Autores

Osdayan Cândido de Castro, A. (UFF) ; Rodrigues Dias, L. (UFF) ; Ilineu de Carvalho, F. (UFF)

Resumo

O presente trabalho aborda a problemática ambiental de bacias hidrográficas em áreas urbanas, principalmente relacionadas aos impactos na dinâmica fluvial. A cidade do Rio de Janeiro ao longo do seu processo de urbanização presenciou latentes transformações em seu ambiente natural, muitas destas marcadas pela ausência de planejamento territorial e ambiental. O crescimento urbano desordenado provocou problemas de ordem social e física, deterioração do sistema flúvio-lagunar, mudanças no regime das enchentes e proliferação de doenças de vinculação hídrica. Diante desta problemática, este trabalho tem por objetivo de avaliar a dinâmica fluvial de canais em áreas urbanas, em específico os que contemplam a bacia hidrográfica do rio Das Pedras, localizada na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro. Para a elaboração deste artigo foram realizados trabalhos de campo para a obtenção dos dados morfométricos, análise de fotografias aéreas, além da utilização da base de dados do Portal Geo.

Palavras chaves

Bacia Hidrográfica; Dinâmica fluvial; Urbanização

Introdução

A cidade do Rio de Janeiro ao longo do seu processo de urbanização presenciou latentes transformações em seu ambiente, muitas destas marcadas pela ausência de planejamento territorial e ambiental. Diante da necessidade de áreas ocupáveis foi imprescindível à intervenção através de obras de dragagem, retificação e canalização de rios, além de inúmeros aterramentos. A região da baixada de Jacarepaguá exemplifica muito bem esta questão. O crescimento nas últimas três décadas tornou a Barra da Tijuca o setor de maior atração populacional da cidade do Rio de Janeiro. Este aumento resultou em inúmeros impactos ambientais, principalmente no que se refere à poluição hídrica e alteração da dinâmica fluvial da baixada de Jacarepaguá (Silva, 2009). A bacia hidrográfica do Rio das Pedras está inserida nesta problemática, por isso será recorte espacial deste trabalho. Ela está localizada entre os paralelos 22° 56’ e 22° 59’ latitude sul e os meridianos de 43° 20’ e 43° 19’ de longitude oeste (vide figura 1), situada entre as unidades geomorfológicas do Maciço da Tijuca e da Baixada de Jacarepaguá, apresentando elevado desnível topográfico. O Maciço se situa entre as baixadas fluviomarinhas e o litoral, atua como divisor entre as zonas sul, oeste e norte do município do Rio de Janeiro. É o dispersor de águas entre as baixadas da Guanabara e Jacarepaguá. A Baixada de Jacarepaguá é uma área de acumulação de depósitos fluviolagunares que circunda parte do Maciço da Tijuca, esta abriga o baixo curso do rio Das Pedras que deságua na lagoa da Tijuca. A bacia é contemplada apenas por dois afluentes: rio Das Pedras e rio Retiro. Ambos somam a extensão de 10,5 km. A área da sub-bacia é de 10,4 km² englobando três bairros (Jacarepaguá, Itanhangá e Anil) e cinco favelas (Rio das Pedras, Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras, Estrada do Sertão, Araticum e Estrada Quitite), numa população aproximada dos 80 mil habitantes segundo o censo de 2010. A densidade demográfica é de 7,1 mil hab/km², sua distribuição espacial é desigual, pois a ocupação se torna mais concentrada no baixo curso. Na bacia hidrográfica do rio Das Pedras, o crescimento urbano desordenado provocou problemas de ordem social e física, marcada por intenso processo de favelização, deterioração do sistema flúvio-lagunar, mudanças no regime das enchentes e proliferação de doenças de vinculação hídrica. Desta forma, existe a necessidade de pesquisas que busquem avaliar os principais impactos nos corpos hídricos em áreas urbanizadas, como também as consequências decorrentes das modificações do uso solo e nos leitos fluviais, visto que fenômenos de enchentes e movimentos de massa são cada vez mais recorrentes, causando grandes transtornos, perdas econômicas, e, sobretudo, pondo em risco vidas humanas. Neste sentido, este trabalho tem por objetivo principal avaliar a dinâmica fluvial de canais em áreas urbanas, em específico os que contemplam a bacia hidrográfica do rio Das Pedras, localizada na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro. Os objetivos específicos podem ser elencados: (1) Identificar os padrões morfométricos da bacia; (2) Identificar as principais intervenções nos canais fluviais da bacia provocadas pela urbanização; (3) Avaliar o comportamento morfométrico dos canais fluviais da bacia.

Material e métodos

Para facilitar a compreensão do processo construtivo deste artigo, os procedimentos operacionais foram divididos segundo os objetivos específicos: (1) Identificar os padrões morfométricos da bacia; Foram analisados os dados fornecidos pela base geocartográfica do município do Rio de Janeiro, obtida através do Instituto Pereira Passos (IPP). Os perfis longitudinais foram obtidos através do modelo de elevação de imagem fornecido pelo Portal Geo da Fundação GeoRio. A hierarquização dos canais foi idealizada segundo Christofoletti (1980). (2) Identificar as principais intervenções nos canais fluviais da bacia provocadas pela urbanização. Inicialmente foi necessário analisar os documentos obtidos no Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, na Autarquia pública Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro (Rio Águas), na Subprefeitura da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além de reportagens e livros sobre a ocupação na região. Posteriormente, foram verificadas as fotografias aéreas obtidas no Instituto Pereira Passos (IPP), que possibilitou o reconhecimento espaço- temporal das transformações nos canais fluviais da bacia, bem como no processo de urbanização. (3) Avaliar o comportamento morfométrico dos canais fluviais em diferentes pontos da bacia Para avaliar o comportamento dos perfis, foi necessário como condutor das análises a metodologia adotada por Ferreira (1996), que serviu de suporte para as técnicas e equipamentos de campo. A técnica adotada serviu de base nas medições dos perfis transversais dos canais através da metodologia de microtopografia do canal. O trabalho consiste na instalação e nivelamento de estacas nos dois leitos, que serviram de nível de base. As medições foram feitas com uma régua de alumínio de 2 metros com furos, com espaçamento de 20 centímetros. Foi utilizado um parafuso metálico para mediar as profundidades. Todo procedimentos foi realizado em cima de pontes de circulação de pedestres. Durante a coleta de dados, os valores foram anotados numa planilha impressa. Por fim, em gabinete, os dados foram lançados em planilhas digitais do programa Microsoft Excel para a confecção dos gráficos de microtopografia do leito fluvial. Para auxiliar os dados numéricos, foram fotografadas as formas fluviais de deposição dos pontos analisados.

Resultado e discussão

Características Morfométricas Uma das principais contribuições deste trabalho é a obtenção de dados primários referentes às características morfométricas da bacia, visto que não existem estudos detalhados sobre a área. Foram trabalhados os índices básicos de redes de drenagem e hierarquização de canais, perfis longitudinais e transversais, gradiente dos principais canais, desnível topográfico e densidade de drenagem. Segundo Guerra & Cunha (2011 p.233) a rede de drenagem constitui – se pela interligação entre um conjunto de canais de escoamento. Esse sistema fluvial drena uma área que depende de vários fatores como: o regime de precipitações, infiltrações e as perdas com a evapotranspiração. No escoamento tem grande importância à cobertura vegetal e a estrutura geológica, que também controla a disposição dos rios. A bacia está enquadrada em duas unidades geomorfológicas de acordo com a carta geomorfológica do CPRM de 2000. A primeira compreende os Maciços Costeiros, que são relevos montanhosos, extremamente acidentados, localizados em meio ao domínio das baixadas e planícies costeiras. Apresentam vertentes predominantemente retilíneas a côncavas, escarpadas e topos de cristas alinhadas, aguçados ou levemente arredondados, a densidade de drenagem é de alta a muito alta com padrão de drenagem variável, de paralelo a dendrítico, geralmente centrífugo. A segunda refere-se às Planícies Flúvio-Lagunares, que são terrenos argilosos orgânicos de paleolagunas colmatadas. Apresentam superfícies planas, de interface com os sistemas deposicionais continentais e Lagunares. Terrenos muito mal drenados com lençol freático subaflorante. Na bacia do rio Das Pedras foram identificados 18 canais pela base de dados do INEA (Instituto Estadual do Ambiente-RJ), deste montante, apenas dois canais da bacia são considerados de terceira ordem (rio Das Pedras e rio Retiro), 4 foram classificados como de segunda ordem e 12 de primeira ordem. Nos dois canais principais da bacia o desnível topográfico encontrado foi considerável como pode ser obervado na figura 2. No rio Das Pedras a diferença entre a cota da nascente e o exutório é de 800 metros num intervalo de pouco mais de 5 km de curso do rio, muito similar com o valor registrado no rio Retiro, que apresenta uma diferença de 647 metros. Esses valores encontrados podem ser indicadores de potencial energético dos canais, com grande capacidade de transporte em eventos pluviométricos extremos. Outra característica que pode potencializar os eventos de enchentes em bacias hidrográficas é o gradiente do canal, que seria a diferença entre a maior cota da nascente e da desembocadura, dividida pelo cumprimento do canal. Estes dados são apresentados a seguir. O canal 01 (Rio das Pedras) apresenta comprimento de 5.400 metros, desnível de 800 metros, gradiente de 0,15 metros e gradiente 150 metros a cada quilômetro. O canal 02 (Rio Retiro) apresenta comprimento de 5.100 metros, desnível de 647 metros, gradiente de 0,13 metros e gradiente 130 metros a cada quilômetro do canal. Associado ao gradiente, a vazão influencia diretamente na capacidade de carga do canal. A medição de vazão foi realizada em dois pontos da bacia, no alto e baixo curso do rio Das Pedras. No primeiro ponto (alto Curso) a vazão registrada foi de 0,003 m³/s (3 L/s), o que demonstra a pouca energia do canal no momento da análise. No segundo ponto (baixo curso) a descarga registrada foi de 0,016 m³/s (16 L/s). Estes dados foram obtidos sem a incidência de chuvas durante a medição e nem nos dias anteriores. Comparando os dois pontos amostrais, conclui-se que o aporte de vazão no segundo ponto é proveniente do lançamento de esgotos do Condomínio Floresta e da favela de Rio das Pedras. A densidade de drenagem (Dt), que é relação entre o somatório do comprimento dos canais e a área da bacia, foi outro indicador morfométrico investigado. Na bacia do rio Das Pedras foram registrados 18.054 metros de canais correspondendo a uma densidade de drenagem de 1,74 Km/ km², o que demonstra o alto padrão de drenagem e indicador do potencial da bacia em permitir maior ou menor escoamento superficial da água, o que leva a noção da intensidade dos processos erosivos de esculturação dos canais. As bacias hidrográficas em áreas urbanas apresentam diferenças no processo de erosão e deposição fluvial. Na bacia do rio Das Pedras foram identificadas através dos perfis transversais diferenças latentes entre o alto e baixo curso. No alto curso foi registrada uma secção transversal de 16 metros, o canal é mais entalhado, apresentando muitos blocos de rochas, seixos arredondados e presença de mata ciliar. A média de profundidade é de 50 centímetros no nível da água, a seção molhada apresenta apenas 1,5 metros de comprimento. A diferença altimétrica registrada entre o nível da água e as casas é de 1,5 metros. Já no baixo curso, o predomínio é de intensa dinâmica deposiocional, como pode ser observado na figura 03. Foi registrada a profundidade média de 30 cm no leito menor do canal, além de uma pequena diferença de 50 cm entre o nível da água e o arruamento. Este assoreamento do canal é proveniente, principalmente, dos sedimentos oriundos da construção civil, do entulho que é lançado nas margens, do lixo flutuante e da matéria orgânica dos esgotos domésticos. O alto nível de assoreamento do rio compromete a capacidade de transporte da água, retendo sedimentos e provocando o crescimento de plantas aquáticas que intensificam o processo de sedimentação. Esta dinâmica potencializa o extravazamento do canal, o que gera grandes transtornos à população. O processo de urbanização e as principais intervenções nos canais fluviais da bacia. A região iniciou seu crescimento urbano decorrente às obras de drenagem do antigo DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento, além da criação de infraestruturas (estradas, pontes etc.) que favoreceram a ocupação do baixo curso. Desde então, as áreas das encostas foram ocupadas por condomínios, clubes, propriedades rurais e as baixadas pela favela de Rio das Pedras. Esta ocupação ocasionou consequências negativas, como as enchentes, poluição dos corpos hídricos e proliferação de doenças de transmissão hídrica. O conjunto de fatores e impactos nesta bacia traz risco para população local e se torna um desafio para o planejamento urbano. Com o ambiente urbano da região cada vez mais impermeabilizado, os canais fluviais seriam as últimas áreas que permitiriam o escoamento e a percolação da água no solo. Entretanto, as obras de engenharia hidráulica convencional fomentaram, ao longo do tempo, a ocupação das margens dos rios e das planícies de inundação, introduzindo severas intervenções no ambiente fluvial, que na atualidade, são as principais responsáveis pela concentração de vazões. É possível observar através da comparação das fotografias aéreas na figura 04 o intenso processo de urbanização, principalmente no baixo curso. A favela de Rio das Pedras ocupou maior parte das margens do rio, como também a planície de inundação. É perceptível o processo de criação dos canais de drenagem e, posteriormente de ocupação. Desta forma, Cunha (2012) elenca que esta é a comprovação de que as obras de canalização perderam sua função, e que a maneira ideal e sensata para reduzir os riscos hidrológicos (inundação) não se encontra mais nessas obras, mas sim na recuperação e ordenamento dos usos e ocupação das planícies de inundação. Em decorrência do processo de urbanização e modificação dos canais fluviais, os eventos de enchentes são cada vez mais recorrentes na região. Apesar do alto curso da bacia apresentar áreas vegetadas, a combinação de solo espesso, altos índices pluviométricos, elevado gradiente e áreas impermeabilizadas possibilitam o cenário de enchentes e alagamentos.

Mapa de localização da drenagem da bacia do rio Das Pedras

Figura 1: Mapa de localização da drenagem da bacia do rio Das Pedras. Em Fonte: Autores da Pesquisa

Perfil Longitudinal dos rios Retiro e Das Pedras

Figura 2: Perfil Longitudinal dos rios Retiro e Das Pedras. Fonte: Autores da Pesquisa, base de dados da GeoRio

Perfis Transversais do alto e baixo curso do rio Das Pedras

Figura 3: Perfis Transversais do alto e baixo curso do rio Das Pedras. Fonte: Autores da Pesquisa

Urbanização do baixo curso da bacia do rio Das Pedras

Figura 4: Urbanização do baixo curso da bacia do rio Das Pedras. Elaborado pelo autores. Fonte:IPP

Considerações Finais

Este trabalho trouxe como principal contribuição à avaliação das condições dos canais fluviais em áreas urbanizadas. O conhecimento dos fatores morfométricos das bacias hidrográficas, as intervenções nos canais fluviais, bem como o padrão de uso e ocupação do solo são imprescindíveis para o reconhecimento das áreas susceptíveis e vulneráveis aos eventos de enchentes e alagamentos. Todos os dados morfométricos analisados na bacia do rio Das Pedras corroboram para um cenário de extrema vulnerabilidade a estes fenômenos. Para além da suscetibilidade natural da bacia, o processo de urbanização intensificou esta dinâmica, pois para que a ocupação acontecesse foi preciso o desvio e canalização dos rios, criação de canais de drenagem, supressão das margens e ocupação da planície de inundação. Essas alterações associada à favelização da região transformou a área da bacia como principal setor da cidade com doenças de vinculação hídrica. Portanto, o poder público deve realizar amplas ações de ordenamento de ocupação da bacia, fazer um plano de drenagem local para minimizar as enchentes e alagamentos, criar parques de proteção fluvial e áreas de lazer, além de executar campanhas de conscientização da população. Faz-se necessário também uma mudança de paradigma com relação aos canais fluviais em áreas urbanas, no qual o rio não pode ser mais visto apenas como condutor de rejeitos, esgotos e lixo. A qualidade de vida nas cidades depende diretamente da capacidade de ocupar o espaço u

Agradecimentos

Referências

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