Autores

Arantes, E.P. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ) ; Souza, M.L. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)

Resumo

A aplicação do conceito de campo de fetch permitiu a determinação da distribuição bidimensional do fetch no reservatório da UHE Mourão I - PR, possibilitando a análise comparativa de dois importantes métodos amplamente difundidos: (1) método Shore Protection Manual (SPM); (2) Método de Saville (MS). Pela análise foi possível constatar que a localização do maior fetch é condicionada pelo método adotado. O método SPM gera resultados maiores na porção mais central e nas margens a sotavento. Os resultados gerados pelo método MS são maiores em regiões próximas às margens a barlavento e nas porções laterais. O conhecimento dos desvios entre os métodos contribui para o aproveitamento de estudos publicados nos últimos trinta anos, amplia a compreensão dos métodos no espaço bidimensional e apresenta uma ferramenta que pode viabilizar, por exemplo, estudos de correlação entre o fetch e a erosão em águas continentais.

Palavras chaves

fetch; vento; erosão em reservatórios

Introdução

Nas últimas décadas no Brasil, ocorreu o desenvolvimento de várias pesquisas sobre a erosão nas margens de reservatórios com o intuito de entender a dinâmica do meio físico e o desenvolvimento do fenômeno erosão que acarreta vários tipos de problemas socioambientais. O vento é uma das variáveis do meio físico que pode interferir nesta dinâmica erosiva, que ao soprar sobre a superfície da água, gera a onda, alvo da pesquisa desenvolvida. Neste contexto, utilizou-se o conceito do fetch, definido como a superfície da água na qual a intensidade e a direção do vento podem ser consideradas constantes (U. S. Army Coastal Engineering Research Center, 1984). Ao se observar a definição do fetch, depara-se com um conceito um tanto controverso, já que, apesar de representar uma superfície, o fetch possui dimensão de comprimento (Marques, 2013). A definição que condiciona o fetch aos ventos de intensidade e direção constantes foi originada das águas oceânicas (Marques, 2013). Neste ambiente, o comprimento que representa o fetch é limitado pela descontinuidade gerada pela presença de uma frente (Shields e Burwell, 1970), sem que haja limitações laterais. Convencionou-se representar o fetch por um comprimento livre. A representação de uma superfície conservando-se a unidade de comprimento foi apresentada por Saville (1954) o qual concebeu um dos métodos mais difundidos no meio técnico. Pelo aprimoramento do conceito de campo de fetch em pesquisas realizadas no meio físico brasileiro (Marques, 2005; Marques et al., 2013; Marques, 2013), passou a ser possível representar o fetch no espaço bidimensional, permitindo analisar a distribuição para cada método. O presente trabalho foi motivado pela diversidade de comprimentos que o fetch assume por diferentes trabalhos publicados, mesmo quando tratados nos mesmos corpos hídricos. Um exemplo são os estudos empreendidos visando a determinação do fetch máximo para o reservatório de Ilha Solteira, localizado entre os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, no Brasil. Pelos resultados de Lima et al. (2003) o fetch determinado pelo método oceânico foi de 48 km, enquanto Marques et al. (2007) obteve 12,3 km pela utilização do método de Saville (1954). Considerando a diversidade de métodos para a determinação do fetch e o desvio entre estes resultados, através desse estudo foram comparados, no reservatório da UHE Mourão 1 – PR, dois métodos amplamente difundidos de determinação do fetch: Método Shore Protection Manual (SPM) e o método de Saville (MS).

Material e métodos

Área de Estudo A Usina Hidrelétrica (UHE) Mourão I teve a origem da sua idealização em 1949, com a finalidade de atender ao acentuado progresso de algumas localidades situadas no Norte do Paraná. Na ocasião o Governo do Estado solicitou ao Governo Federal, pedido de concessão para o aproveitamento progressivo da energia hidráulica no rio Mourão, com início no Salto São João, denominação dada na época para aquele empreendimento. As obras para a construção do reservatório da Usina Mourão I foram concluídas em 1964, reforçando em 8.500 KW a oferta de energia (COPEL, 1999). A UHE encontra-se na margem direita do rio Mourão, localizada nos municípios de Campo Mourão e Luiziana, situada a 52o 20’ de longitude oeste e 24o 04’ sul de latitude. O reservatório possui 1.072 km2 de superfície e 612 Km2 de área de drenagem pertencente à bacia do rio Paraná. O reservatório da Usina Mourão, com lamina d’ água de aproximadamente 1.100 ha, é amplamente utilizado para prática de esportes náuticos e pesca amadora. Possui, segundo o Instituto Ambiental do Paraná, um remanescente florestal de aproximadamente 650 ha, com a presença definida de dois biomas florestais (transição) – Floresta Ombrófila Mista e Floresta Estacional Semidecidual, apresentando uma fauna exuberante com diversos espécimes que são classificados para a região como raras e ameaçadas de extinção. Possui centro de recepção para visitantes, trilhas interpretativas da natureza, para observação dos remanescentes dos biomas florestais representados (COSTA, F.R.; SOARES, P.F., 2003). A região de Campo Mourão apresenta transição entres os climas Cfa e Cfb, Köppen (1948), com temperaturas amenas e chuvas bem distribuídas ao longo do ano, média de 1.600mm/ano, sendo janeiro o mês com maior precipitação e declínio nos meses de maio a agosto. A temperatura média anual é de 21o C, com médias acima de 22o C nos meses mais quentes, dezembro e janeiro, e inferiores a 18o C nos meses mais frios, junho e julho segundo. Geologicamente, a região de Campo Mourão está localizada em uma área de transição entre a Formação Serra Geral e a Formação Caiuá (PINESI; NARDY, 2003). De acordo com Maack (2002), a região de Campo Mourão está inserida no Terceiro Planalto Paranaense, entre os rios Piquiri e Ivaí, mais especificamente, no planalto de Campo Mourão. O planalto de Campo Mourão apresenta cotas altimétricas que variam de 480m a 840m, sendo que o município de Campo Mourão está a 594m (GOLOVATI, 2015) O relevo na região é leve, chegando a ondulado na área da Usina, destacando- se na bacia hidrográfica três tipos de solo: (1) Latossolo vermelho escuro, extremamente ácido, com baixa fertilidade natural, onde ocorre o processo de lixiviação muito intensa, conforme o regime de chuvas; (2) Latossolo roxo, cuja estrutura facilita a formação de “pé de grade”, quando intensamente motomecanizado , ficando sujeito a forte erosão; (3) Podzólico vermelho amarelo, facilmente erodíveis em função de diferentes condicionantes naturais. Determinação do Fetch em águas continentais Método de Saville (MS) O método proposto por Saville (1954) foi modificado para uma condição de alta resolução por Marques et al. (2013). Consiste na construção de 91 linhas radiais do ponto de incidência da onda até a margem a barlavento em intervalos de 1 grau. O comprimento do fetch é obtido pela média das projeções das linhas radiais sobre a direção do vento ponderada pelos cossenos dos ângulos. Método Shore Protection Manual (SPM) Recomendado por U.S Army Coastal Engineering Reserch Center (1984), a extensão do fetch é determinada pela construção de 24 radiais em intervalos de 1 grau. Esse método é denominado de SPM. Pelo método o fetch é definido pela média aritmética dos comprimentos das linhas auxiliares. Com base no conceito de campo de fetch, aplicado pelo modelo ONDACAD (Marques, 2013), são gerados os mapas pelos dois métodos.

Resultado e discussão

A aplicação do modelo ONDACAD, no reservatório pesquisado (Figura 1), com base nos métodos MS e SPM resultou nos campos de fetch mostrados pelas Figuras 2a e 2b. Comparativamente, quanto ao aspecto da distribuição do fetch, o método SPM apresentou uma distribuição com variações maiores em pequenas distâncias. Já o método MS gerou uma distribuição com aspecto mais próximo do esperado para um campo de ondas, mesmo que intuitivamente, devido à maior atenuação, quando comparado com o método SPM. Quanto aos maiores comprimentos de fetch, independentemente da localização, verifica-se que o fetch máximo foi de 1,36 km pelo método MS e de 2,22 km pelo método SPM. Portanto, em termos de comprimentos extremos absolutos, o fetch máximo pelo método SPM superou o método MS em 63%. Visando uma melhor visualização dos desvios envolvidos, decidiu-se por gerar um mapa representando a razão entre os campos de fetch mostrado pela Figura 2c. De acordo com esse mapa de desvios, nas regiões em tons de azul foram verificados valores inferiores à unidade, representando os locais em que o comprimento pelo método SPM superou o método MS. Com o auxílio deste mapa constata-se que o método SPM chegou a gerar comprimentos que superaram o MS em quase 2,5 vezes, considerando, portanto, desvios no mesmo ponto. Apesar de parecer, mesmo que intuitivamente, que a distribuição do campo de fetch pelo método MS se aproxima mais do aspecto esperado para um campo de ondas, uma análise conclusiva poderá ser feita através de um estudo futuro visando determinar qual dos dois modelos gera um campo de fetch que melhor se correlaciona com o campo de ondas gerados por um modelo numérico de base física em diagrama adimensional de (gFU-2) x (gHU-2), conforme figura 3. Uma vez que a geração das ondas é função do fetch e do vento, a determinação do fetch pode fornecer indícios para indicar locais de ocorrência dos fenômenos erosivos. Para Siqueira e Azevedo (2011), o processo erosivo ocorre principalmente em grandes reservatórios, cuja extensa área superficial apresenta fetchs significativos e propícios à geração de ondas por vento. De acordo com Pimentel (2004) em estudos realizados no Reservatório de Itaipu os maiores recuos da margem foram verificados nos locais onde o fetch é maior e a ação do vento é mais efetiva. Em pesquisa recente, Soares et al. (2014) adotaram a hipótese de que áreas de fetch máximo seriam áreas atingidas pelas ondas com maior potencial erosivo. Portanto, a hipótese que consideramos é de que a existência dos maiores fetchs é um indício dos locais mais propícios a fenômenos erosivos. Poder prever as áreas de maior risco aos processos erosivos é o passo inicial para o controle desses processos.

Figura 1

Localização da área de estudo – UHE Campo Mourão I – PR (adaptado de COPEL,1999)

Figura 2

Campos de fetch (2a e 2b) e mapas de desvio entre os métodos SPM e MS

Figura 3

Diagrama adimensional de fetch versus altura de onda

Considerações Finais

Os mapas de campo de fetch revelaram que a localização do maior fetch é condicionada pelo método adotado. Pela aplicação dos métodos foi revelado que os maiores valores de fetch ocuparam regiões distintas para o reservatório analisado. Quanto à distribuição, o método MS gerou campos de fetch mais suaves e sem descontinuidades aparentando, mesmo que intuitivamente, ser mais adequado para representar fenômenos como campos de onda e seiches. O conhecimento dos desvios entre os métodos contribui para o aproveitamento de estudos publicados nos últimos trinta anos, amplia a compreensão dos métodos no espaço bidimensional e apresenta uma ferramenta que pode viabilizar, por exemplo, estudos de correlação entre o fetch e a erosão em águas continentais. Estudos futuros em outros reservatórios poderão contribuir para generalizar os resultados aqui obtidos.

Agradecimentos

Referências

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