e Sobreira, 2008) da seguinte forma: Muito Baixa (1 ≤ 1.2); Baixa (1.2 ≤ 1.4); Média (1.4 ≤ 1.6); Alta (1.6 ≤ 1.8); Muito Alta (> 1.8).

Resultado e discussão

O perfil de distribuição espacial da composição granulométrica dos sedimentos coletados demonstraram que o trecho da foz (pontos 1 e 2) apresenta maior domínio das frações de areia muito fina em relação as frações de cascalho e silte/argilas. Por outro lado, nos demais pontos amostrais ocorrem o predomínio de sedimentos siltosos (Figura 02). Nos pontos 1 e 2 predominam as areias quartzosas de granulometria muito fina com percentuais de 58,4% e 45,5%, respectivamente. As argilas e siltes correspondem a 28,8% e 25,6%, respectivamente. Não foram registrados cascalhos para ambas as estações, como também de areia muito grossa e areia grossa no ponto 1. Nesses pontos predominam as fácies de textura areno- argilosas e areno-lamosas. Em razão da ausência de fluxo fluvial contínuo e redução dos processos turbulentos, predomina a sedimentação marinha induzida pela oscilação das marés, contribuindo para a ocorrência de depósitos de areia muito fina. Da foz até o ponto 4, um percurso de ~12 km, o canal apresenta baixa (entre os pontos 1 a 3) a muito baixa sinuosidade (entre os pontos 3 a 4). Nesse trecho, Costa (2014) observou as maiores e mais extensas áreas de manguezais nesse estuário. Para tanto, os locais mais densos de manguezal estão situados em margens convexas do canal principal, visto apresentarem maior tendência para depósitos dos sedimentos em função da menor velocidade de corrente nessas margens, uma vez do maior atrito das águas com nas margens côncavas e também pelas raízes profundas dos mangues. Como provável consequência da maior presença de manguezais, a partir do ponto 3 é favorecida a intensa deposição de sedimentos finos, de natureza autóctones e/ou alóctones. Nesse ponto foi encontrado o maior volume de cascalho, porém com concentração incipiente de 3,77%. Os sedimentos de granulação fina totalizaram 75,3%, os arenosos em 20,9%, sendo a fração de areia muito fina com a maior ocorrência desse grupo em 13,5%. Nesse contexto, a partir do ponto 4 a existência de trechos mais sinuosos no canal principal provocam regimes diferenciados quanto aos transportes e depósitos de sedimentos (Figura 03). Os segmentos do canal principal com maior sinuosidade compreendem uma associação de características específicas, apresentando relações internas complexas, que tornam os sedimentos mais finos, com texturas que variam de silte a lama, fato condicionado pelas melhores condições de depósitos em fluxos mais lentos. Para o ponto 4, foram obtidos 85,3% dos sedimentos finos, as frações de areia acumularam 14,4% e 0,3% de cascalho. Para o ponto 5, os sedimentos de silte (85,4%) e argila (12%) representaram 97,4%, sendo 2,6% de sedimentos arenosos, com maior relatividade as frações muito finas com 2%; cabe destacar a ausência de registros de cascalho. O ponto 6 apresentou o maior volume acumulado de silte dentre todos os pontos amostrais, com total 95,1%, seguido das frações de argila com 3%, de areia 1,8% e 0,1% de cascalho. Apesar do predomínio das frações de silte, as amostras apresentaram baixa seleção, haja vista a intercalação com os materiais mais grossos. Essa afirmação é baseada na assimetria, uma vez que a distribuição longitudinal dos sedimentos revela valores variando entre muito positiva, que está relacionada à presença de sedimentos finos, e muito negativa, que testemunha a presença de material grosso (MABESOONE, 1983 apud DIAS, 2005).

Figura 1

Mapa de localização com os pontos de coleta de sedimentos

Figura 2

Histograma dd variação da composição das frações de sedimentos ao longo da zona estuarina do Rio Apodi-Mossoró.

Figura 3

Perfil de sinuosidade do canal principal do Estuário do Rio Apodi-Mossoró (RN).

Considerações Finais

Forma e processo atuam constantemente na formação e transformação de ambientes com dinâmica intensa como é o caso dos fluviomarinhos, cujos fluxos (fluviais e marinhos) interagem entre si. Assim, a medida que as variações de fluxos interferem na deposição dos sedimentos, os próprios depósitos também vão influenciando nas formas, por vezes atuando no aumento ou diminuição da sinuosidade dos ambientes fluviais ao longo de sua história evolutiva. A pesquisa demonstrou que o predomínio das frações de sedimentos mais finos testemunha menor quantidade de energia refletida no ambiente, configurando também trechos de maior sinuosidade. Os sedimentos lamosos apresentam maior regularidade e compactação, em relação aos sedimentos grossos, permitindo a diminuição da reflexão da energia incidente na área. A partir dos resultados, observa-se que os depósitos de sedimentos estão relacionados à configuração do sistema fluvial estuarino, que apresenta baixa sinuosidade próxima à foz, e sinuosidade diferenciada em setores a montante. Portanto, as variáveis ligadas a geometria do canal como largura, profundidade e sinuosidade mostram-se importantes na distribuição dos sedimentos, estando diretamente relacionados aos processos atuantes de formação e transformação dos depósitos.

Agradecimentos

Ao Programa de Pós-graduação em Geografia – ProPGeo/UECE e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela concessão da bolsa de mestrado para o primeiro autor. Ao Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica da UECE pelo suporte na realização das atividades laboratoriais. As salineiras CIASAL, F. SOUTO, NORSAL, SALINOR, São Camilo e SOCEL pelo acesso às margens do estuário do Apodi-Mossoró pela área interna das respectivas empresas.

Referências

AMARO, V.E. (Coord.). Mapas de uso e ocupação do solo e das unidades geoambientais do estuário Galinhos/ Guamaré-RN, na escala de 1:10.000, baseado em imagens IKONOS de 2000 a 2002. In: Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte - IDEMA. Zoneamento Ecológico-Econômico dos estuários do litoral norte do Rio Grande do Norte. Natal/RN: FUNPEC/UFRN, 2004. (Relatório Técnico).
BRIERLEY, G.J.; FRYIRS, K.A. Geomorphology and River Management: Applications of the River Styles Framework. Victoria: Blackwell Publishing, 2005.
CITRÓN, G.; SCHAEFFER-NOVELLI, Y. Introducción a la ecologia del manglar. Montevideo: Rostlac, 1983.
COSTA, D.F.S.; DE MEDEIROS ROCHA, R.; CESTARO, L.A. Análise fitoecológica e zonação de manguezal em estuário hipersalino. Mercator, v. 13, 2014, p. 119-126.
DIAS, C.B. Dinâmica do sistema estuarino Timonha/Ubatuba (Ceará – Brasil): condições ambientais. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Marinhas Tropicais) – Programa de Pós Graduação em Ciências Marinhas Tropicais da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005.
DIAS, G. T. M.; FERRAZ, C. B. SAG - Sistema de Análise Granulométrica. Manual do Usuário. Publicação interna do Departamento de Geologia-LAGEMAR/UFF, 1998. Disponível em: <http:// www.igeo.uff.br>.
FOLK, R.L. Practical Petrographic Classification of Limestones. Bulletin American Association Petroleum Geologists, v. 43., 1959, p. 1 – 38.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS-IPT. Unidades de conservação ambiental e áreas correlatas no Estado de São Paulo. São Paulo: Divisão de Minas e Geologia Aplicada, 1998.
KNIGHTON, D. Fluvial Forms and Processes: a new perspective. London, 1998.
LAGEMAR/UFF - Laboratório de Geologia Marinha da Universidade Federal Fluminense. SAG – Sistema de Análise Granulométrica. Programa de Análise Completa. Rio de Janeiro, 2000.
LEOPOLD, L.B.; WOLMAN, M.GORDON; MILLER, JOHN P. Fluvial Processes in Geomorphology. S. Chand and Company LTD. Ram Nagar, New Delhi, 1964.
MEDEIROS, D.H.M. Ambientes hipersalinos no litoral semiárido brasileiro: zona estuarina do Rio Apodi-Mossoró (RN). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil, 2016.
PINHEIRO, L.S. Riscos e Impactos Ambientais no Estuário do Rio Malcozinhado, Cascavel-CE. Tese (Doutorado em Oceanografia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil, 2003.
PINHEIRO, L. S.; MORAIS, J.O. Interferências de barramentos no regime hidrológico do Estuário do Rio Catú-Ceará-Nordeste do Brasil. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 22, n. 2, 2010, p. 237-250.
ODUM, E.P. Ecologia. Trad. C. G. Ottenwaelder. 3. ed. México: Nueva Editorial Interamericana, 1972.
RAMOS e SILVA, C.A.R. (Org.). Caracterização física, físico-química e química dos estuários Apodi, Conchas, Cavalos, Açu, Guamaré, Galinhos, Ceará-Mirim, Potengi, Papeba e Guaraíra. Natal/RN: Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte/IDEMA, 2004 (Relatório final).
ROSGEN, D.L. A classification of natural rivers. Catena, v. 22, 1994, p. 169-199.
ROSSI, M.; MATTOS, I.F.A. Solos de mangue do Estado de São Paulo: Caracterização química e física. Revista do Departamento de Geografia, v. 15, p. 101-113, 2002.
SANTOS, C. A.; SOBREIRA, F.G. Análise morfométrica como subsídio ao zoneamento territorial: o caso das bacias do Córrego Carioca, Córrego do Bação e Ribeirão Carioca na região do Alto do Rio das Velhas – MG. Revista Escola de Minas, v. 61, 2008, p. 77-85.
SCHUMM, S.A. Sinuosity of Alluvial Rivers on the Great Plains. Geological Society of America Bull., v.74, n.9, 1963, p.1089 – 1100.
SCHUMM, S.A. Explanation and Extrapolation. In: Geomorphology: seven reasons for geologyc uncertainty. Tansactions Japonese Geomorphological Union, p.1-18, 1985.
SUGUIO, K. Introdução à Sedimentologia. São Paulo: Edgard Blucher, 1973.