Autores

Queiroz, P.H.B. (UECE) ; Coelho, G.K.S. (FAFIDAM) ; Cavalcante, A.A. (UECE) ; Pinheiro, L.S. (UECE)

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar as transformações morfológicas em barras fluviais no canal do rio Jaguaribe, em seu médio-baixo curso, particularmente no segmento a jusante da barragem do açude Castanhão, entre 1958 e 1988, contribuindo, desse modo, para o entendimento do comportamento de canais fluviais em áreas semiáridas. Para isso, recorreu-se a utilização das ferramentas de sensoriamento remoto, através do uso de fotografias aéreas e softwares de geoprocessamento. Em termos gerais, os resultados indicaram um aumento considerável na quantidade de barras, bem como, na área por elas ocupada entre 1958 e 1988. Esse aumento se deve a fatores de controle de perenização do rio, ou seja, um curso d’água mais regular, proporciona certo controle nos processos erosivos e deposicionais, fazendo com que o rio tenha uma dinâmica sedimentar que propicia a evolução de barras já formadas, o que não acontecia facilmente em 1958 devido as irregulares do curso d’água.

Palavras chaves

canais fluviais; regiões semiáridas; barras fluviais

Introdução

As barras fluviais configuram-se como elementos morfológicos marcantes nos sistemas fluviais e refletem o ajuste nas condições de fluxo e no transporte e deposição de sedimentos do rio em diferentes escalas espaço-temporais. Desse modo, para entender melhor como funciona a dinâmica existente por trás da formação desses depósitos sedimentares vale lembrar que os mesmos devem ser avaliados de acordo com o ambiente no qual estão inseridos. As pesquisas voltadas ao entendimento das feições geomorfológicas fluviais contemplam em sua maioria rios de climas úmidos, ao passo que, os estudos sobre a dinâmica fluvial em climas semiáridos ainda são reduzidos, como é o caso do Rio Jaguaribe no Ceará, principalmente no que se refere à metodologia utilizada. A área de estudo está inserida na bacia do rio Jaguaribe (74.000 km), localizada na porção sudoeste-nordeste do Estado do Ceará, ocupando cerca 50% do território cearense, e representando a mais importante fonte de recursos hídricos superficiais. Considerando a influência significativa de controle da Barragem do Castanhão (concluído em 2002) para o baixo curso, esta pesquisa abrange o trecho do rio Jaguaribe compreendido entre a referida barragem e a passagem molhada de Itaiçaba. Historicamente, o rio Jaguaribe já foi conhecido como o maior rio seco do mundo devido seu fator de intermitência. Tal característica é resultado da associação de duas variáveis: o baixo índice pluviométrico e o domínio dos terrenos cristalinos na região. Como boa parte da água precipitada era escoada rapidamente, seu armazenamento no solo praticamente não existia, tornando-se necessário a construção de diversos tipos de barramentos para fins de perenização do curso fluvial. Em termos gerais, este artigo tem por objetivo analisar as transformações morfológicas em barras fluviais no canal do rio Jaguaribe, em seu médio-baixo curso, particularmente no segmento a jusante da barragem do açude Castanhão, entre 1958 e 1988, contribuindo, desse modo, para o entendimento do comportamento de canais fluviais em áreas semiáridas. De modo específico, pretende-se: 1) mapear as feições geomorfológicas no canal para os anos de 1958 e 1988; 2) comparar o comportamento morfodinâmico das barras entre os anos citados; e 3) quantificar as áreas e números de feições para os respectivos anos.

Material e métodos

De modo geral, a metodologia empregada compreende três etapas especificas e complementares, a saber: 1ª) levantamento bibliográfico e cartográfico; 2ª) mapeamento morfodinâmico das barras fluviais; 3ª) integração dos dados e discussão dos resultados. Inicialmente realizou-se uma revisão bibliográfica acerca da formação de barras de fluviais, a partir de estudos realizados por Church e Jones (1982), Bridge (1993), Charlton (2007).Para isto, foram utilizadas as referências disponíveis (livros, teses) nas bibliotecas da Universidade Estadual Paulista - UNESP; da Universidade Federal de Goiás - UFG, e ao portal do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Meio Ambiente- GEMA, da Universidade Estadual de Maringá- UEM, de onde se obteve periódicos e artigos pertinentes à temática da pesquisa. Em seguida, realizou o levantamento cartográfico. Para subsidiar a produção cartográfica foram utilizadas fotografias aéreas referentes aos anos de 1958 e 1988, cedidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- INCRA e pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará- IDACE, na escala de 1:25.000. Em um segundo momento, foram utilizadas as ferramentas do sensoriamento para realizar o mapeamento morfodinâmico das barras ao longo do rio Jaguaribe. Vale ressaltar que tais fotografias aéreas foram detalhadamente editadas ao longo da pesquisa para que houvesse uma maior exatidão nos resultados que envolvem a observação e quantificação areal das barras. A utilização do ArcGis foi de extrema importância para o estudo, pois somente a partir da análise de imagens através do programa, foi possível identificar inúmeras feições geomorfológicas que se encontravam no canal fluviaL. Para a classificação dos depósitos mapeados utilizou-se a metodologia empregada por Santos et al. (1992). Primeiramente foi realizado o mapeamento das barras nas fotografias aéreas de 1958, e posteriormente, em 1988, separando em dois principais grupos baseados na posição que se localizavam os depósitos no canal que seriam as barras centrais e de pontal. Estas também foram diferenciadas com relação à fixação, sendo arenosas ou em processo de fixação. Essa separação foi feita para dois fins de observação: o primeiro, diz respeito à análise de sua movimentação, isto é, o deslocamento que poderia ocorrer de 1958 para 1988, e o segundo se refere à tendência de fixação que a barra teria neste intervalo de tempo. A terceira etapa consistiu na integração e interpretação das informações obtidas com o mapeamento. Para entender melhor como as barras se comportaram de um ano para o outro de análise, tornou-se necessário medir a área (Km²) que essas feições geomorfológicas recobriam, possibilitando observar o aumento e/ou redução das barras em número e área entre 1958 e 1988.

Resultado e discussão

Partindo do pressuposto de que as políticas voltadas para o controle da perenização do rio Jaguaribe se deram em sua maioria por volta dos anos de 1960 e com maior incidência na década de 1980, tem-se uma noção de como o fator antrópico, aqui voltada para a introdução de barramentos ao longo do rio, alteraram de forma expressiva sua dinâmica fluvial e, consequentemente, a formação e evolução das feições geormorfológicas no canal. Entre 1958 e 1988, foi possível observar mudanças significativas na dinâmica do rio. Se em um primeiro momento (1958) o rio Jaguaribe era considerado intermitente, devido fatores naturais (terrenos cristalinos e irregularidade pluviométrica), em um segundo momento (1988) este se encontrava em processo de perenização (política de açudagem). Como resultado da influência que os fatores ambientais, juntamente com a intermitência do rio no período de 1958 tiveram em sua dinâmica fluvial, foi possível observar que as barras mapeadas nesse ano não eram tão bem definidas como àquelas visualizadas no ano de 1988. A realidade visualizada com o mapeamento de 1958 mostra, de forma clara, as características de intermitência do canal, vista principalmente sob a forma de um canal morfologicamente mal definido e irregular. Baseado na análise das imagens é possível constatar que nesse período (1958), o leito molhado era muitas vezes indefinido, e o canal visto como um grande leito de areia, dificultando a diferenciação entre o leito e as barras em vários trechos. Por sua vez, no que se refere ao ano de 1988, onde o rio já se encontrava mais perenizado (tendo posteriormente um leito molhado mais regular e continuo), as barras encontram-se melhor definidas, a exemplo das barras em pontal. Foi observado ao longo do rio que algumas barras se localizavam na parte côncava do mesmo, diferindo do que a literatura afirmava como padrão. No entanto, ao comparar as imagens de 1958 e 1988 é possível constatar que o local diferenciado da barra em 1988, nada mais é do que o resultado de uma mudança no curso do rio. O que em 1988 se identificava como uma barra na parte côncava foi em 1958 uma barra de pontal, como pode ser visto na figura 1. Além das barras em pontal, o estudo também buscou analisar as barras centrais ao longo do rio Jaguaribe. As barras centrais mapeadas no ano de 1958 apresentaram mudanças significativas em número e área, quando comparadas ao ano de 1988. A maior parte destas se transformaram em barras de pontal, sendo que outras deixaram de existir (foram carreadas), ou formaram outras barras em localizações diferentes. Acredita-se que essa grande mudança nas barras centrais tenha como principal justificativa o padrão morfológico mais contínuo que se encontrava o rio em 1988. Seu curso, agora mais regular do ponto de vista morfológico, começa a abandonar certos locais por onde passava e começa a definir outros, como pode ser visto na figura 2. Outra diferenciação que foi feita para fins de análise, engloba tanto as barras em pontal como as centrais, que seria a distinção entre barras arenosas e barras em processo de fixação. As barras arenosas são constituídas basicamente de material arenoso, onde as mesmas possuem uma maior instabilidade no que diz respeito a sua fixação, isto é, são mais susceptíveis a mudanças. Já as barras em processo de fixação, que também são formadas em sua maioria por material arenoso, tem uma maior resistência aos processos erosivos, dado o fato de que as mesmas possuem vegetação (geralmente gramíneas). A partir do mapeamento morfodinâmico, foi possível constatar que as barras em fixação no ano de 1958 tiveram a tendência de continuar tal processo, visto que em 1988 a maioria encontrava-se totalmente fixada ou em um processo mais intensivo de fixação, como pode ser observado na figura 3. De modo geral, é possível constatar um aumento considerável na quantidade de barras centrais e em pontal, bem como, na área por elas ocupada entre 1958 e 1988. Em 1958 foram observadas 522 barras ocupando uma área de aproximadamente 47,7 km², ao passo, que em 1988 ocorreu um aumento expressivo para 994 barras, ocupando uma área de 50,8 km². As barras centrais arenosas em 1958 totalizavam 315, ocupando uma área de 2,4km², ao passo que em 1988 essas feições apresentam um aumento significativo, totalizando 786 e ocupando uma área de 3,9 km². Em 1958 foram observados 4 barras centrais em processo de fixação, ao passo que em 1988 essas feições totalizavam 6, ocupando uma área de 2,6 km². As barras em pontal, por sua vez, também apresentaram um aumento na quantidade entre 1958 e 1988. Em 1958 foram observados 178 barras em pontal arenosas ocupando uma área de 30 km², ao passo que em 1988 essas barras totalizavam 180, ocupando uma área de 32,1km². As barras em pontal em fixação, apesar de ocuparem a mesma área entre 1958 e 1988 (12 km²), apresentaram diferença quantitativamente. Em 1958 foram constatadas 25 barras em pontal em processo de fixação, ao passo que em 1988 ocorreu um declínio nesse tipo de feição. Em termos gerais, esse aumento no número de barras entre 1958 e 1988, já era previsto devido a fatores de controle de perenização do rio já citados anteriormente, ou seja, um curso d’água mais regular do ponto de vista morfológico, proporciona certo controle nos processos erosivos e deposicionais, fazendo com que o rio tenha uma dinâmica sedimentar que propicia a evolução de barras já formadas, o que não acontecia facilmente em 1958. Ainda levando em conta a maior quantidade (seja no número de feições ou na área) de barras em pontal arenosas, é possível presumir que o nível de sinuosidade do rio tenha aumentado de um ano para outro, visto que, um aumento na quantidade de barras em pontal evidencia a capacidade do rio em formar meandros. As barras centrais e em pontal em fixação apresentaram uma diminuição, tanto em quantidade quanto em área. Esse declínio a princípio converge com uma afirmação feita anteriormente, de que as barras em fixação tinham a tendência de continuar tal processo tornando-se fixas. Como as barras em fixação em 1958 tinham a tendência de continuarem esse processo até o ano de 1988, uma pequena parte dessas barras realmente se fixou, não se encontrando mais na categoria “em fixação”, explicado o motivo da diminuição observada no segundo ano de análise. O que parecia uma negação da teoria afirmada se tornou somente uma constatação da mesma.

Figura 1

Mudança no curso do rio provocou a formação da barra na parte côncava em 1988.

Figura 2

Mudança de barra central para barra em pontal

Figura 3

Barra fluvial em processo de fixação

Considerações Finais

A formação e evolução das barras fluviais em rios semiáridos, tomando aqui como exemplo o rio Jaguaribe, estão diretamente condicionados pelas fortes variações de descarga, que por sua vez,comandam os processos erosivos e sedimentares na área. Assim, em períodos chuvosos, sob intensas condições fluxos, há mobilização de materiais das margens para o canal (em função da degradação da vegetação), contribuindo para a formação de barras que se retrabalham ativamente durante as cheias .Por outro lado, a evolução dessas feições geomorfológicas tem ligação quase que direta com a introdução de barramentos, levando em conta o fator de perenização do rio. No que diz respeito às barras em fixação, tanto de pontal como centrais, a tendência é que ao longo dos anos estas continuem esse processo até se tornarem totalmente fixadas. No caso das barras centrais, poderá haver uma mudança de barra para ilha, salvo em casos de pluviometria acima das normais (enchentes) que podem ocasionar a erosão desse material. Cabe ressaltar que a aplicação da metodologia de Santos (1992) mostrou-se parcialmente eficiente, tendo em vista que, esta pesquisa considerou no mapeamento apenas as barras laterais e centrais. Desse modo, torna-se necessário o desenvolvimento de estudos que considerem as diferentes tipologias de barras (quanto a associação, geometria/ forma) em rios semiáridos , tendo em vista as condições hidroclimáticas especificas e os efeitos dos barramentos na dinâmica sedimentar da área.

Agradecimentos

Referências

BRIDGE, J. S. The interaction between channel geometry , water flow, sediment transport and deposition in braided rivers. In: BEST, J.L.; BRISTOW, C.S. (eds), Braided Rivers. Special Publications of the Geological Society of Londom 75, 1993. p.13-71.

CHARLTON, R. Fundamentals of Fluvial Geomorphology. Rutledge: London, 2243p, 2007.

CHURCH, M.; JONES, D. Channel bars in gravel-bed rivers. In: HEY, R.D.; BATHURST, J.C.; THORNE, C.R. (eds). Gravel bed rivers. Chichester, Wiley, 1982. p.291-338.

SANTOS, M. L. S; FERNANDEZ, O. V. Q; STEVAUX, J. C. Aspectos morfogenéticos das barras de canal do rio Parará, trecho de Porto Rico, PR. Boletim de Geografia, 1992. v.10, n.1, 1992.