Autores

Barros, A.C.M. (UFPE) ; Tavares, B.A.C. (UFPE) ; Silva, M.L.G. (UFPE) ; Correa, A.C.B. (UFPE)

Resumo

A proposta teórico-metodológica dos estilos fluviais, visando oferecer uma base geomorfológica para o gerenciamento de rios, propõe uma análise integrada de processos em sistemas fluviais através da compreensão do caráter e comportamento dos rios. O confinamento dos canais representa um controle básico em sua morfologia, bem como na diferenciação de zonas processuais ao longo dos mesmos. Para tanto, se faz necessário compreender os controles que influenciam padrões de confinamento, como unidades de paisagem, individualizadas conforme sua posição na paisagem e morfologia. Assim, este trabalho buscou realizar a análise dos estilos de rios em sua primeira fase, através da compartimentação das unidades de paisagem e do confinamento dos canais.

Palavras chaves

confinamento; estilos fluviais; unidades de paisagem

Introdução

A proposta teórico-metodológica dos estilos fluviais, visando oferecer uma base geomorfológica para o gerenciamento de rios, propõe uma análise integrada de processos em sistemas fluviais através da compreensão do caráter e comportamento dos rios. Neste sentido, ela propõe uma análise baseada em níveis de escala distintos agrupados hierarquicamente, de modo que parâmetros em uma escala maior determinam uma variedade de processos em unidades de escala menor (BRIERLEY & FRIYRS, 2000). Assim, os estilos fluviais são analisados dentro de um contexto paisagístico, onde são utilizados dados de unidades de paisagem, planície de inundação, forma do canal em planta, unidades geomórficas dos canais e textura dos sedimentos. Tal proposta reconhece a existência de uma diversidade de padrões geomorfológicos para os rios. Estes, por sua vez, representam associações específicas entre a morfologia da paisagem e o conjunto de processos que produzem aquela forma (BRIERLEY & FRYIRS, 2000). Assim, em um primeiro nível de aproximação se faz necessária a análise do cenário regional, que estabelece controles sobre o caráter e comportamento dos rios em uma escala menor. Desta forma, são estabelecidas unidades de paisagem, que compreendem padrões característicos de formas para então classificar os canais de acordo com suas características de confinamento dos vales, onde canais confinados são aqueles cujas margens são limitadas por pedimentos, sem a presença de depósitos marginais, enquanto os canais não confinados representam aqueles marcados pela presença de planícies de inundação contínuas em ambas as margens, indicando a ocorrência de extravasamento nos períodos em que o fluxo aumenta, ou em períodos em que há o fluxo de água superficial, no caso dos canais efêmeros ou intermitentes; já os canais semi-confinados apresentam planícies de inundação descontínuas em suas margens (BRIERLEY & FRIYRS, 2005). Situar tal abordagem em bacias inseridas no contexto climático semiárido, cujas chuvas ocorrem majoritariamente em três meses no ano, além de haver uma variabilidade interanual na quantidade de precipitação, eleva a necessidade de compreender como os rios funcionam neste contexto específico. Somado a tal característica climática, o semiárido brasileiro tem sido palco de intensas transformações nos padrões de cobertura da terra que, em muitos casos, levaram à remoção da cobertura vegetal original e exposição dos mantos de alteração, desencadeando um intenso carreamento de sedimentos para os canais fluviais, além da recorrente construção de barramentos para aproveitamento de água, que em alguns casos são preenchidos por sedimentos ou se rompem nos períodos chuvosos, alterando toda a dinâmica natural de transporte e estocagem de sedimentos. Neste contexto, o presente trabalho buscou realizar uma identificação das unidades de paisagem e dos padrões de confinamento de canais que compõem a bacia do riacho Grande.

Material e métodos

A área de estudo compreende a bacia do riacho Grande cuja área é de cerca de 194km². Toda a bacia está localizada no estado da Paraíba e abrange majoritariamente o município de Manaíra, com trechos nos municípios de Santana de Mangueira, Curral Velho e São José de Princesa – todos no Sertão Paraibano. O maciço da Serra da Baixa Verde, onde se encontram as principais cabeceiras da bacia do riacho Grande, é um importante divisor regional de drenagens entre as bacias do rio Piancó e Pajeú, sub bacias dos rios Piranhas-Açu e São Francisco, respectivamente. Situada ao norte do maciço citado, a bacia do riacho Grande compõe uma das sub bacias do rio Piancó e o riacho Grande-Santana constitui-se um de seus principais tributários. A ocupação moderna da área de estudo, remonta ao século XVIII, a partir da colonização europeia, responsável pelo estabelecimento de fazendas de gado e missões religiosas no semiárido nordestino. A estrutura de abastecimento de água na área e há muito estabelecida no Nordeste semiárido, é baseada no represamento de rios. Portanto, destaca-se no médio curso do riacho Grande o açude Catolé II, construído pelo DNOCS na década de 1980 para abastecimento do município de Manaíra e, além deste, uma série de barramentos de menor porte estão distribuídos ao longo da bacia. Com relação ao seu contexto geológico, a bacia do riacho Grande se encontra totalmente inserida nos domínios da chamada Zona Transversal da Província Borborema, cujos limites norte e sul são dados pelos lineamentos Patos e Pernambuco (CORREA et al., 2010; BRITO NEVES, 2005; MEDEIROS, 2004). O embasamento geológico da bacia é composto por granitoides da Suíte Intrusiva Triunfo e Itaporanga (Neoproterozóico) e pelo complexo Riacho Gravatá (CPRM, 2014). Nestes domínios destaca-se uma série de intrusões sieníticas que constitui o enxame de diques de Manaíra-Princesa Isabel, descrito por Mejiá (2008) e Hollanda (2010). O maciço da Serra da Baixa Verde representa um corpo intrusivo sienítico (Plúton Triunfo) que se sobressai na paisagem atingindo cotas superiores a 1.100m, enquanto as faixas metavulcânicas e metassedimentares que constituem o complexo Riacho Gravatá estão expressas na paisagem em relevos de cristas e vales, dada a intensa dissecação. Ambos os domínios possuem uma orientação geral NE-SW, em consonância com os trends regionais, como as Zonas de Cisalhamento sinistrais que cortam a Zona Transversal, sobretudo pela Zona de Cisalhamento Serra Talhada-Manaíra e Serra do Caboclo (CPRM, 2014; TAVARES, 2015; CORREA, 2001). O maciço da Serra da Baixa Verde apresenta-se como um maciço residual bastante dissecado e constitui a principal fonte de sedimentos da bacia, onde é notável a remoção dos mantos de intemperismo e deposição de colúvios nas médias e baixas encostas. A transição entre o maciço e a Depressão Sertaneja, de onde se tem uma diferença altimétrica de cerca de 600m, é distinguida pelo contato entre o sienito e as rochas metamórficas que estruturam as faixas de dobramento circundantes (TAVARES, 2015; CORREA, 2001) estas, apresentam-se como linhas de cristas e vales em “V”. Entre o maciço sienítico e as faixas metamórficas, encontra-se um patamar aplainado, onde as pequenas concavidades se encontram preenchidas por sedimentos. A classificação dos canais foi realizada com base na proposta teórico- metodológica dos Estilos Fluviais, realizadas em função da compartimentação dos vales, que foram classificados em confinados, não confinados e semi- confinados (BRIERLEY & FRYIRS, 2005). Tal classificação foi realizada a partir de dados de campo, juntamente com imagens do Google Earth. Foi elaborado ainda um mapa de unidades de paisagem, com base em padrões característicos de formas que foram diferenciadas de acordo com sua posição na paisagem e morfologia (BRIERLEY & FRYIRS, 2005). Para tanto, foram utilizadas imagens do tipo ASTER com resolução de 30m processados no ArcGIS 10.1.

Resultado e discussão

De acordo com Brierley & Friyrs (2005), o confinamento representa um controle básico na morfologia dos canais, bem como na diferenciação de zonas processuais ao longo dos mesmos. Desta forma, a classificação dos canais de acordo com as configurações de confinamento permitiu individualiza-los em confinados, não confinados e semi-confinados. Para tanto, se fez necessário estabelecer uma compartimentação da bacia em unidades de paisagem a fim de contextualizar o cenário morfológico em que os canais estão inseridos. A análise das configurações de confinamento dos vales, como parte da metodologia dos estilos de rios, em conjunto com dados regionais da bacia evidenciou as relações entre as unidades de paisagem e os tipos de confinamento verificados. As unidades de paisagem estabelecidas foram superfície de cimeira, pedimento intraplanáltico, cristas e vales a 600 e 400m e planície do riacho de Santana. A superfície de cimeira apresenta os setores mais elevados da bacia com altitudes em torno dos 1000 metros, esta unidade é marcada pela presença dos sienitos que estruturam este patamar e pelas zonas de cisalhamento que controlam a disposição de suas escarpas abruptas e os arranjos das cabeceiras de drenagem da bacia do riacho Grande. O pedimento intraplanáltico está associado com as áreas rebaixadas adjacentes a superfície de cimeira, numa posição topográfica em torno dos 750-780 metros, e atua como um setor de acumulação de sedimentos ao longo das encostas e nos fundos de vale. Este setor também é marcado pela presença de diques de sienito que barram os sedimentos dos canais e operam na dinâmica do preenchimento sedimentar das planícies dos riachos que compõem a bacia. As cristas dissecadas a 600 metros são notadamente controladas pela falha de Serra Talhada que marca o contato dessa unidade com a superfície de cimeira ao sul e o pedimento intraplanáltico mais ao norte. As cristas se portam na paisagem como uma sequência de topos e vales alinhados de acordo com o direcionamento das rochas encaixantes e estruturas que controlam a litologia local, esta unidade apresenta sedimentação estocada nos fundos de vale além de canais com leito rochoso que apresentam um nítido controle estrutural sobre a disposição geométrica desses setores, havendo trechos ora não confinados, ora confinados. A planície do riacho Santana está inserida nos domínios da Depressão Sertaneja, com cotas que variam entre os 250-300 metros, a sua forma é fortemente controlada pela Zona de Cisalhamento Serra do Caboclo, de direção ENE-WSW. Se trata de uma planície entulhada de sedimentos do riacho Santana, que fez uso dessa planície através de um encaixe após uma inflexão à leste do seu curso. As cristas dissecadas à 400 metros apresentam sequencias com forte dissecação com topos retilíneos e vales lineares controlados a partir das faixas metavulcanossedimentares e as estruturas (falhas e zonas de cisalhamento) que delimitam o contato entre as litologias diferentes, é uma unidade que não apresenta sedimentação nas suas encostas, e a sedimentação está confinadas nos pequenos fundos de vales dos canais que dissecam essa unidade. Assim, verifica-se a ocorrência de trechos não confinados preferencialmente no entorno do maciço da Serra da Baixa Verde, uma das principais áreas fonte de sedimento para a bacia, nas unidades de Pedimento Intraplanáltico e de Cristas e Vales a 600m. Estes demonstram uma provável dinâmica de sedimentação em cascata, em que os sedimentos preenchem pequenas bacias de acumulação até que haja um fluxo capaz de retrabalhar estes materiais, que são mobilizados até que hajam impedimentos ao fluxo. Os trechos não confinados na bacia demonstram, portanto, o entulhamento das pequenas concavidades da paisagem, chegando a formar alvéolos de estocagem cuja baixa declividade onde o fluxo de água se espalha e dificulta a formação de canais. A unidade de Cristas e Vales a 600m apresenta, além de canais não confinados, canais confinados com leito rochoso em uma alternância entre ambos, cujos limites são marcados por soleiras rochosas e knickpoints. No entanto, o padrão de confinamento observado dentro desta unidade é modificado à jusante do açude Catolé II, a partir de onde o canal principal se torna confinado com vales estreitos, seguindo o direcionamento principal das estruturas. Na unidade intitulada Planície do Riacho de Santana, no entanto, é observada a modificação para um trecho não confinado, onde a menor elevação e declividade condicionaram a estocagem dos sedimentos mobilizados das cabeceiras. Uma questão que a análise dos padrões de confinamento suscita, para além de uma influência estrutural e topográfica no favorecimento da estocagem dos sedimentos, envolve uma possível influência antrópica na geração dos vales preenchidos. Em uma primeira análise, a remoção da cobertura vegetal possivelmente contribuiu para a entrada de um grande aporte de sedimentos na rede de canais. Isto é mais acentuado no maciço da Serra da Baixa Verde, visto este representa um brejo de altitude, cuja umidade é mais elevada e o manto de intemperismo mais espesso do que no entorno semiárido. Uma segunda questão envolve a influência da construção de barramentos nos rios, através do aumento dos níveis de base locais. O barramento de rios, mesmo aqueles de menor porte, constitui uma das principais alternativas para o armazenamento de água, sendo recorrentes até mesmo em drenagens de baixa ordem. Tais construções são capazes de influenciar a dinâmica de transporte e estocagem de sedimentos nos canais, visto que a elevação do nível de base é capaz de induzir a estocagem de sedimentos em trechos à montante dos barramentos. Além disso, é recorrente o preenchimento desses pequenos reservatórios e sua consequente inutilização, dando origem a bolsões de acumulação de sedimentos e trechos não confinados sem canal. Uma outra interferência na dinâmica de transporte e acumulação de sedimentos causada pela construção dos barramentos é o seu rompimento, mais frequente naqueles construídos com baixo aporte tecnológico, liberando de forma abrupta os sedimentos acumulados.

Mapa de localização da bacia



Modelo de elevação da bacia



Mapa de unidades de paisagem



Mapa de confinamento de canais



Considerações Finais

Em uma primeira análise dos padrões de confinamento dos canais, como fase inicial da proposta dos estilos de rios, foi possível identificar que tais padrões obedecem a controles regionais. Foi observada a presença de vales entulhados, sobretudo na unidade de pedimento intraplanáltico, condicionados topograficamente pelas concavidades da paisagem e com uma solução de continuidade muito clara entre os espaços de acomodação e as soleiras rochosas formando pequenos alvéolos de acúmulo de sedimento entremeados por soleiras que funcionam ora como barreira para a continuação da sedimentação, ora como fonte de sedimento para a área de acúmulo imediatamente à jusante. Os canais não confinados e semi-confinados, por sua vez, estão inseridos em compartimentos cujos controles estruturais são evidenciados pelo alinhamento das cristas e vales de acordo com o direcionamento das rochas encaixantes e das principais zonas de cisalhamento. Desta forma, infere-se que os estilos de rios na bacia do riacho Grande refletem controles estruturais e topográficos, mas também respondem a modificações antrópicas na cobertura da terra.

Agradecimentos

Referências

BRIERLEY, G.; FRYIRS, K. River styles, a geomorphic approach to catchment characterization: implications for river rehabilitation in Bega Catchment, New South Wales, Australia. Environmental Management, v. 25, n. 6, p. 661-679. 2000.
BRIERLEY, G.; FRYIRS, K. A. Geomorphology and River Management: Applications of the River Styles Framework. Oxford: Blackwell Publishing, 2005.
BRITO NEVES, B. B.; SCHMUS, W. R. V.; KOZUCH, M.; SANTOS, J.; PETRONILHO, L. A zona tectônica Teixeira Terra Nova – ZTTTN – Fundamentos da geologia regional e istotópica. Revista do Instituto de Geociências-USP, v.5, n.1, p.57-80. 2005.
CORREA, A. C. B. Dinâmica geomorfológica dos compartimentos elevados do Planalto da Borborema, Nordeste do Brasil. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, p. 386, 2001.
CORREA, A. C. B.; TAVARES, B. A. C.; MONTEIRO, K. A.; Cavalcanti, L. C. S.; LIRA, D. R.. Megageomorfologia e Morfoestrutura do Planalto da Borborema. Revista do Instituto Geológico, v. 31, p. 35-52, 2010.
CPRM - Serviço Geológico do Brasil. Programa Geologia do Brasil. Serra Talhada. Folha SB.24-Z-C-V. Estado de Pernambuco e Paraíba. Escala 1:100.000. CPRM: Recife, 2014. Disponível em <http://geobank.cprm.gov.br/>
HOLLANDA, M. H. B. M.; MEJIÁ, C. P.; ARCHANJO, C. J.; ARMSTRONG, R. Geologia e caracterização química do magmatismo paralcalino ultrapotássico do enxame de diques de Manaíra-Princesa Isabel, Província Borborema. Revista do Instituto de Geociências-USP, v.9, n.3, p.13-46. 2009.
MEDEIROS, V. C. Evolução Geodinâmica e Condicionamento Estrutural dos Terrenos Piancó-Alto Brígida e Alto Pajeú, Domínio da Zona Transversal, NE do Brasil. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Geodinâmica e Geofísica. Natal, 2004.
MEJIÁ, C. P. Caracterização geoquímica-isotópica e geocronologia do enxame de diques de Manaíra-Princesa Isabel (PB) – Província Borborema. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Geoquímica e Geotectônica. São Paulo, 2008.
TAVARES, B. A. C. 2015. Evolução Morfotectônica dos pedimentos embutidos no Planalto da Borborema. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-graduação em Geografia. Recife, 2015.