Autores

Leli, I. (UNIOESTE/MAL.RONDON,PR) ; Stevaux, J. (UNESP/RIO CLARO, SP) ; Assine, M. (UNESP/RIO CLARO, SP)

Resumo

Ilhas lago diferem das ilhas comuns pela morfologia ocelar com diques frontais e laterais que abrigam um lago isolado ou parcialmente conectado ao canal. A morfologia pode ser alongada ou circular sendo condizente com a largura do canal. Sua gênese pode ser: sedimentação no canal e sobreposição de formas de leito resultando em barras arenosas emersas que se estabilizam pela deposição de lama e desenvolvimento da vegetação; e deposição de barras no entorno de uma ilha já existente. A parte montante é sedimentada primeiro e sempre mais alta que a parte jusante e interna que tem maior deficiência de sedimentação. O rio Negro, Amazônia, e Paraná, Argentina, mantêm estas ilhas no canal com 3.600 anos AP e até 150 anos, respectivamente. As ilhas lago podem ser incorporadas à planície de inundação, e no rio Paraná, Brasil, estas ilhas representam um sistema fluvial que existiu a 14.620 AP. Ilhas lago estão associadas à fase de preenchimento de amplas planícies aluviais dos rios anabranching.

Palavras chaves

Ilha lago ; Processo fluvial; Rio anabranching

Introdução

As ilhas são importantes morfologias do sistema fluvial que resulta como produto de uma dinâmica de escoamento existente, e, uma vez estabelecida, passa a atuar no processo de escoamento do canal. Estes elementos têm papel fundamental, na hidráulica do rio, promovendo a divisão do fluxo e consequente aumento de sua eficiência (Jansen & Nanson, 2004; Gon, 2013); na geomorfologia, gerando padrão multicanal (Nanson, 2013; Stevaux et al., 2013), na construção da planície de inundação (Stevaux & Souza, 2004; Leli, 2015); e na ecologia, permitindo a instalação de vegetação (Ramirez, 2014; Zviejkovski (2013). Os estudos sobre processos genéticos, evolutivos e sedimentares atuantes na formação dessas morfologias (Latrubesse & Franzinelli, 2005; Pereira et al., 2009; Alves, 2013) ainda carecem de maior sustentação a respeito das diferentes formas e estabilidade das ilhas. As informações sobre a gênese das ilhas fluviais geralmente se limitam ao diagnóstico de que podem ser geradas por recorte de planície de inundação (processos extra-canal) ou a partir de barra central estabilizada (processos intra-canal) (Leli, (2015). Dependendo dos processos geradores, as ilhas resultam de sedimentologia e fácies bem diferentes umas das outras. Este estudo tem como objetivo apresentar a ilha lago como um novo elemento morfológico dos sistemas fluviais, que é gerado e evoluído através de processos intra-canal, descrito primeiramente por Leli (2015) no alto rio Paraná.

Material e métodos

Foram utilizadas imagens de satélite, fotografias aéreas (1953 a 1970) para comparar com as imagens atuais; e Imagem GoogleTM Earth sensor Spot, 2013, como ferramenta para localizar, medir e comparar as formas fluviais. As datações são de Leli (2015), e por tratar-se de um trabalho teórico, e não experimental, não foram realizados trabalhos de campo, mas uma revisão da literatura especializada.

Resultado e discussão

Ilhas Lago As ilhas lago diferem das ilhas comuns por apresentar uma dinâmica de sedimentação que resulta numa morfologia com geometria ocelar preenchida de água na parte interna. A parte sedimentar (que dá a forma de ocelo) resulta da evolução de diques marginais e frontais, que circundam uma ou mais lagoas alojadas na parte interna. Esta ilha é gerada através de sedimentação no canal (processo intra-canal) e pode evoluir através de dois processos diferentes: uma barra arenosa emersa (barra central) ou uma ilha pré- existente (Figura 1). Figura 1. As ilhas lago podem apresentar formatos mais alongados ou mais circulares, e aparentemente estão condicionadas à largura do canal onde são geradas. Assim, uma ilha com maior circularidade (índice morfométrico ~1), forma-se em canais mais largos (Figura 1A, B, C), ao passo que ilhas mais alongadas formam-se em canais confinados (Figura 1D). De um modo geral, onde o canal é predominantemente retilíneo e o fluxo está mais direcionado, as ilhas são alongadas, e onde o canal é mais largo com fluxo mais divagantes, as ilhas são mais circulares. Estudos realizados no rio Paraná (Argentina), onde o canal é largo e transporta grande quantidade de sedimentos, Drago & Amsler (1988) constataram que algumas das ilhas são circulares e apresentam um índice morfométrico (comprimento/largura) próximo de 1. Neste caso, é possível inferir que canais que apresentam esta condição ainda não chegaram ao ajuste de escoamento, com uma planície de inundação pouco preenchida, e ainda em fase de construção (Figura 2). O centro da ilha que é parcialmente vazio de sedimentos resulta de um corpo geométrico capaz de armazenar águas no seu interior, os quais foram chamados de “lagoas de transbordamento” (Drago, 1973). Estas lagoas internas podem ser únicas ou mais de uma, dependendo no número de barras anexadas lateralmente ou frontalmente, o que refletirá numa ilha simples (uma lagoa), ou composta (aglomeração de barras e mais que uma lagoa), entretanto, as circulares apresentam menor índice comprimento/largura que as alongadas. As lagoas de ambos os tipos de ilhas geralmente são rasas (Drago, 1973, 1976, 2013), exceto no caso do rio Negro em que as ilhas estão formadas a milhares de anos e representam relíquia de outra dinâmica do canal. Figura 2. A formação das ilhas lago decorre de: 1) sedimentação de material no canal por acumulação de formas de leito sobrepostas (cavalgantes), resultando em barras arenosas emersas que se estabilizam por consequência da deposição de lama e incorporação da vegetação (Figura 3A), e, 2) deposição de barras em “ferradura” e longitudinais (Drago, 1973) no entorno de uma ilha (ilhota) já existente, (Figura 3B). Os dois tipos de geração da ilha lago pode evoluir para ilha lago composta (Figura 3A4 e 3B3,4). A evolução da ilha decorre da anexação de barras no entorno de um núcleo pré-existente de modo que o resultado lembra uma forma barcana (Souza Filho, 1993) com extensões “pseudópodes” no mesmo sentido do fluxo (Figuras 3, 4). A deposição ocorre de montante para jusante de modo que a parte montante retém a maior parte do material transportado, ficando sempre mais alta que a jusante (Figura 4). Figura 3. Figura 4. Alves (2013) constatou que, em águas baixas, a parte montante de uma ilha lago do arquipélago Anavilhanas do rio Negro apresenta até 12 m de altura, e que os diques longitudinais se estendem por 16 km a jusante com altura de até de 2 m (Figura 4). Dessa forma, observa-se que na formação da ilha, a parte montante recebeu a maior parte dos sedimentos transportados pelo canal, ao passo que a sedimentação dos diques se reduz gradativamente para jusante, sendo a lagoa (na parte interna) o setor com menor taxa de sedimentação. O preenchimento da lagoa interna à ilha está condicionado à disponibilidade da carga sedimentar do rio, e a depender desta condição pode demorar muito ou pouco tempo. No caso do rio Negro, devido à quase ausência de carga suspensa no canal (Css 5-12 mg/L, Alves, 2013), as lagoas são profundas e não ocorre a sedimentação, perpetuando esta condição por milênios (Latrubesse & Franzinelli, 2005; Latrubesse & Stevaux, 2015). Por outro lado, em rios com alta carga sedimentar, como o Paraná na Argentina (Css 250 mg/L, Drago & Amsler, 1998), o preenchimento é extremamente rápido, como Pereira et al., (2009) constatou que algumas ilhas do sistema tiveram crescimento de 10 ha/ano em 10 anos. Drago (1973) estudou a ilha del Puerto (550 ha) quando ainda tinha lagoa, e hoje, após 40 anos, a ilha está quase totalmente preenchida de sedimentos e vegetada. Na maioria dos casos, a parte jusante da ilha lago mantém conexão com as águas do canal e é a última área a ser sedimentada. A morfologia, parcialmente oca da ilha, promove uma sedimentação paulatina e totalmente dependente das cheias e da demanda de sedimentos no canal. No caso de rios com disponibilidade suficiente de sedimentos, mesmo as ilhas mais jovens apresentam lagoa de transbordamento rasas, parcialmente preenchidas por sedimentos e/ou áreas pantanosas. Assim, o grau de preenchimento desses corpos de água não necessariamente está ligado à sua idade (permanência), já que em rios de baixa carga sedimentar como o Negro, com ilhas milenares, as ilhas apresentam lagoas profundas e quase totalmente vazias de sedimentos. O efeito erosivo pode também reduzir o tamanho das ilhas mais antigas como Reesinsk et al. (2014) constataram que as ilhas mais jovens eram maiores que as mais velhas no rio Paraná (Argentina). O tempo de permanência destas ilhas no canal pode ser diferente, considerando um mesmo canal ou diferente. As ilhas do rio Negro estudadas por Latrubesse & Franzinelli (2005) e Latrubesse & Stevaux (2015), estão no sistema desde 3.600 anos AP, e Barbosa (2014) identificou depósitos mais jovens, de 300 anos, para o mesmo sistema do arquipélago. Para o rio Paraná, Argentina, Pereira et al. (2009) calculou que as ilhas apresentam idades entre 10 e 150 anos, por outro lado, as ilhas do rio Paraná (Brasil), 1.500 km montante, as ilhas são muito mais antigas. Leli (2015) identificou que as ilhas evoluídas por deposição de barra central no canal estão no sistema desde 8.200 AP. A autora verificou que feições geométricas muito semelhantes às ilhas do rio Negro e rio Paraná, na região da Argentina, estão inseridas na planície de inundação e ilhas de recorte de planície no trecho do Brasil. As idades destas feições variam entre 8.200 a 14.620 anos AP, e apresentam a mesma sedimentologia que as ilhas estudadas por Drago (1973) no rio Paraná, Argentina e Latrubesse e Franzinelli (2005) no rio Negro, e foram classificadas como paleoilhas do Alto rio Paraná, Brasil.

Figura 1

Tipos de ilhas Lago A, B: Evolução de barra central; C: Evolução através de outra ilha (parte mais escura); D: Evolução por barra central.

Figura 2

Padrão de preenchimento da planície e ilha Lago. A: rio Paraná, Rosário – Argentina. B: Rio Uruguai, Nuevo Berlin.

Figura 3

Evolução das ilhas lago. A: Formação e evolução a partir de barra central. B: Formação e evolução a partir de uma ilha nuclear. (Mod. de Drago, 1973).

Figura 4

Modelo esquemático de ilha lago. Baseado em Alves (2013). 1 Planta da ilha; 2 e 3 Perfil lateral com promontório (montante) lagoa e dique longitudinal

Considerações Finais

O comportamento morfo-dinâmico das ilhas lago é muito relevante na evolução de sistemas anabranching. Assim como outros tipos de ilhas, a presença da ilha lago no canal é uma estratégia de confinamento do fluxo para ganhar mais potência. Entretanto, diferente de ilhas totalmente sedimentadas, as ilhas lago são geradas em sistema fluvial que ainda está sendo construído, ou seja, a planície ainda está em fase de preenchimento, e o canal é obrigado a gerar ilhas parcialmente ocas para conseguir o mesmo resultado. Os rios que apresentam estas ilhas ainda estão em fase de preenchimento da planície de inundação, buscando padrão mais eficiente para o balanço hidro-sedimentar. A ilha lago é um modo eficiente do canal reduzir a largura em demandar de tanto sedimento que por sua vez pode ser empregado na construção da planície de inundação. A morfologia da ilha lago varia conforme a característica do trecho em que se desenvolve. A razão comprimento/largura dos canais é baixa para as ilhas de maior circularidade e alta para as alongadas. A longevidade das ilhas lago varia conforme o grau de estabilização do canal. No rio Negro, cuja planície é encaixada e o fluxo tem pouco sedimento, as ilhas têm até 3.600 AP (Latrubesse & Franzinelli, 2005; Latrubesse & Stevaux, 2015). No rio Paraná, Argentina, onde o fluxo tem bastante sedimentos, as ilhas têm até 150 anos. E no rio Paraná, Brasil, esta morfologia está representada como paleoilha em meio à planície de inundação com até 14.620 anos AP.

Agradecimentos

Referências

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