Autores

Marques, L.O. (UFJF) ; Vieira, A.T. (UFJF) ; Felippe, M.F. (UFJF)

Resumo

A exploração utilitarista dos recursos naturais vem provocando inúmeros problemas ao meio ambiente, principalmente sobre os recursos hídricos. Deste modo, as nascentes que são elementos de frágil equilíbrio e extrema importância para o sistema ambiental, acabam tendo seu complexo comportamento hidrológico afetado. Mediante a isso, este artigo busca interpretar a influência das chuvas na variabilidade das vazões de oito nascentes situadas no campus da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG. Buscando uma inovação metodológica, propõe-se o monitoramento em três escalas temporais distintas (diária, semanal e mensal), de modo a compreender como as características hidrogeomorfológicas das nascentes condicionam a resposta hidrológica para eventos chuvosos de distintas magnitudes, durações e intensidades.

Palavras chaves

Nascente; Vazão; Precipitação

Introdução

A história do desenvolvimento das civilizações está fortemente vinculada à água e seus problemas (FRANK, 1995 apud LIMA, 2008, p.29), seja enquanto recurso econômico integrante dos processos produtivos, seja como elemento do sistema ambiental, necessário à manutenção da vida. A localização das cidades é prova disso; que geralmente se encontram próximas aos rios, como demonstrado nas “Civilizações Hidráulicas” (DREW, 1986). A apreensão utilitarista dos recursos hídricos, principalmente nos centros urbanos e econômicos, tem promovido intensas pressões sobre a água doce, tanto em quantidade, quanto em qualidade. Devido a isso, se faz cada vez mais necessários o uso de práticas de gestão que visem a proteção do sistema hidrológico (BRIERLEY e FRYIRS, 2005). Desta forma, os estudos a respeitos dos recursos hídricos são extremamente importantes. Assim, o estudo das nascentes também é de grande relevância, pois é através destas é que ocorre a passagem da água subterrânea para a superfície e que conforme Calheiros (2004 apud SILVA, 2009, p. 11), vai dar origem a uma fonte de água de acúmulo, represa ou cursos d’ água, ribeirões e rios. Segundo Felippe e Magalhães Jr. (2012), as nascentes são sistemas ambientais complexos e de grande importância para a manutenção do equilíbrio hidrológico, geomorfológico e antropogênicos da paisagem. Com o intuito de se conceituar as nascentes, levando em consideração toda a sua complexidade, se optou por utilizar o conceito de Felippe (2009, p. 79), no qual as nascentes podem ser entendidas “como um sistema ambiental em que o afloramento da água subterrânea ocorre naturalmente de modo temporário ou perene, e cujos fluxos hidrológicos na fase superficial são integrados à rede de drenagem”. Conforme Pereira et al. (2011), os estudos sobre nascentes ainda são escassos na literatura científica, principalmente quando estes são mais aprofundados. O próprio conceito de nascentes não é bem uniforme e cada pesquisador utiliza a definição mais conveniente para seu estudo, criando várias ideias do que venha a ser uma nascente. Outro problema, é o fato do termo “nascente” não ter o mesmo significado em outros idiomas, gerando assim, uma série de dúvidas e confusões conceituais, além de impossibilitar a comparação entre trabalhos científicos que abordem a temática. Resultando, assim, em uma grande quantidade de trabalhos envolvendo apenas descrições fisiográficas e hidrológicas superficiais (FELIPPE, 2013). A dinâmica das nascentes está atrelada a diversos fatores, tais como: o solo, a vegetação, o aquífero e o clima, juntamente com a ação antrópica e o relevo. Dentre esses fatores, o clima possui destaque, já que este é responsável por recarregar os aquíferos através da precipitação que, por sua vez, fornecem água para as nascentes (HORTON, 1932 apud COLLISCHONN e DORNELLES, 2013; TODD e MAYS, 2005; DAVIES, 1966). Desta forma, então, o fluxo das nascentes apresenta variações sazonais diretamente relacionadas ao clima regional, que se refletem em oscilações na vazão ao longo do ano hidrológico (FELIPPE e MAGALHÃES JR., 2013). Desse modo, o presente artigo tem como objetivo interpretar as variações das vazões das nascentes sobre a influência das chuvas em diferentes escalas temporais – mensal, semanal e diário.

Material e métodos

Área de estudo A área de estudo deste artigo se localiza no campus da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Zona da Mata de Minas Gerais. Encontra-se em um divisor de águas entre os córregos São Pedro e Independência, possuindo várias nascentes que convergem para o Lago dos Manacás e formam, à jusante, o Córrego Independência, que por sua vez, desagua no Rio Paraibuna pertencente à bacia do Rio Paraíba do Sul. O clima de Juiz de Fora, segundo a classificação climática de Köppen, pode ser definido como Cwa/Cwb, sendo o primeiro encontrado na área mais central e urbanizada do município e o segundo clima ocorre na chamada Cidade Alta, área de maiores altitudes e na qual se encontra as nascentes monitoradas. Coleta de dados O período de monitoramento foi de setembro de 2015 a janeiro de 2016, onde foram monitoradas oito nascentes localizadas em diferentes áreas do campus. Ao total foram dez dias seguidos de campo diário do dia 21 a 30 de outubro, além de quatro campos com periodicidade semanal (21 e 28 de outubro e 04 e 11 de novembro), e cinco campos de periodicidade mensal que foram de outubro de 2015 a janeiro de 2016. Assim, em um intervalo total de cinco meses, foi possível traçar interpretações preliminares acerca da dinâmica hidrológica das nascentes em três escalas temporais distintas. Observa-se, que devido à necessidade que se apresentou em trocar as nascentes estudadas, do primeiro campo mensal só foram utilizados os dados de duas nascentes, a UF01 e UF30. O primeiro passo, após a escolha das nascentes, foi fazer um campo de caracterização da área, onde foram classificadas de acordo com um checklist elaborado para essa pesquisa, que contém informações morfológicas e a respeito da vegetação ao redor de cada nascente (fundamentada no trabalho de Felippe (2009)). Feita a caracterização, a vazão começou a ser monitorada. A vazão foi mensurada utilizando o método direto (FELIPPE e MAGALHÃES JR., 2013), por meio de sacos plásticos para a coleta da água e béquer plástico para mensuração do volume de água. O tempo de coleta foi cronometrado, sendo feita três medidas em cada nascente. Posteriormente foi feita a média aritmética para definir a vazão média de cada nascente. É importante, para maior precisão, que as nascentes sejam mensuradas o mais próximo possível do local de exfiltração. Além disso, em todos os campos é necessário que a mensuração seja feita no mesmo ponto para possibilitar a realização de comparações (FELIPPE e MAGALÃES, 2013). Apesar disso, em algumas situações foi inviável seguir tais recomendações devido as limitações do método e as interferências antrópicas em duas das oito nascentes. Tratamento estatístico A interpretação dos dados foi feita através do software Microsoft Excel. Os dados coletados em cada trabalho de campo foram agrupados de acordo com a nascente e o dia da coleta. Foi gerada, para cada dia, uma tabela contendo os valores do Desvio Padrão, Distorção e Vazão Média de cada nascente. Também foram gerados gráficos do acumulado de precipitação, onde foram usadas as vazões médias e dados pluviométricos cedidos pelo LabCAA (Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental) da UFJF, do período de 01 de julho de 2015 à 31 de janeiro de 2016.

Resultado e discussão

O ano de 2015 foi marcado pela ausência de chuvas, sendo considerado um ano seco, diferentemente de 2016, em que o mês de janeiro foi caracterizado pelos altos índices pluviométricos (totalizando 331,4 mm) e com a ocorrência de chuvas de longa duração ou fortes pancadas, influenciando no brusco aumento da vazão de algumas das nascentes monitoradas. Monitoramento mensal O monitoramento mensal consistiu em visitas à campo que aconteceram uma única vez por mês (GRÁFICO 1). Por meio dessa escala temporal, foi possível analisar a dinâmica das nascentes durante a passagem do período seco para o período chuvoso ou úmido. Em setembro, cujo foi o mês de início do monitoramento, há uma lacuna nos dados, pois nem todas as nascentes analisadas foram monitoradas. O mês de outubro de 2015 foi caracterizado pelo baixo regime de chuvas no município de Juiz de Fora, sendo possível constatar claramente uma redução das descargas de algumas das nascentes, como a brusca queda na UF01. Algo similar ocorreu na UF19 que se encontrava seca e na UF21 que apresentou sua menor vazão durante o monitoramento mensal. As nascentes UF09 e UF24 não puderam ser mensuradas pelo método utilizado neste trabalho por causa de suas baixas vazões, já as nascentes UF17 e UF23 se encontravam secas. Entretanto, UF30 e UF21 aumentaram suas vazões em detrimento dos menores acumulados pluviométricos. Comparando o mês de outubro e novembro, houve um grande aumento nos níveis pluviométricos, aos quais as nascentes UF19, UF23 e UF30 responderam; ou seja, tiveram um acréscimo em suas vazões. Esse acumulado de chuva possibilitou a primeira mensuração na UF19 que estava seca no mês anterior e a UF23 não mensurável (drenante, porém, com baixo fluxo, impossibilitando a coleta). No monitoramento de novembro, somente a nascente UF17 permaneceu seca. No mês de dezembro, devido a maior incidência de chuvas, metade das nascentes monitoradas (UF01, UF19, UF21 e UF23) obtiveram um aumento em suas vazões, com destaque para a UF01. Somente a UF30, apesar das chuvas, registrou um débito inferior ao mês anterior. A UF24 estava exfiltrando, mas não sendo possível mensurá-la por ser tratar de uma nascente difusa, ou seja, o afloramento da água ocorre em uma área, formando um brejo e sendo de difícil mensuração. Com a maior quantidade de chuvas, algumas nascentes tiveram as suas vazões aumentadas e consequentemente o fluxo de seus canais de primeira ordem, como ocorrido na UF03 em que seu canal inundou a área à montante da UF09, impossibilitando que esta nascente seja mensurada desde então. No começo de 2016, ocorreu a maior concentração de chuvas, principalmente no período dos dias 11 a 21 de janeiro e nos dias 28 e 29, superando os 300 mm de precipitação ao mês. Nesse último mês, foram registradas as vazões máximas de praticamente todas as nascentes estudadas, em consonância ao acumulado de chuva. Monitoramento semanal O monitoramento semanal (GRÁFICO 2) consistiu em quatro mensurações com intervalo de sete dias entre elas. Ressalta-se que o período entre outubro e novembro foi propositalmente selecionado, por registrar uma mudança significativa no padrão de chuvas. A primeira semana do monitoramento semanal teve poucas chuvas, de modo que somente as nascentes UF01, UF21 e UF30 puderam ser mensuradas. Já as nascentes UF17, UF19 e UF23 se encontravam secas e as UF09 e UF24 estavam drenantes, porém, não mensuráveis. Na segunda semana de monitoramento, devido aos maiores índices pluviométricos, as nascentes UF01, UF21 e UF30 tiveram um aumento em suas vazões e as UF19 e UF23 responderam às chuvas e exfiltraram, porém, ainda não mensuráveis pelo método utilizado. Devido a leve queda nas chuvas da semana do dia 04 de novembro, a nascente UF01 apresentou uma redução na vazão; enquanto as UF21 e UF30, aumentaram suas vazões com destaque para a UF30, demonstrando assim, uma lenta resposta às chuvas. Na semana de 11 de novembro, ocorreu o maior acumulado de chuva dentre o monitoramento semanal, onde a UF01, UF21 e também a UF19 apresentaram um aumento em suas respectivas vazões, além da UF19 que foi mensurada pela primeira vez. Durante todo este monitoramento semanal, pode- se observar que as nascentes UF09 e UF24 se encontraram com baixas vazões, não podendo então, serem medidas e a UF17 que permaneceu seca. Monitoramento diário O monitoramento diário é feito a partir de visitas à campo durante todos os dias e sendo de grande importância, pois através deste é possível analisar como as nascentes se comportam mediante aos eventos chuvosos em um curto intervalo temporal, no caso em questão, se tratando de horas. O monitoramento diário ocorreu entre 21 e 30 de outubro (GRÁFICO 3), neste período registrou-se cinco dias de chuva (22, 23, 27, 28 e 30 de outubro). Assim, no primeiro dia de monitoramento, as nascentes apresentaram baixas vazões ou se encontravam secas ou não mensuráveis. No segundo dia de monitoramento diário (22 de outubro), se registrou os maiores níveis pluviométricos, mas somente as nascentes UF30 e UF19 tiveram resultados positivos, onde a primeira teve um acréscimo em sua vazão e a UF19 que ficou não mensurável e anteriormente se encontrava seca. Já as demais nascentes, a exemplo da UF01, apresentaram baixas vazões que não puderam ser mensuradas. No dia 23 de outubro, a UF01 teve um aumento em sua vazão respondendo assim, à chuva do dia anterior, enquanto UF09, UF23 e UF24 apresentaram uma baixa vazão (não mensurável) e a UF30 registrou uma queda sutil. A falta de chuvas no dia 24 ocasionou uma redução na vazão das nascentes UF01 e UF30 e assim, se iniciou, um “período” de três dias sem chuvas, o que fez a vazão da UF01 cair progressivamente. Com a volta das chuvas no dia 27, a vazão da UF01 reduziu, enquanto a da UF30 subiu. No dia seguinte, aconteceu o inverso do dia 27 e a vazão da UF30 caiu e da UF01 subiu. Porém, nos dias 29 e 30 de outubro com a ocorrência de poucas chuvas, a vazão da UF30 foi acrescida e da UF01 reduzida. Vale ressaltar aqui, que ambas as nascentes se situam na mesma localidade dentro do Campus da UFJF, próximo ao bairro Dom Bosco e que suas águas são utilizadas pela comunidade, o que tem provocado inúmeras alterações nas mesmas. De maneira geral, as nascentes UF09, UF19, UF23 e UF24 permaneceram não mensuráveis durante quase todo o monitoramento diário e a UF17 seca. A UF01 demonstrou responder a um dia após as chuvas e a UF21 apresentou uma vazão bem constante.

Gráfico 1

GRÁFICO 1 – Vazão x Precipitação (mensal). Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 2

GRÁFICO 2 – Vazão x Precipitação (semanal). Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 3

GRÁFICO 3 – Vazão x Precipitação (diário). Fonte: Elaborado pelos autores.

Considerações Finais

As nascentes situadas na UFJF possuem alto grau de influência antrópica. A infraestrutura existente gera grande facilidade de acesso às imediações das exfiltrações, além disso a construção de novos prédios no campus tem ocasionado diversos problemas. Após a realização do monitoramento, foi constatado que mesmo estando próximas umas às outras e possuindo características hidrogeomorfológicas similares, as nascentes do campus apresentam comportamentos hidrológicos diversos. As nascentes UF01 e UF30 apresentaram as mais nítidas respostas à precipitação, sobretudo no monitoramento diário. Tal fato foi percebido também na periodicidade semanal, porém, nas visitas mensais, a UF01 continuou respondendo aos eventos chuvosos de forma mais direta, o que não foi tão nítido na UF30. Com o aumento das chuvas no período úmido e consequentemente, a elevação do nível freático, as nascentes inicialmente secas ou não mensuráveis (UF19, UF23 e UF24) começaram a exfiltrar, respondendo às chuvas. Por outro lado, a UF21 apresentou uma vazão constante na maior parte do monitoramento, o que pode ser relacionado a sua alimentação através do fluxo de base no período seco e somente foi registrado oscilações positivas quando se teve a maior concentração de chuvas, demonstrando assim, uma lenta resposta as precipitações. Ademais, as nascentes UF09 e UF17 não foram mensuradas em praticamente todo o período.

Agradecimentos

Referências

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COLLISCHONN, W.; DORNELLES, F. (2013) Hidrologia para engenharia e ciências ambientais. Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) – Porto Alegre.
DAVIS, S. N. Hidrogeology. New York: 1966.
DREW, D. Processos Interativos Homem - Meio Ambiente. São Paulo: DIFEL, 1986.
FELIPPE, M. F.; MAGALHÃES JR., A. P. Conflitos Conceituais Sobre Nascentes de Curso D’ Água e Propostas de Especialistas. Geografias, Belo Horizonte, vol.9, n°1,2013.
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LIMA, P. V. Hidrologia Florestal Aplicada ao Manejo de Bacias Hidrográficas. São Paulo: ISBN, 2008
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TODD, D. K.; MAYS, L. W. Groundwater hydrology. John Willey & Sons, 2005.