Autores

Almeida Cavalcante, A. (UECE) ; Ribeiro Andrade, J.H. (ESCOLA NORMAL RURAL DE LIMOEIRO DO NORTE)

Resumo

O presente trabalho objetiva entender a influência da barragem do Castanhão no comportamento da erosão de margens no baixo curso do rio Jaguaribe, no Estado do Ceará. Para isto foram monitoradas nove secções ao longo de um trecho de 10 km do rio Jaguaribe, em seu baixo curso. Para esta análise foi utilizado o método de medição direta da erosão pelo uso dos pinos, em nove estações que foram monitoradas entre maio/2014 e junho/2015. Além disso, dados de chuva e vazão também foram correlacionados na análise. Os resultados obtidos mostram que o volume erodido foi considerado baixo (0,85 m3/mês), dado os baixos volumes precipitados. Entretanto, mesmo com as baixas precipitações, constatou-se que a principal condicionante responsável pela erosão marginal foram as chuvas, mostrando que a regularização do canal exerce influência na dinâmica de margens.

Palavras chaves

EROSÃO DE MARGENS; RIO JAGUARIBE; SEMIÁRIDO

Introdução

Os ambientes fluviais são muitos dinâmicos mostrando alterações constantes nos seus mecanismos de produção, transporte e deposição de sedimentos. Isto desperta o interesse em entender tais processos, pois ao longo da história das sociedades humanas, estes espaços foram e continuam se configurando como base para a fixação das cidades e de desenvolvimento econômico, por serem dotados de potencialidades importantes no desenvolvimento das sociedades: água e solos férteis. A inclusão das atividades humanas nestes espaços ao longo do tempo tem contribuído para metamorfosear suas paisagens, além de romper com o equilíbrio ambiental. O desmatamento da vegetação ciliar, assim como as grandes obras de engenharia são algumas destas atividades que comprometem o fluxo de matéria e energia dos ambientes fluviais. Segundo Cunha e Guerra (2011), os processos naturais como a formação do solo, lixiviação, erosão, deslizamentos, mudanças no comportamento da cobertura vegetal, alterações hidrológicas, entre outros, ocorrem no ambiente natural sem a necessidade da intervenção humana. Porém, quando o homem modifica estes processos, ditos naturais, os mesmos são intensificados de forma descontrolada, e suas consequências trazem sérios prejuízos para as sociedades humanas. Dentre os diversos processos atuantes nos ambientes fluviais, destacamos a erosão de margens, sendo a mesma um processo dinâmico e passível de ser acelerado pelas ações humanas. Fernandez (1990), define a erosão marginal como sendo o recuo linear das margens, devido à remoção dos materiais do barranco pela ação fluvial (correntes, ondas) ou por forças de origem externa (precipitação). A erosão de margens é fundamental para os estudos relacionados a geomorfologia fluvial, pois este processo desencadeia diversas mudanças no canal fluvial e atua no desenvolvimento da planície de inundação. Diante de sua dinamicidade, os processos de recuo de margens devem ser compreendidos, a fim de possibilitar um planejamento adequado quanto ao uso das margens (HOOKE, 1979). Os processos de erosão de margens é um fenômeno natural, porém quando o mesmo é alterado por alguma atividade humana, seus problemas e consequências são vários, pois, além de proporcionar alterações na dinâmica fluvial dos rios, a erosão de margens em processos acelerados pode contribuir de forma mais veemente na ocorrência de problemas de ordem social e econômica, afetando direta ou indiretamente as populações que habitam as adjacências dos rios. Em rios que apresentam suas vazões controlados por barragem os processos de recuo de margens podem apresentar comportamentos diferentes daqueles que não dispõe de barramentos. Nesse contexto, o presente trabalho objetivo entender a influência da barragem do Castanhão no comportamento da erosão de margens no baixo curso do rio Jaguaribe, no Ceará, tendo como área foco o canal deste rio no município de Quixeré.

Material e métodos

O trabalho foi estruturado em duas etapas sendo estas: etapa de campo e etapa de gabinete. Na etapa de campo foram realizadas visitas técnicas na área de estudo para seu reconhecimento, assim como a escolha dos melhores pontos para monitoramento da erosão marginal. Sendo esta etapa dividida em três momentos: (1) escolha das seções para monitoramento, (2) instrumentação das margens e (3) observação dos processos erosivos. A escolha das margens para monitoramento se deu a partir do grau de conservação da vegetação ciliar e os usos sobre estas. Para isto foram escolhidas três seções ao longo do trecho do rio Jaguaribe que corta o município de Quixeré. Estas foram agrupadas em três tipos de áreas, sendo estas: Área Conservada (AC), Área Parcialmente Conservada (APC) e Área Degradada (DC). Após a escolha das margens, as mesmas foram instrumentalizadas para a compreensão dos processos erosivos. Neste sentido foi utilizado o método de medição direta da erosão de margens, conhecido como método dos pinos, que consiste na introdução de pinos na face das margens. A medida que a margem vai recuando, é medida a exposição do pino. Em cada área de monitoramento foi instalado uma quantidade específica de pinos, baseado nas características da margem como altura e ângulo. Os pinos foram colocados a uma distância horizontal de 2 m de separação. Os pinos utilizados são construídos de ferro, tendo 1 m de comprimento, com 5,16 mm de diâmetro. Estes introduzidos nas margens ficaram com 10 cm de exposição e foram pintados de cor branca para facilitar a sua localização. As áreas monitoradas foram referenciadas com auxílio de GPS (Sistema de Posicionamento Global) e registradas através de máquina fotográfica. Também foram escolhidos pontos de referência sobre as margens monitoradas, como cercas e árvores, para amarração caso os recuos das margens fossem superiores ao tamanho dos pinos. Após a instrumentalização das margens, as mesmas passaram a ser monitorados mensalmente ou após grandes chuvas na área, sendo isto acompanhado pelos dados de variação do nível do rio. O período de monitoramento da erosão marginal nas margens instrumentadas foi de junho de 2014 a maio de 2015, totalizando 12 meses de análise. Na etapa de gabinete foram realizadas análises dos dados oriundos dos trabalhos de campo que foram utilizados para determinar a taxa de erosão e o volume erodido das margens, conforme a metodologia de Fernandez (1990). Também foram utilizados dados de precipitações e vazões do rio. Estas informações foram disponibilizadas respectivamente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME) e Agência Nacional de Água (ANA). Para a manipulação dos dados foi utilizado o software Hidro 1.2, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA), facilitando a análise dos dados com a geração de gráficos e planilhas.

Resultado e discussão

A bacia hidrográfica do rio Jaguaribe ocupa cerca de 50% do território cearense, apresentando uma extensão de aproximadamente 610 km, cortando assim vários municípios (CAVALCANTE, 2012). Devido sua grande área hidrográfica o rio Jaguaribe é dividido em cinco Sub-bacias, sendo estas: bacia do Salgado, bacia do Banabuiú, bacias do Alto, Médio e Baixo Jaguaribe. A área de monitoramento para este estudo compreende o trecho do rio Jaguaribe que drena o município de Quixeré-Ce (Figura 1). Esta sub-bacia apresenta a menor área de drenagem (7.021 km2), representando apenas 4% do território cearense. A sub-bacia em questão fica a jusante da barragem do Castanhão, maior açude cearense e um dos maiores do Nordeste brasileiro, com capacidade de acumulação de 6,7 bilhões de m3 de água. O processo de erosão de margens relaciona-se diretamente ao contexto sedimentológico/vegetacional e climato-hidrológico em uma dada região hidrográfica. Em rios situados em regiões semiáridas, cujas características climáticas refletem de forma direta nas baixas vazões e fluxo sazonal, os processos erosivos são observados com maior magnitude em épocas de chuvas acima da média, o que favorece o alcance do nível de margens plenas, contribuindo para o alargamento do canal. Isso porque, além da composição de margens, em tais áreas a vegetação esparsa (evidenciada pelo predomínio da caatinga) também contribui para o maior desenvolvimento destes processos. Wolman e Gerson (1978) sugeriram que em sistemas fluviais de áreas áridas e semiáridas com vegetação esparsa, grandes enchentes podem produzir grandes efeitos geomórficos em razão de tais sistemas não possuírem vegetação suficiente para proteger as margens, fazendo destas áreas ambientes altamente sensitivos aos efeitos de grandes fluxos (TOOTH, 2000). Por outro lado, rios situados em regiões mais úmidas, embora as vazões e as precipitações sejam mais regulares, preenchendo o canal, a vegetação ciliar associada a composição de margens levam estes canais a terem maior ajuste pelo fundo ao invés do alargamento do rio. Nos rios que apresentam suas vazões controladas por barragem, independente da situação climática, os processos erosivos podem apresentar comportamentos diferentes dos apresentados acima, pois as condicionantes hidrológicas que atuam nos processos de recuo de margens (nível e velocidade da água, vazão, transpor de sedimentos) podem ser intensificadas ou minimizadas pela regularização das vazões. A estabilidade das margens de um rio, corresponde ao equilíbrio entre as forças da gravidade e as forças de resistentes do material que compõe a margem. Este equilíbrio está condicionado ao tamanho e a estrutura das margens, das propriedades físicas do material, do sistema hidráulico de fluxo e das condições climáticas (THORNE e TOVEY, 1981). Tais condicionantes são alteradas pelos processos meteorológicos (chuva, vento) e pelos processos hidrológicos (nível do rio, vazão). Os trabalhos de monitoramento da erosão marginal, realizados durante os doze meses da pesquisa, revelaram que o principal agente atuante na erosão das margens no trecho estudado foi a ação das águas das chuvas, independente do tipo de margem (Figura 2). Segundo Fernandez (1995), ação das águas das chuvas envolvem dois aspectos importantes nos processos de erosão de encostas, sendo estes a ação das gotas das chuvas e as águas do escoamento superficial. Os processos erosivos decorrentes da ação das gotas de chuvas envolvem a desagregação das partículas do solo por impacto e o seu deslocamento por explosão. Já o escoamento superficial relaciona-se ao transporte dos sedimentos soltos ou desagregados através do fluxo turbulento. Apesar de ser considerado um dos fatores hidrológicos mais importante nos processos de recuo de margens, as oscilações das vazões liberadas pela Barragem do Castanhão, durante o período avaliado, não contribuíram de forma direta no volume erodido nas áreas monitoradas no rio Jaguaribe, como pode ser visualizado na figura 3. Conforme a figura 2, os processos de recuo de margens passaram a ser observados, justamente quando se iniciou a quadra chuvosa. Durante os meses de estiagem não foi registrada erosão nas áreas monitoradas. Fernandes e Fulfaro (1993), em estudos no rio Paraná observaram comportamento semelhantes ao do rio Jaguaribe, ou seja, no período de estiagem a taxa de erosão em algumas margens mantiveram-se baixa, mas com a regularização das precipitações a erosão média aumentou consideravelmente. Como relatado anteriormente, os comportamentos das vazões não repercutiram de forma direta na erosão das margens do rio Jaguaribe para o período estudado. De acordo com a figura 3, o mês de abril que apresentou o maior volume total erodido para as áreas monitoradas, exibiu a menor vazão mensal. Por outro lado, também pode ser observado que embora o mês de fevereiro tenha apresentado a maior vazão média mensal (27,05 m³/s), não foi observado em nenhuma área erosão considerável. Apesar das vazões liberadas pela Barragem do Castanhão apresentarem pouca influência sobre os processos erosivos durante os meses monitorados, é importante afirmar que os reservatórios podem atuar de três maneiras nos processos de erosão de margens, em particular em rios semiáridos. Primeiramente, estes podem reduzir a erosão das margens no período chuvoso, pois as vazões do rio podem ser controladas no intuído de armazenar água no reservatório ou controle de enchentes, fazendo com que as precipitações sejam dominantes nesta situação; no segundo, podem intensificar a erosão no período chuvoso com a liberação de água; e terceiro, os processos de erosão passam a não serem concentrados apenas no período chuvoso (onde apresenta os maiores picos de erosão), passando a ocorrer em outros períodos do ano. No período analisado foi observado que o volume total erodido nas noves seções monitoradas foi baixo, totalizando um volume de 10,23 m3 ou 0,85 m3/mês. Este fato está relacionado as baixas precipitações e vazões ocorridas no período analisado. Por outro lado também verificou-se que as precipitações acumuladas acima de 100 mm, principalmente próximas dos 300 mm, concentrou os principais picos de erosão. Como a taxa de recuo não é constante durante ano, verificou-se que ela é nula no início, ou seja, no período de estiagem (sem chuva) e vai crescendo com o aumento das precipitações, porém volta a diminuir no final do período avaliado, justamente, coincidindo com o início da estação seca, onde as precipitações vão sendo reduzidas.

Figura 1

Localização da Área de Estudo

Figura 2

Volume total erodido/mês nas áreas monitoradas X precipitação acumulada.

Figura 3

Comportamento das vazões mensais e o volume total erodido/mês nas áreas monitoradas.

Considerações Finais

A pesquisa mostrou que para o período avaliado o principal condicionante responsável pela erosão nas seções monitoradas foram as precipitações, que apesar de terem ficado abaixo da média histórica, contribuíram de modo diferenciado no recuo de margens. Os dados hidrológicos mostraram que as vazões não contribuíram de forma direta nos processos erosivos, possivelmente pelos baixos fluxos liberados pela Barragem do Castanhão, que também alteram o nível do rio de forma lenta e gradativa, não repercutindo em impactos direto às margens. Possivelmente se a liberação regularizada da vazão se desse sob a forma de pulso, poderíamos ter impactos mais significativos. Assim, pode-se dizer que a regularização do canal exerce influência na dinâmica de margens, uma vez que funciona como controladora desse nível. De todo modo, vale ressaltar que a pesquisa avaliou apenas um trecho do rio Jaguaribe, e que o período avaliado foi atípico, devido à estiagem prolongada que enfrentou e vem enfrentando a região Nordeste em especial o território cearense. Assim, cabe maiores investigações sobre os processos erosivos em outras situações pluviométricas.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pelo financiamento de bolsa de pesquisa ao segundo autor. Ao Laboratório de Biotecnologia da UFERSA, pelo apoio na pesquisa.

Referências

CAVALCANTE, A. A. Morfodinâmica fluvial em rios semiáridos: O rio Jaguaribe a jusante da barragem do Castanhão – CE – Brasil. Tese (Doutorado em Geografia. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.
CUNHA, S.B.da; GUERRA, A.J.T. Degradação Ambiental. In: GUERRA, J.T.; CUNHA, S.B.da. Geomoforlogia e meio ambiente. 10° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. P. 337-380.
FERNANDEZ, O. V. Q. Erosão marginal no lago da UHE Itaipu (PR). Rio Claro, SP: UNESP, 1995. 113 p.
FERNANDEZ, O. V. Q.; Fulfaro, Vicente José. Magnitudes e processos da erosão marginal no rio Paraná, trecho de Porto Rico, PR. Geografia. Rio Claro, n. 18, p. 97 – 114, 1993.
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WOLMAN, M. G. e GERSON, R. Relative scales of time and effectiveness of climate in watershed geomorphology. Earth Surface Processes and Landforms, 3, p.189-208, 1978.