Autores

Allan-silva, G. (INSTITUTO DE GEOGRAFIA UFU) ; Queiroz, J.S. (INSTITUTO DE GEOGRAFIA UFU) ; Silva, R.E. (INSTITUTO DE GEOGRAFIA UFU) ; Rodrigues, S.C. (INSTITUTO DE GEOGRAFIA UFU)

Resumo

A Serra da Canastra possui franca contribuição para as bacias hidrográficas dos rios Paraná e São Francisco. Os índices pluviométricos elevados no verão permitem o funcionamento de cursos fluviais perenes. Este fato, além de outros, foi relevante para a criação do Parque Nacional da Serra da Canastra. Neste âmbito, estudos hidrogeomorfológicos se tornam cada vez mais importantes, especialmente, nas áreas de topo, onde a infiltração tem papel fundamental para que a água seja disponibilizada, contribuindo para a manutenção dos canais. Ademais, a compreensão da dinâmica hidrológica desta área depende de um aprofundamento relativo às dinâmicas recorrentes ao nível da vertente. Duas campanhas de campo possibilitaram analisar a dinâmica de entrada e saída de água em duas vertentes na Serra da Canastra, no Chapadão do Diamante. Verificou-se que a estrutura litológica e os processos de transporte e deposição em vertente são preponderantes na dinâmica da água em superfície e subsuperfície.

Palavras chaves

hidrogeomorfologia; Infiltração; Exfiltração

Introdução

Entre as áreas de interesse da Geomorfologia, os esforços relativos a compreensão das vertentes, suas dinâmicas e evoluções, são importantes por fornecer uma série de conhecimentos que compreendem desde sua forma, estrutura, atuação de elementos naturais ou os impactos humanos. Estas condições incidem na evolução da paisagem, fornecendo um importante arcabouço de conhecimentos para melhor entender processos que se dão nesta escala de análise. As análises em nível de vertente permitem compreender uma série de relações existentes entre os processos geomorfológicos e as estruturas basais. Em ambientes tropicais, a água assume um papel singular uma vez que, sua atuação na superfície e subsuperfície são responsáveis pela alteração das formas do relevo podendo também ser influenciadas por estas formas (GURNELL; GREGORY, 1995; SCHEIDEGGER, 1973). Partindo da premissa que a geomorfologia se ocupa do estudo das características físicas da superfície da Terra e suas formas e que a água tem importante contribuição em diversas fases desta continua transformação, cabe a hidrogeomorfologia papel de destaque nestes estudos. A hidrogeomorfologia, proposta por Scheidegger (1973), se ocupa da interface entre os processos hidrológicos e as dinâmicas superficiais. Posteriormente, aos estudos iniciais deste ramo do conhecimento, foram sugeridos por (Okunishi, 1994, apud GOERL; KOBIYAMA; SANTOS, 2012) que as dinâmicas hidrológicas associadas as dinâmicas no nível da vertente deveriam ser o principal foco dos estudos de hidrogeomorfologia. Assim os processos relativos à fase terrestre do ciclo hidrológico são causadores de alterações na superfície e subsuperfície e podem contribuir para evolução da paisagem (GOERL; KOBIYAMA; SANTOS, 2012). Processos erosivos, transportes e depósitos, de origem hídrica, infiltração, exfiltração e direcionamento de fluxos são alguns dos exemplos a serem estudados pela hidrogeomorfologia. Áreas voltadas à conservação de elementos bióticos e abióticos constituem cenários privilegiados para investigação de processos hidrogeomorfológicos, em condições naturais, uma vez que apresentam vertentes com pouca ou nenhuma intervenção antrópica. Fatores estes que permitem ao pesquisador observar em campo a funcionalidade da vertente na dinâmica hidrológica, desde a inserção de água no sistema pela precipitação, seu escoamento ou infiltração, a exfiltração e funcionalidade dos canais, sejam perenes ou temporários. A Serra da Canastra é um exemplo desta realidade, localizando-se a sudoeste do estado de Minas Gerais. Fatores como a beleza cênica, preservação e diversidade de fauna e flora do cerrado e presença de nascentes de importantes rios foram determinantes para a criação do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC), em 1972, que é uma importante Unidade de Conservação (UC) brasileira. O parque estende-se por 197.787 hectares distribuídos nos municípios de São Roque de Minas, Sacramento, Delfinópolis, São João Batista da Glória, Capitólio e Vargem Bonita, sendo compartimentado por duas grandes áreas: Chapadão da Canastra e Chapadão da Babilônia (MESSIAS, 2014). Deste modo, o presente trabalho se ocupa de um estudo preliminar na dinâmica hidrogeomorfológica em duas vertentes na Serra da Canastra, mais precisamente no chapadão diamante, área esta que abriga as principais nascentes históricas do rio São Francisco. Para tanto foram considerados as condições de infiltração e exfiltração nas vertentes estudadas em trabalho de campo realizado na estação chuvosa. Por conta da importância deste parque no cenário brasileiro, o estudo realizado busca compreender a dinâmica hidrogeomorfológica (infiltração e exfiltração) em duas vertentes, no PNSC.

Material e métodos

O presente estudo se baseou na realização de duas campanhas de campo no Chapadão Diamante, na serra da Canastra, nos dias 18 e 19 de fevereiro de 2016. As vertentes foram escolhidas conforme conhecimentos prévios relacionados a outras campanhas de campo e material cartográfico produzido relativo à declividade, hipsometria, geologia e geomorfologia. Utilizou-se um GPS da marca Garmin, linha GPSmap 62sc para anotações dos pontos de analise. As vertentes estudadas apresentam distinção em suas formas. A primeira delas exibe afloramentos de rochas quartzíticas em caos de blocos com diferentes dimensões e níveis topográficos, sendo que, o seu perfil topográfico foi traçado do interflúvio até o inicio até uma cabeceira de drenagem. A segunda vertente apresenta um relevo mais suavizado e existência farta de murundus, tendo o perfil delimitado do divisor topográfico (estrada) até a planície fluvial do córrego Retiro das Posses. A figura 1 apresenta nos resultados as vertentes abordadas no estudo. Foram avaliadas as condições destas vertentes, quanto ao material superficial, bem como as condições de drenagem destas áreas. Para tanto foram observadas as formas das vertentes, as áreas com potencial para dispersão ou concentração de fluxos. Também foram realizadas tradagens e abertas trincheiras, de modo a permitir a observação dos materiais superficiais e subsuperficiais, sobretudo, os possíveis deslocamentos de água no perfil. Desta maneira, através da análise e descrição em campo, foi possível estabelecer correlações entre os materiais superficiais inconsolidados e as rochas aflorantes, que, por sua vez, condicionam a dinâmica da água em nível superficial e subsuperficial.

Resultado e discussão

A litologia presente na área de estudo condiciona a dinâmica da água em superfície e subsuperfície. A Serra da Canastra apresenta arranjo geológico bastante complexo, o que dificulta o estabelecimento completo da estratigrafia regional (CHAVES, M. L. S. C.; BENITEZ, L.; ANDRADE, 1972). A estrutura geológica do parque exibe quatro diferentes grupos: Araxá, Canastra, Bambuí – datados do pré-cambriano e Bauru – datado do Mesozoico, conforme apresentado na figura 2. Na área de estudo, a litologia presente é do Grupo Canastra, caracterizado por um conjunto intercalado de quartzitos e filitos não muito espessos. O pacote tem deposição em granulometria decrescente da base para o topo, sendo que, na base há contribuições de quartzo-filitos, quartzitos micáceos, quartzitos e ortoquartzitos (PEREIRA et. al., 1994, p. 24). Para Ross (1985) a Serra da Canastra é considerada como uma serra residual originada no soerguimento da faixa de dobramentos de Brasília, em que, os topos são relativamente planos com presença de quartzitos intercalados por filitos. Nesse tipo de rocha, menos resistente à erosão, é comum a ocorrência de encaixados. Nas porções de topo encontram-se três blocos rochosos orientados no sentido NW-SE: bloco Canastra (porção norte), bloco Babilônia (intermediário) e bloco sul (MMA/IBAMA, 2005). É no bloco Canastra que se desenvolveu o estudo, pois, nele ainda distinguem-se os chapadões Zagaia e do Diamante, sendo, este último e local onde se realizaram analises. É neste chapadão que localiza a nascente histórica do rio São Francisco. As distinções entre os chapadões são facilmente percebidas por conta do escarpamento das feições com até 200 metros de ruptura de declive, com presença de afloramentos quartzíticos. Em termos geomorfológicos, as unidades das Serras da Canastra se são estruturadas pelos Patamares da Serra da Canastra, com presença de cristas e chapadas, configurando os pontos mais elevados da serra, que chega a 1400 metros de altitude (RADAMBRASIL, 1983). As depressões entre os vales derivam de fraturas e falhas além da presença de rochas menos resistentes ao intemperismo, comparado aos quartzitos, por exemplo, os xistos do grupo Canastra e até mesmo os filitos. Estas características possibilitam a configuração de uma rede de drenagem extremamente controlada pelas estruturas rochosas e com representativo poder erosivo. Após episódios chuvosos é notável a capacidade de arraste de sedimentos (MMA/IBAMA, 2005). As análises nas vertentes que fundamentaram este estudo tiveram como base uma descrição das vertentes no que se refere à diferenciação de material litológico. Por meio dos afloramentos ou por tradagens e escavações de trincheiras, foi possível distinguir as ocorrências, hora de quartzito ou filito. A figura 3 apresenta a vertente 1. Nesta área os quartzitos são aflorantes devido à maior resistência ao intemperismo, se comparado aos filitos entremeados. Desta forma, nota-se que as rochas ricas em sílica funcionam como patamares na vertente e embasam os depósitos mesmo que incipientes dos produtos gerados pelo transporte em vertente. Nas áreas cujos embasamentos favorecem depósitos, em perfis de 50 a 100 centímetros de profundidade, é comum observar uma grande quantidade de água, configurando um sub lençol freático, ou seja, uma característica de solo saturado em profundidades muito rasas.A figura 4 exibe a vertente 2. Esta área apresenta declividade bastante suavizada e a grande quantidade de murunduns condicionam um sistema de exfiltração peculiar. Na maioria dos casos, imediatamente abaixo dos murunduns ocorre exfiltração de água, mesmo que em pequenos volumes.

Figura 1

Parque Nacional da Serra da Canastra: vertentes estudadas

Figura 2

Geologia no Parque Nacional da Serra da Canastra

Figura 3

Características da vertente 1

Figura 4

Características da vertente 2

Considerações Finais

Os estudos de vertentes são muito importantes para analisar a dinâmica da água, de modo que os processos ali desenvolvidos são importantes no desenvolvimento das paisagem e podem incidir nas abordagens de gestão do território, sejam em demandas de uso e ocupação ou na preservação destas áreas. As características das duas vertentes avaliadas se diferenciam por conta da influencia da rocha quartzítica enquanto base, dificultando a infiltração da água, e consequentemente, facilitando sua exfiltração. As implicações destas características podem ser notadas nas paisagens, ali encontradas, e em futuros estudos podem revelar novas informações na constituição da complexa hidrogeomorfologia daquela região.

Agradecimentos

O presente trabalho está sendo realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico / Brasil (404648/2012-6). Agradecimentos à CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa de doutorado.

Referências

CHAVES, M. L. S. C.; BENITEZ, L.; ANDRADE, K. W. Cachoeira da Casca D ’ Anta , São Roque de Minas , MG. 1972.
GOERL, R. F.; KOBIYAMA, M.; SANTOS, I. DOS. Processos E Aplicações Hydrogeomorphology : Principles , Concepts , Processes and Aplications. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 13, n. 2, p. 103–111, 2012.
GURNELL, A. M.; GREGORY, K. J. Interactions between semi-natural vegetation and hydrogeomorphological processes. Geomorphology, v. 13, n. 1-4, p. 49–69, set. 1995.
MESSIAS, C. G. Mapeamento das áreas suscetíveis à fragilidade ambiental na Alta Bacia Do Rio São Francisco, Parque Nacional da Serra da Canastra – MG. Campinas: [s.n.].
MMA; IBAMA. Plano de Manejo: Parque Nacional da Serra da Canastra. Brasília: 2005
PEREIRA, L. F.; DARDENNE, M. A.; RISIÈRE, C. A.; PEDROSA-SOARES, A. C. Evolução Geomorfológica dos grupos Canastra e Ibiá na região entre Coromandel e Guarda-Mor, MG. In.: Geonomos, v. 2, n. 1, 1994. p. 22-23.
RADAMBRASIL. Levantamento de recursos naturais: folhas SF 24-25 – Rio de Janeiro de Vitória, v. 32. Rio de Janeiro: Divisão de publicação, 1983. 775 p.
ROSS, J.L.S. Relevo Brasileiro: Uma nova proposta de classificação. Revista do Departamento e Geografia, n. 4, 1985.
SCHEIDEGGER, A. E. Hydrogeomorphology. Journal of Hydrology, v. 20, p. 193–215, 1973.