Autores

Lopes, F.A. (UFOP) ; Lana, C.E. (UFOP)

Resumo

Este trabalho apresenta dados estratigráficos e topográficos de depósitos cascalhosos encontrados na porção NE do médio curso do rio Paraopeba. Tem-se por objetivo propor uma interpretação desses depósitos com base em características faciológicas, observadas a partir do levantamento estratigráfico e topográficas, confrontando os quadros geomorfológicos atual e pretérito. Objetiva-se também apresentar métodos que possam corroborar as interpretações expeditas referentes à sua gênese. Com base nas características faciológicas e nos modelos de fácies apresentados por Miall (1978) e Walker (1984) os depósitos cascalhosos são interpretados como fragmentos distais e medianos de leques aluviais provenientes da serra da Moeda; entretanto, uma análise focada exclusivamente na topografia atual inviabilizaria essa interpretação, pois os depósitos encontram-se a jusante de interflúvios, sugerindo, numa visão fixista, que os mesmos tenham sido gerados in-situ, a partir de acumulações residuais.

Palavras chaves

Leque Aluvial; Perfil Estratigráfico; Topografia

Introdução

Este trabalho apresenta dados topográficos e faciológicos referentes a depósitos cascalhosos presentes na região nordeste do médio curso do rio Paraopeba. Tratam-se de depósitos sedimentares isolados, interpretados por Barros (2016) como pacotes de natureza coluvial portando, entretanto, clastos arredondados típicos de leito fluvial. Macroscopicamente, compõem-se de material cascalhoso, bem arredondado, por vezes subanguloso, encontrados em topos e meias-encostas de colinas do embasamento cristalino, em cotas sensivelmente superiores a das drenagens atuais. Tais depósitos se encontram entre as coordenadas UTM 582791 e 605674 E e 7780571 e 7763707 N, assentando-se na região oeste do Quadrilátero Ferrífero. As rochas da região foram agrupadas por Alkmim & Marshak (1998) em cinco conjuntos litológicos principais: rochas do embasamento cristalino e do Supergrupo Rio das Velhas, ambas de idade arqueana, rochas do Supergrupo Minas, rochas intrusivas pós-Minas e rochas do Grupo Itacolomi, todas paleoproterozoicas. Na área desta pesquisa, porção NE do médio rio Paraopeba, apenas não afloram as rochas do Grupo Itacolomi. Em termos geomorfológicos, a área em estudo apresenta um relevo de cristas elevadas e escarpas íngremes nas áreas serranas da Moeda, Três Irmãos, Ouro Fino e Rola Moça onde afloram as rochas supracrustais do Quadrilátero Ferrífero. Os Neossolos saprolíticos têm maior ocorrência nas áreas de alta vertente e os Cambissolos são predominantes na baixa vertente, recobertos por vegetação herbácea. Nas áreas topograficamente mais baixas e suavizadas, domínio das rochas granito-gnáissicas do embasamento (Complexo Bonfim), encontram-se os Latossolos e Argissolos. O relevo mamelonar, com colinas de topos arredondados e vertentes convexas, também conhecido por “mares de morro”, abriga uma vegetação densa típica da Mata Atlântica e relativamente preservada, uma vez que parte da Unidade de Conservação do Parque Estadual do Rola Moça está inserida nesta área. De acordo com a classificação proposta por Christofoletti (1980), quanto ao padrão de drenagem, a rede hidrográfica apresenta-se como dendrítica, principalmente onde afloram as rochas do Complexo Bonfim, e assume padrão retangular, onde os cursos d’água estão encaixados em estruturas geológicas. A principal atividade de uso e ocupação do terreno se dá através da explotação do minério de ferro. A presença de minas a céu aberto gera emprego e desenvolvimento regional. Na porção leste existem muitos condomínios horizontais onde vive uma população de classe média-alta atraída pela beleza natural da região. Busca-se, neste trabalho, caracterizar os depósitos sedimentares introduzidos acima com base nas informações levantadas a partir da análise estratigráfica apoiada em informações retiradas de perfis topográficos da área.

Material e métodos

A metodologia para este trabalho consistiu basicamente: • Trabalho de campo para reconhecimento e georreferenciamento dos depósitos presentes na área; • Após a etapa anterior, foram realizados levantamentos estratigráficos e reconhecimento de fácies, utilizando lupa de aumento 20x e cartela granulométrica, para determinar a sucessão dos estilos deposicionais em consonância com os modelos de fácies apresentados por Miall (1978) e Walker (1984); • Os perfis levantados em campo foram representados graficamente no software CorelDraw x7; • Foram feitos perfis topográficos E-W no software global Mapper 15 e editados no software CorelDraw x7, utilizando imagens de SRTM na resolução espacial de trinta metros, para posteriores interpretações topográficas da área e sua relação com os depósitos aluviais estudados.

Resultado e discussão

Durante os trabalhos de campo, foram identificados, fotografados e georreferenciados três depósitos cascalhosos. Conforme a figura 1, tais depósitos estão inseridos às margens de importantes cursos de drenagem da área; o depósito 1 no ribeirão Casa Branca, o depósito 2 à margem do ribeirão Piedade e o depósito 3 no córrego Fundo, em todos foram realizadas análises estratigráficas. Na confecção dos perfis topográficos, foram definidos três cortes longitudinais no intuito de representar as feições de relevo desde a serra da Moeda até o nível de base local, o rio Paraopeba (Figura 1). No levantamento estratigráfico, foram identificados os padrões de estruturas sedimentares, a composição granulométrica, textural e mineralógica (ou petrográfica) das fácies presentes. A seguir serão apresentadas a descrição e interpretação dos três depósitos identificados na área; os códigos das fácies adotados são os mesmos propostos por Miall em 1978 e apresentados na tabela 1. A sucessão faciológica descrita no perfil estratigráfico 1 é constituída pelas fácies Gh e B. A fácies Gh, sobreposta ao saprolito do embasamento, é composta principalmente por fragmentos de quartzito, contendo granitóides e minerais ferrosos subordinados. Tratam-se de sedimentos na fração cascalho, pouco selecionados e com presença de estratificação plana; seus clastos estão imbricados de forma incipiente para SW, sugerindo paleocorrente neste sentido (FIGURA 2). A sucessão faciológica apresentada no perfil estratigráfico 2 é, também, constituída pelas fácies Gh e B. Os clastos da fácies Gh apresentam-se, de forma incipiente, imbricados com orientação SE-NW, evidenciando paleocorrente no sentido NW. Na porção sul do perfil, a fácies Gh está sobreposta ao saprolito do embasamento e a norte, a mesma está sobreposta e sotoposta pela fácies B, descrita posteriormente (Figura 2). A sucessão faciológica do perfil estratigráfico 3, da base para o topo, é constituída pelas fácies Gt e B. A fácies Gt, com fragmentos de quartzito em sua maior parte, está sobreposta ao saprolito do embasamento com presença de estratificação cruzada acanalada. De granulometria na fração cascalho, o material é subanguloso, mal selecionado e com intercalação de níveis finos e exclusivamente hematíticos (Figura 2). Em todos perfis estratigráficos analisados, a fácies B é composta por material de granulometria fina. Nesse material encontram-se grãos maiores, dispersos e subangulosos do arcabouço, com eixos maiores subverticalizados (Figura 2). Com base nas descrições acima e nos modelos de fácies apresentados por Miall (1978) e Walker (1984), as fácies Gh e Gt são interpretadas, respectivamente, como depósitos residuais distais (lags) e preenchimento de pequenos canais de um sistema de leque aluvial (Tabela 1) cuja paleocorrente de direção SW aponta a Serra da Moeda como área fonte. Os leques aluvias configuram um depósito de material detrítico, mal selecionado e com baixo grau de arredondamento provindo de canais fluviais tributários, provenientes das áreas altas adjacentes, que adquirem grande mobilidade lateral em função do desconfinamento do fluxo. Constituem três faixas ou zonas; a zona proximal referente ao ponto de irradiação do depósito, a zona mediana e a zona distal (Silva et al. 2008). A ausência de angulosidade dos sedimentos das fácies Gh deve-se ao retrabalhamento dos sedimentos da superfície do leque por parte de um canal entrelaçado principal ou distributário. Dentre os dois modelos básicos de sistemas deposicionais e correspondentes a associação de fácies para leques aluviais, propostos por Miall (1978), as fácies Gp e Gh ajustam-se ao perfil verticalizado do modelo scott. Esse modelo compreende os depósitos desenvolvidos além do alcance dos fluxos de detritos de leques, com ausência destes, associados a um canal fluvial e em área distal ou mediana da região fonte. Assim, esta porção do depósito é associada a litofácies Gm formando depósitos sobrepostos de barras longitudinais remanescentes das enchentes. Em segundo plano, pode-se incluir as litofácies Gp, Gh, Gt, Sp, St e Sr, depositadas durante períodos mais secos (Riccomini & Coimbra, 1993). O material encontrado nas fácies B é típico de origem coluvionar; matriz de grãos finos suportando grãos maiores e subangulosos do arcabouço, com eixo maior subverticalizado são os principais indícios para tal interpretação. Topograficamente, a declividade de um leque aluvial decresce da cabeceira até a base, formando perfil longitudinal côncavo e transversal convexo (Silva et al. 2008). Com base nas características topográficas da área, em primeiro momento, é incorreto fazer menção aos depósitos existentes como de leques aluviais já que, todos os depósitos identificados estão a jusante de interflúvios, o que inviabiliza a possibilidade de depósito de leque aluvial (FIGURA 3). Portanto, é possível elencar duas intepretações para tais depósitos. A primeira, com base nas características faciológicas, pode-se confirmar que os depósitos são de leque aluvial cujo fluxo se deu em uma paleo-superfície atualmente bastante entalhada pela rede de drenagem. Com base nas características topográficas, a segunda interpretação baseia-se na ideia de que os depósitos são recentes, oriundos dos atuais topos de morro, principalmente daqueles pertencentes ao domínio das rochas granito- gnáissicas do complexo Bonfim. Consenso é de que características como presença de clastos de quartzito, evidências de paleocorrente e congruência entre as fácies encontradas e os modelos propostos por Miall (1978) indicam a proveniência, do material estudado, a partir das rochas supracrustais da Serra da Moeda. Porém, tal afirmação só será confirmada a partir de análises mais aprofundadas devido a existência dos quartzitos arqueanos do Grupo Maquiné justapostos ao Complexo Bonfim, do Supergrupo Rio das Velhas.

Figura 1 -

Mapa de localização da área em estudo, espacialização dos depósitos encontrados e cortes longitudinais dos perfis topográficos, presentes na figura 3.

Tabela 1 -

Classificação das litofácies fluviais para depósitos cascalhosos (Miall, 1978).

Figura 2 -

Perfis estratigráficos dos depósitos encontrados ao longo da área em estudo. Os perfis 1, 2 3 correspondem, respectivamente, aos depósitos 1, 2 e 3.

Figura 3 -

Perfis topográficos E-W da área em estudo com a localização dos principais cursos fluviais e os depósitos encontrados na área.

Considerações Finais

A análise faciológica cotejada à análise geomorfológica trata-se de uma ferramenta relevante para interpretação dos depósitos e consequentemente, do processo evolutivo da paisagem regional. Porém, as discordâncias nas interpretações deixam clara a necessidade de estudos mais aprofundados para uma coesa interpretação/confirmação da gênese de tais depósitos. As próximas fases deste trabalho envolvem a definição da idade dos depósitos por LOE (Luminescência Opticamente Estimulada), bem como a análise da proveniência sedimentar a partir de zircão detrítico. Com essas técnicas será possível atestar definitivamente a proveniência dos sedimentos, bem como a idade mínima de entalhamento da paisagem a partir das supostas rampas topográficas que fizeram a ligação entre a serra da Moeda e cada um dos depósitos aqui estudados.

Agradecimentos

Referências

Alkmim F. F. & MARSHAK S. 1998. Transamazonian Orogeny in the Southern São Francisco Craton, Minas Gerais, Brazil: Evidence for Paleoproterozoic Collision and Collapse in the Quadrilátero Ferrífero. Precambrian Research, 90:29-58.
Barros, L. F. P. Implicações Geomorfológicas e Paleoambientais de Registros Sedimentares Fluviais do Quadrilátero Ferrífero – Minas Gerais. Tese de doutorado em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, 127 p.
Christofoletti, A. 1980. Geomorfologia. 2ª ed. São Paulo: Edgard Blücher, 188p.
CPRM. 2005. Projeto APA Sul RMBH: Geologia. Sérgio L.da Silva (Org.), Eduardo A. Monteiro, Orivaldo F. Baltazar, Márcia Zucchetti - Belo Horizonte.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2010. Carta Topográfica Brumadinho. IBGE: Belo Horizonte. Escala 1:50.000.
Miall A. D. 1978. Facies types and vertical profiles models in braided river deposits: a summary. In: A.D. Miall (ed.) Fluvial sedimentology. Canadian Society of Petroleum Geologists, Memoir 5 597-604p.
Riccomini, C. Coimbra, A. M. 1993. Sedimentação em rios entrelaçados e anastomosados. Bol. IG-USP, Sér. didát. n.6, pp. 01-37.
Silva, A. J. C. L. P. Aragão, M. A. N F. Magalhães, A. J. C (org.). 2008. Ambientes de Sedimentação Siliciclástica do Brasil. São Paulo: BECA BALL Edições, 343p.
Walker, R. G. 1984. Facies Models. 2² ed. Geoscience Canada, reprint series, 376p.