Autores

Gonçalves, Y. (UFSC) ; Oliveira, M. (UFSC)

Resumo

Este trabalho constitui estudo de caso referente a movimento de massa do tipo rastejo (creeping), que ocorre na vertente do morro do Benjamim, no município de São José - SC. Esse fenômeno e processos erosivos associados foram observados desde sua provável origem, por meio de análise histórica (utilizando fotointerpretação e imagens de satélite), bem como pela verificação de dados de vertente e de solo, tais como a geometria de encosta e densidade aparente do solo, para abordar o processo erosivo.

Palavras chaves

Rastejo; movimento de massa; processos erosivos

Introdução

Este trabalho visa demonstrar resultados obtidos no trabalho de conclusão de curso que porta o mesmo título, no qual foi abordado estudo de movimento de massa que ocorre em vertente na localidade conhecida como morro do Benjamin, no município de São José, Santa Catarina. O objeto de estudo foi definido em função da ocorrência frequente de rastejo no local de estudo. Movimentos de massa são muito estudados em áreas tropicais, onde a ocorrência de deslizamentos constituem uma das principais causas de desastres ambientais registrados. Contudo, os movimentos lentos, como o caso dos rastejos (creeping), não recebem a mesma atenção. Com a crescente utilização dos Sistemas de Informação Geográfica (SIGs), inúmeros trabalhos sobre mapeamentos de movimentos de massa são executados, mas poucos são os que abordam o fenômeno rastejo. Este trabalho busca contribuir para estudos de movimentos de massa lentos, ao retratar estudo de caso que ocorre em área de clima subtropical. Esse estudo de caso foi importante em função de buscar avaliar o eventual risco ao qual se expõem as casas situadas na baixa encosta do local estudado, uma vez que os rastejos, de modo geral, podem evoluir para formas erosivas mais complexas, incluindo escorregamentos. A vertente analisada está localizada na bacia do rio Forquilhas, onde diversos estudos e mapeamentos sobre desastres naturais já foram realizados, porém com o foco em inundações ou escorregamentos. O rastejo identificado não foi objeto de nenhum estudo específico, aparecendo apenas como área de fragilidade nessas pesquisas. O estudo foi desenvolvido de modo a atingir os objetivos listados a seguir: Caracterização da área de estudo, levantando dados geológicos (embasamento e depósitos), geomorfológicos (domínio geomorfológico e tipo de vertente), climáticos (pluviosidade e insolação); Realização de análise histórica da vertente por meio de fotointerpretação; Caracterização dos movimentos de massa e/ou cicatrizes erosivas verificadas no local, dando ênfase ao movimento do tipo rastejo, que propomos como hipótese do tipo de erosão que existe na área; Caracterizar o modelado, levando em consideração sua geometria; Realização de prospecção de campo e coleta de amostras para determinar a densidade aparente do solo; Ênfase na influência da retirada da vegetação e do uso pastoril existente. Ao fim deste trabalho, propõem-se medidas mitigadoras, visando minimizar e/ou solucionar a evolução do movimento de massa.

Material e métodos

De início, utilizou-se a fotointerpretação para estabelecimento de análise histórica da vertente, levantando as principais modificações ocorridas quanto à cobertura vegetal e exposição do solo ao longo do tempo. Essa análise foi realizada com base na metodologia de Soares e Fiori (1978), apresentada no manual técnico de Geologia do IBGE. As fotografias aéreas foram obtidas em meio digital, com apoio do laboratório de geoprocessamento da UFSC, já ortorretificadas e georreferenciadas, disponibilizadas pela Prefeitura Municipal de São José. As fotografias aéreas utilizadas são do tipo vertical em preto e branco ano de 1978, e coloridas de 2001 e 2011. As fotos de 2001 foram tiradas das faixas 8 e 9 e possuem escala 1:8000. Essas fotos foram realizadas pela empresa Aeroimagem S/A Engenharia e Aerolevantamento, outubro de 2001, faixas 01 a 12, de Leste para Oeste e tomada Norte/Sul. Foi utilizada ainda a análise de imagens de satélite retiradas do programa Google Earth. As imagens foram obtidas em 01/08/2009. Uma pesquisa qualitativa foi realizada junto aos moradores do bairro para determinar o período aproximado do início do processo erosivo. Foram desconsideradas as respostas dos moradores que se mudaram para o local nos últimos 10 anos, considerados recentes, restando 15 moradores entrevistados que residem no bairro há mais de 20 anos. Todos os moradores relataram que perceberam o fenômeno entre 1995 e 2000. Associada a essa abordagem histórica, foi realizada análise de dados pluviométricos, através de dados fornecidos pela EPAGRI/CIRAM/INMET. Foram disponibilizadas as médias mensais em milímetros dos anos de 1911 a 2013 completos, e 2014 até o mês de abril. Os totais pluviométricos de 1911 a 2011 foram coletados na estação convencional de São José - SC (Grande Florianópolis) de localização latitude: 27°36'07''S e longitude: 48°37' 11''W, altitude: 1,84 metros; e de 2011 a 2014, coletada pela estação automática São José - SC (Grande Florianópolis), latitude: 27°36'07''S longitude: 48°37'11''W, altitude: 1,84m. Os gráficos foram gerados a partir das tabelas organizadas no programa Office-Excel 2010. Os dados foram preparados, utilizando os parâmetros estatísticos da média e desvio padrão. Gráficos de índice de erosividade de chuva também foram gerados, a partir das médias dos índices para o período destacado. Esse índice pode ser obtido a partir da equação de Fournier (1960), que indica a capacidade da chuva de causar erosão na vertente. A fórmula é: Elm= p²/P onde Elm= índice de erosividade (mm); p²= precipitação média mensal; P= precipitação média anual. (FOURNIER, 1960 apud MOLINARI, 2007) Amostras pontuais foram coletadas em campo, com anel volumétrico, para medição, em laboratório, da densidade do solo, tal como descrito no manual de métodos de análise do solo da Embrapa (2007). A medição da densidade do solo visa avaliar variações dessa propriedade sobre a encosta estudada, de modo a definir eventuais condições de compactação de solos de superfície associados ao pisoteio realizado pelo gado e à criação de escoamento superficial ao longo da encosta afetada pelo processo erosivo. Foram confeccionados mapas e perfis da vertente estudada para melhor compreensão de sua geometria. Os mapas foram gerados a partir de curvas de nível de um em um metro, da bacia do rio Forquilhas em arquivo Shapefile, disponibilizados pelo laboratório de geoprocessamento da UFSC, e confeccionados no programa Arcmap 14 10.1. Os perfis em 3D e 2D foram gerados a partir das mesmas curvas de nível nos programas Microstation e topografh respectivamente.

Resultado e discussão

O estudo do movimento de massa do tipo rastejo identificado no morro do Benjamim nos levou a indicar como causa mais provável a elevada inclinação verificada ao longo da vertente estudada. Ao longo da vertente, o processo parece ter sido potencializado pela presença de gado que, por meio dos caminhos de boi e do adensamento do solo acelerara a formação de escoamento superficial, formando linhas de escoamento ao longo dos eixos de drenagem. Igualmente o eventual efeito da pluviosidade foi ressaltado, associado à elevação do volume mm médio/anual precipitado durante as duas últimas décadas. O uso da terra para atividades agropecuárias desde os anos 1950 teve como principal efeito um prolongado período de exposição do solo à erosão, devido basicamente a dificuldade de a vegetação se regenerar pela presença do gado que dela se alimenta, propiciando a compactação do solo, através do pisoteio. Além disso, a presença do gado contribuiu para a criação de caminhos por onde a água passa a escoar lateralmente até atingir os eixos de drenagem, formando uma rede de escoamento superficial em formato similar à espinha de peixe, como pode ser observada na Figura 01. A influência da pluviosidade constante ao longo do ano (Fig. 02) mantém ativo o processo erosivo. A erosão nessas condições de pluviosidade tende, provavelmente, a ser acelerada por agentes que apressam o rastejo, formando degraus. O verão mais chuvoso representa a estação com maiores índices erosivos por águas pluviais. Os últimos 30 anos apresentaram, ainda, incremento das taxas pluviais que, aliado à declividade (Fig. 03) acentuada encontrada na média vertente, vegetação rarefeita devido à pressão de pastejo e pisoteio do gado, tende a acelerar o processo erosivo e, possivelmente, desencadear a movimentação do rastejo. Na área de estudo o solo aparenta ser raso já que em diversos trechos a rocha aflora. A geometria da vertente no morro do Benjamim é caracterizada por altas declividades, que dificultam provavelmente a formação de solos profundos. Nesses setores mais íngremes da vertente, o processo de rastejo pode ser visto como mecanismo natural para estabilização da encosta. A alta inclinação da vertente, associada à alta pluviosidade do período de formação das feições erosivas proporcionam condições para o surgimento de movimentos rápidos de água e de solo, em geral associados a movimentos de massa do tipo escorregamento. Porém, provavelmente em função da espessura relativamente pequena dos solos locais, movimentos desse tipo ocorrem de forma localizada, e possuem dimensões reduzidas, de poucos metros de largura e profundidade, em geral associados a rupturas de declive nos setores mais inclinados da encosta. O perfil estudado demonstra que a dinâmica de escoamento superficial da água é determinada por eixos de drenagem que se estabelecem ao longo da vertente, em função das altas declividades. Esses eixos de drenagem formam setores (fig. 04) de vertente côncava, onde ocorre a concentração do escoamento pluvial. Esses setores são separados por setores convexos, que formam pequenos “interflúvios”, reorientando o escoamento para os eixos côncavos de drenagem. Os escorregamentos verificados acontecem, principalmente, nos eixos côncavos da vertente, provavelmente associados à concentração do escoamento em superfície e à saturação dos solos em subsuperfície. A influência do gado foi verificada em toda a vertente, e dá-se devido a transferência de massa propiciada pelos animais ao longo da encosta. Em geral, esses animais (bovinos e equinos) têm o hábito de transitar pelos mesmos caminhos, grosseiramente definidos de “curvas de nível”, de modo a reduzir o impacto da marcha sobre o seu sistema ósseo-muscular. Esse deslocamento cria, assim, os chamados "caminhos de boi", onde os solos tendem a ser compactados no decorrer do tempo. Por intermédio do resultado da análise da densidade do solo e da observação em campo (Fig. 04), pode-se inferir hipóteses associadas à dinâmica erosiva da vertente. Da relação da geometria com a densidade de solo com a declividade, percebe-se: a) nos setores convexos o gado promove maior adensamento em locais menos inclinados, provavelmente em função de a superfície apresentar maior estabilidade para a marcha; b) nos setores côncavos, segmentos de maior inclinação são os mais adensados, provavelmente devido ao impacto mecânico, já que esses setores formam superfícies de transição entre convexidades mais íngremes e eixos de concavidade, propiciando a aceleração dos corpos em marcha e gerando maior adensamento do solo. Consequentemente, a presença do gado gera fontes de escoamento superficial ao longo de trilhas de geometria convexa, acelerando o escoamento superficial através do adensamento do solo, que diminui a capacidade de infiltração. Já nas áreas côncavas o pisoteio pelo gado produz a concentração da água de escoamento nas proximidades de eixos de drenagem. Como resultado da interação entre geometria, presença de gado, densidade do solo e tendência de aumento pluviométrico ao longo do tempo, tem-se uma dinâmica que envolve toda a vertente, na qual a geometria influencia o trajeto do gado que, por sua vez, compacta o solo. O solo adensado dificulta a presença da vegetação e infiltração da água pluvial, resultando em um aumento de escoamento superficial pela vertente estudada.

Figura 01

Degraus de rastejo que promovem escoamento superficial lateral da água pluvial em direção aos eixos de drenagem vertente abaixo. Yanna 2014

Figura 02

Apresenta em A1 e B1 tendências cíclicas e aumento de frequência de anos acima da média pluviométrica e índices erosivos e em A2 e B2 variação anual.

Figura 03

Declividade na área de estudo. Notar encarte cuja área corresponde ao quadrado delineado sobre o mapa. Yanna 2014

Figura 04

a)Convexidade e concavidade existente na área de estudo. Em b) e c) relação de gradiente de inclinação x Densidades do solo. Yanna 2014

Considerações Finais

Por fim, como hipótese geral resultante deste trabalho, pode-se dizer que a distribuição da geometria da vertente no local, associada ao clima, à história de uso da terra (cobertura vegetal de porte arbóreo deu lugar a gramíneas de pasto) e à presença do gado, são os principais responsáveis pela ocorrência do movimento de massa do tipo rastejo no morro do Benjamim. O movimento de massa estudado ocorre em solos relativamente rasos, e parece ser acentuado pelo pisoteio do gado, gerando ainda processos erosivos associados ao redirecionamento da rede de escoamento pluvial local sobre a encosta. Provavelmente, a manutenção da vertente sem a influência de gado, ou de qualquer outra ação antrópica (deposição de lixo, incremento de água por esgoto ou vazamento, retaludamento da base da encosta, por exemplo) alteraria o equilíbrio dinâmico em que a vertente se encontra, podendo gerar o restabelecimento de cobertura vegetal mais densa, e evitando maiores riscos às construções existentes na baixa encosta.

Agradecimentos

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