Autores

Santos, R.C. (UFRJ) ; Lima, R.N.S. (UFRJ) ; Marçal, M.S. (UFRJ) ; Sessa, J.C. (UFRJ)

Resumo

Recentemente, análises da forma em planta e da seção transversal de rios vêm sendo amplamente utilizadas para a avaliação de processos fluviais, bem como para descrever trajetórias de ajustes e mudanças operadas em sistemas fluviais. Para o presente trabalho foi realizado o mapeamento da forma, em planta em um trecho do médio curso do rio Macaé (RJ), para os anos 2011 e 2015, além do monitoramento de seções transversais entre os anos 2007 e 2014. Os resultados apresentaram ocorrência de processos de migração lateral e ajustes graduais na geometria da calha para trechos de reconhecida sensibilidade. Os produtos gerados apresentam contribuições importantes para o entendimento da forma e comportamento do canal nesse trecho da bacia, necessários para a interpretação de uma perspectiva futura do rio Macaé em relação a sua capacidade de ajuste, a fim de indicar os locais mais e menos susceptíveis e quais caminhos e ações necessárias para um correto planejamento destes ambientes.

Palavras chaves

Forma em planta do canal; Capacidade de ajuste; Rio Macaé

Introdução

O reconhecimento da gravidade e da dimensão dos impactos ambientais existentes sobre os canais fluviais e suas respectivas bacias hidrográficas tem provocado uma onda de interesse em pesquisas que se relacionam com a gestão dos recursos hídricos. Ao se avaliar as estratégias existentes até meados do século passado, a visão que se tinha sobre os rios era como sistemas desconectados e estáticos, onde os planejadores atribuíam à regulação do fluxo, através da modificação da drenagem, a proposta adequada para restaurar ou recuperar ecossistemas danificados ou destruídos. Mas, desde a década de noventa essas ideias vem dando lugar a uma visão sistêmica sobre os rios, entendendo que estes ocupam um lugar dentro do contexto da paisagem da bacia e, por isso, devem ser entendidos dentro de seu contexto funcional. Nesta perspectiva, compreender a magnitude e extensão dos problemas ambientais nas bacias hidrográficas requerem pesquisas interdisciplinares, mas, sobretudo, interescalares para se alcançar mecanismos e metodologias que de fato contribuam com a preservação e recuperação dos recursos naturais e das suas paisagens. Estudos em geomorfologia fluvial tem concentrado a atenção nas diferentes respostas espaço-temporais dos processos e formas envolvidos a fim de fornecerem informações sobre as trajetórias de ajustes que os canais vêm adquirindo, frente aos diferentes tipos de intervenções nos canais fluviais (naturais e/ou antrópicas). Os vales fluviais são resultantes da interação contínua dos diferentes tipos de processos geomorfológicos em uma bacia hidrográfica, onde as formas e processos fluviais resultantes desempenham funções importantes, podendo inclusive indicar através de suas características e comportamento as áreas sensíveis aos ajustes impostos pelas intervenções no sistema fluvial. Nesse sentido, a avaliação do comportamento dos processos fluviais através dos estudos da forma em planta e de seções transversais ao canal podem contribuir na analise da capacidade de ajustes que os canais estão sendo submetidos, ao longo do tempo. O trabalho tem por objetivo avaliar a forma em planta do canal Macaé entre os anos de 2011 e 2015 e analisar as seções transversais de monitoramento em trecho do rio Macaé localizado na área do médio curso da bacia. Destaca-se que este trecho foi selecionado em função de apresentar-se com comportamento de ajuste diferente em relação aos demais trechos do rio Macaé, conforme indicado por Lima & Marçal (2013). Os resultados apresentados visam contribuir com informações sobre a trajetória de ajustes recentes do rio Macaé. A Bacia do rio Macaé que está inserida em seis municípios do estado do Rio de Janeiro, tendo grande parte da sua área pertencente ao município de Macaé que corresponde a 82% do seu território na bacia. O rio Macaé nasce na Serra do Mar, localmente denominada de Serra Macaé de Cima, em Nova Friburgo, traçando seu percurso no sentido leste-sudeste ao longo de 136 km e desaguando no oceano Atlântico na cidade de Macaé. Os cursos superior e médio apresentam desenho sinuoso, desenvolvido em leito rochoso e acidentado, percorrendo cerca de 70 km e apresentando um desnível de aproximadamente 1.350 m, até atingir a planície aluvionar da bacia. O curso inferior, com a calha retilinizada e alargada, apresenta leito arenoso, com margens pouco elevadas em relação ao nível médio das águas. A área selecionada para o estudo está localizada no médio curso do rio Macaé e imediatamente antes do início da retificação do canal no seu baixo curso (Figura 1).

Material e métodos

O embasamento teórico metodológico está fundamentado na abordagem dos estilos fluviais (Brierley e Fryirs, 2005). Tal arcabouço consiste na classificação de segmentos do rio conforme um conjunto de características geomorfológicas, hidrodinâmicas. Os estudos de Lima e Marçal (2013) identificaram dois estilos fluviais para o trecho em análise na presente pesquisa, a saber: “Vales Sinuosos” e “Meandros Arenosos”. O estilo fluvial denominado “Vales Sinuosos” encontra-se encaixado em um vale confinado por escarpas serranas, cuja sinuosidade condiciona o amortecimento do fluxo, possibilitando a ocorrência pontual de ambientes de acumulação. Este estilo fluvial encontra-se na transição do alto para o médio curso do rio, representando a parte mais a montante do trecho avaliado. O estilo fluvial denominado “Meandros Arenosos” ocorre em uma região de vale não confinado com existência de planícies fluviais. Possui margens ativas, evidenciando processo de erosão nas margens côncavas e um processo de deposição, formando barras de pontal nas margens convexas. A análise dos ajustes geomorfológicos nos estilos fluviais apresentados compreendeu três etapas: 1) Mapeamento do talvegue do canal para os anos de 2011 e 2015 e calculo de deslocamento entre os anos; 2) Índice de Sinuosidade do trecho estudado; 3) Seções transversais de monitoramento. O mapeamento do talvegue do canal, para os anos de 2011 e 2015 foi realizado, a partir de imagens Rapideye (quadrantes 2328726 e 2328727), na escala 1:25.000, adquiridas através do Ministério do Meio Ambiente – MMA. Os mapeamentos foram realizados em ambiente SIG (Sistema de Informações Geográficas) através do software ArcGis 10.1.Para este mapeamento, foram traçadas linhas paralelas quanto ao traçado de ambas às margens, para que fosse gerada uma linha central representativa do talvegue do canal. A partir da criação da linha central do rio Macaé para cada ano, ambos passaram por um tratamento de divisão através da ferramenta ETGeowizard onde foram segmentados em parcelas de 10 metros. Com este dado e a partir da sobreposição das linhas centrais, foi possível o cálculo do deslocamento entre as parcelas próximas e equivalentes de ambos os anos. Assim, chegar aos valores de deslocamento, e com a divisão dos elementos entre os dois estilos fluviais presentes na área analisada, também foram gerados a média e porcentagem representativa do total, para cada estilo. Referente à segunda etapa da análise e baseado no método de Shumm (1963), foram realizados cálculos em ambiente SIG, para a definição do Índice de Sinuosidade da área estudada. Para a realização do cálculo é necessário ter os valores da extensão total do canal, que será dividido pelo valor da distância vetorial, calculada linearmente entre os pontos extremos do trecho, chegando a valores que quando próximos a 1,0 indicam que o canal tende a ser retilíneo. Já os valores superiores a 2,0 sugerem canais tortuosos e os valores intermediários indicam formas transicionais e irregulares. O índice foi realizado para os anos de 2011 e 2015, através dos mapeamentos anteriormente mencionados, fundamentados nas imagens Rapideye O cálculo do índice, assim como quantificação da variação existente entre os anos avaliados, foi efetuado a partir da divisão do trecho do curso analisado, em partes equivalentes a área de cada um dos dois estilos fluviais existente. A terceira etapa a ser realizada para a análise dos ajustes e condição geomorfológica no rio Macaé, é referente às seções transversais de monitoramento, dando continuidade ao trabalho de Marçal (2013). Foram realizados trabalhos de campo, assim como a utilização de um banco de dados previamente existente, necessários para a analise e mensuração da forma, geometria e possíveis modificações do canal, com dados entre os anos de 2007 a 2014, a fim de evidenciar os processos e ajuste que ocorrem no leito e margens do rio Macaé.

Resultado e discussão

O mapeamento em planta do rio Macaé no trecho analisado mostra um comprimento de 41,9 km para o ano de 2011 e 42,6 km para 2015. A partir destes resultados, os delineamentos mapeados foram tratados e segmentados, fornecendo base para a estimativa de deslocamento do trecho analisado, chegando-se ao valor de deslocamento médio entre os anos de 2011 a 2015, de 5 metros. A Figura 1 apresenta a segmentação feita no trecho do rio Macaé, onde as maiores variações ocorreram nas áreas de meandros, evidenciando a predominância da atividade erosiva no canal, ao longo da escala temporal analisada. Os dois estilos fluviais quando analisados separadamente, observou-se que o segmento referente aos “Meandros Arenosos” detém o maior percentual da variação total no rio (Tabela 1), possuindo também uma maior proporção de deslocamento médio, superior em 0,4m quando comparado ao Estilo Fluvial “Vales Sinuosos” (Tabela 2), demonstrando a influência do leito rochoso e das características do vale não confinado sobre as ações e os ajustes que ocorrem no rio Macaé. Na segunda etapa da pesquisa, referente à sinuosidade do canal, os valores alcançados demonstram um aumento do Índice de Sinuosidade em ambos os Estilos Fluviais (Tabela 2), com uma variação de 2,7% (1,85 para 1,9) no Estilo Fluvial “Meandros Arenosos”, e de 1,7 para 1,8 no Estilo Fluvial “Vales Sinuosos”, representando uma variação de 1,1 %. Segundo Schumm (1963), os dois estilos, por estarem com valores próximos a 2, possuem características de canais tortuosos e com alto número de meandros, demonstrando uma capacidade de ajustes laterais e uma dinâmica de movimentação acentuada, principalmente em leitos aluviais com maiores planícies de inundação. Através dos dados coletados em campo e na base de dados, pode-se observar a gradual diminuição das larguras e aumento das profundidades nas seções transversais analisadas (Figura 2). A seção transversal localizada no rio Macaé antes da confluência com o rio Sana, é a única das quatro seções transversais a mostrar um aumento na largura do canal e diminuição da profundidade máxima entre os anos de 2007 e 2014. Isto pode evidenciar uma predominância de atividade erosiva nas margens e deposição no fundo do leito, demonstrado através de uma variação da área absoluta nesta seção a montante da confluência com o rio Sana. Na segunda seção de monitoramento analisada, localizada a jusante da confluência com o rio Sana, o rio apresenta uma diminuição da sua forma em aproximadamente 6 metros e com diminuição da sua profundidade máxima em 0,3 m. Isto pode indicar a relação entre margem-canal, com sinais de avanço da erosão da margem. Nas seções transversais a montante e a jusante do rio D’Antas, há forte relação entre a morfologia do canal e a conexão margem-canal, pois ambas as seções apresentam diminuição considerável da largura do canal, passando de 18 metros para 12 metros na seção transversal a montante, o que representa um deslocamento de 6 metros, e já na seção mais a jusante, houve um deslocamento de 6,5 metros, passando de 35,5 metros para 29 metros. Há predominância de maior entalhamento do canal, tendo em ambas as seções um aumento da profundidade máxima, com variação de 4,5 metros para 5,05 metros a montante, e de 3,5 metros para 3,8 metros a jusante. Isto demonstra um avanço das margens sob o rio Macaé, concentrando o fluxo e aumentando a capacidade de transporte fluvial do mesmo, gerando um maior entalhamento, o que por sua vez, contribui para o auto ajuste do canal na planície, através de uma atividade erosiva e gradual deposição sobre as margens de característica côncava. Estes fatores fazem com que a relação entre canal e margem diminua, o que segundo Christofoletti (1990), possibilita maior e mais rápida movimentação dos meandros que consequentemente, representa uma capacidade maior e muitas vezes necessária de ajuste do leito fluvial. Os resultados apontam tendência quanto à movimentação e ajustes do canal em todo o trecho analisado, principalmente, um maior deslocamento quanto ao trecho referente ao Estilo Fluvial “Meandros Arenosos”, por ocorrer em vales não confinados (Lima & Marçal, 2013). Estas observações ficam ainda mais evidentes através das seções transversais de monitoramento e do Índice de Sinuosidade, que expressam em valores numéricos a intensidade dos ajustes no rio Macaé no curto período de tempo e como a mudança da composição do leito influencia na capacidade de movimentação do canal. Os resultados mostram ainda pequenas respostas do sistema fluvial a modificações ocorridas, e embora sejam respostas complexas devido às muitas inter-relações existentes entre os diferentes componentes do sistema (Charlton, 2008), todas elas ocorrem de forma significativa e gradual, fornecendo bases e dados necessários para uma perspectiva futura do rio Macaé em relação a sua capacidade de ajuste, indicando os locais mais susceptiveis aos ajustes e quais caminhos e ações necessárias para um correto planejamento da bacia hidrográfica como um todo.

Figura 1

Localização do trecho do rio Macaé analisado. Em destaque observa-se os dois estilos fluviais identificados por Lima & Marçal (2013).

Tabela 1

Apresentação de índices morfométricos por estilos fluviais, dos anos de 2011 e 2015: extensão do canal, distância vetorial, e índide sinuosidade.

Tabela 2

Quantificação do deslocamento médio e da taxa de deslocamento dos Estilos Fluviais no trecho analisado do rio Macaé em 100%.

Figura 2

Variação das seções transversais ao canal Macaé, próximo as desembocaduras dos rios Sana e D’Antas, entre os anos de 2007 e 2014.

Considerações Finais

O trecho do rio Macaé analisado demonstrou ajustes, evidenciados pela migração lateral do próprio rio e alterações morfológicas de sua calha. Tais processos podem ser compreendidos como resposta do canal à dinâmica dos processos hidrogeomorfológicos e condicionantes antrópicos da bacia. Dentre os ajustes observados, destaca-se a forte relação entre o canal e suas margens, que demonstra indícios de como o rio Macaé vem se ajustando e que através de índices e quantificações, foi possível observar a sua capacidade de ajuste tanto na sua forma em planta, quanto na seção transversal ao canal dentro do curto período analisado. É importante ressaltar, que embora passe por uma abordagem de escala temporal reduzida, o estudo apresenta contribuições importantes para o entendimento do comportamento e das características existentes nesse trecho da bacia, visando acrescentar junto a pesquisas mais aprofundadas, qual a perspectiva evolutiva do rio Macaé no contexto da sua bacia hidrográfica.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelos auxílios e bolsas concedidos.

Referências

Brierley G.; Fryirs K. Geomorphology and River Management: Applications of the River Styles Framework Blackwell: Oxford, 2005.

Charlton, R. Fundamentals of Fluvial Geomorphology. London: Routledge, 2008. p. 50-115.

Christofoletti, A. Geomorfologia Fluvial. E. Blucher, São Paulo, 1990. 313 p.

Lima R.N.S.; Marçal M.S. Avaliação da Condição Geomorfológica da bacia do rio Macaé RJ a partir da Metodologia de Classificação dos Estilos Fluviais. Revista Brasileira de Geomorfologia 14: 171-179. 2013.

Marçal, M.S. Análise das Mudanças Morfológicas em Seções Transversais ao Rio Macaé - RJ. Revista Brasileira de Geomorfologia 14: 59-68. 2013.

Schumm, S.A. Sinuosity of alluvial rivers on the great plains. Geological Society of America Bulletin. v. 74, n. 9, 1963. p. 1089-1100.