Autores

Donaire de Santana, A. (UNESP) ; Rodrigues Nunes, J.O. (UNESP)

Resumo

Na vertente, elemento dominante do relevo, está materializada grande parte da degradação ambiental provocada pelas sociedades, com destaque para a erosão acelerada. Por isso, este trabalho procurou analisar os resultados parciais da técnica de paliçadas (EMBRAPA, 2015) como forma de controle de sulcos e ravinas em uma propriedade rural de Regente Feijó/SP. A análise textural (EMBRAPA, 1997) dos sedimentos retidos nas paliçadas constatou que cada amostra apresenta mais de 80% de fração areia na sua composição, representativo das características geológicas, geomorfológicas e pedológicas da área, bem como de uso e ocupação dos frágeis solos arenosos. Assim, apesar de o gado transitar a área onde as paliçadas foram montadas, os resultados são considerados satisfatórios: diminuição da velocidade cinética das águas pluviais, retenção de parte considerável de sedimentos e desenvolvimento da gramínea Brachiaria decumbens nas sacarias degradadas e nos sedimentos depositados a montante.

Palavras chaves

vertente; erosão acelerada; paliçadas

Introdução

O relevo, moldado ao longo do tempo geológico pela ação das forças endógenas e exógenas, apresenta grande variação de suas características morfoestruturais e morfoesculturais ao redor do globo. O aparecimento e consolidação da espécie humana como maior transformadora dos ambientes, notadamente a partir da complexificação das relações socioeconômicas trazidas com a Revolução Industrial, exige a necessidade de analisar, também, as dinâmicas sociais que contribuem com o desequilíbrio das forças naturais na transformação do relevo. Ross (2012) considera que a sociedade cria e reordena os espaços físicos com a construção e/ou implementação de equipamentos indispensáveis ao seu modo de vida. Essas modificações “[...] alteram o equilíbrio de uma natureza que não é estática, mas que apresenta quase sempre um dinamismo harmonioso em evolução estável e contínua, quando não afetada pelos homens.” (ROSS, 2012, p. 12). Para Casseti (1991) o relevo constitui para as sociedades um recurso natural e, portanto, deve ser tratado sob a ótica antropocêntrica. Assim, os estudos que envolvem a apropriação que as sociedades fazem do relevo devem incorporar as questões de ordem social, econômica e cultural. Ainda para o autor, o elemento dominante do relevo é a vertente, sendo moldada, eminentemente, pela ação do clima (pluviometria) e pelas ações humanas; é nela “[...] que se materializam as relações das forças produtivas, ou seja, onde ficam impregnadas as transformações que compõem a paisagem.” (CASSETI, 1991, p. 54). Dentre as transformações, a erosão acelerada é um dos reflexos mais expressivos da interferência humana nas vertentes. O uso inadequado da terra, aliado às características físicas, têm intensificado o quadro erosivo, a perda e o depauperamento dos solos, bem como a poluição e o assoreamento da rede hidrográfica. Daí a necessidade de compreender sobre quais bases se dá a ação humana nas vertentes, analisando as características naturais, sociais e econômicas responsáveis pela degradação ambiental. A partir desse levantamento, podem- se propor estratégias de intervenções para conter o avanço das erosões, dirimindo os impactos negativos. Neste sentido, o presente trabalho apresenta os resultados parciais da pesquisa desenvolvida no mestrado, que analisa os resultados da implementação da técnica de paliçadas construídas com bambus, sacos preenchidos com solo e outros materiais. A técnica tem sido efetivada em diversas propriedades rurais do oeste paulista; e o pressuposto é que possibilite a estabilização do quadro erosivo com a diminuição da energia cinética das águas pluviais, o desenvolvimento da vegetação nas sacarias e nos sedimentos depositados a montante. A técnica foi implementada em uma pequena propriedade rural no noroeste do município de Regente Feijó/SP, localizado no oeste paulista, inserido na morfoestrutura da Bacia Sedimentar do Paraná e na morfoescultura do Planalto Ocidental Paulista (ROSS; MOROZ, 1996). A rocha do Grupo Bauru, que constitui o substrato geológico de Regente Feijó, são os arenitos formados no Cretáceo Superior e que originaram as Formações Adamantina, Marília, Santo Anastácio e Caiuá (GUERRA; CUNHA, 2001), além dos materiais inconsolidados do Período Quaternário e do Quinário (materiais tecnogênicos). Segundo o Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo (ROSS; MOROZ, 1996), escala 1:500.000, predominam, na maior parte do território regentense, as colinas amplas e baixas, cotas altimétricas que variam entre 300 e 600 metros, e declividades dominantes de 10 a 20%. Os Argissolos Vermelho – Amarelos e os Latossolos Vermelhos, originados da pedogênese das rochas areníticas da Formação Adamantina, são predominantes. Assim, a construção dos barramentos se efetivou a partir do estudo prévio das características de uso e cobertura da terra da propriedade, bem como das características físicas, o que é fundamental para analisar os resultados dos barramentos, suas potencialidades e fragilidades.

Material e métodos

A revisão bibliográfica, os diversos trabalhos de campo e as entrevistas semiestruturadas foram imprescindíveis para compreender os aspectos naturais e a história da propriedade rural onde foi implementada a técnica de paliçadas. Em março de 2015, a técnica foi implementada em uma área da propriedade cujo terraço foi rompido, originando sulcos e ravinas. Oito barramentos foram montados em pontos previamente determinados, ao longo do sentido de escoamento das águas pluviais. O período a que se refere essa análise compreende março de 2015 a fevereiro de 2016. A técnica é uma adaptação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 2015). Os materiais utilizados na montagem das barreiras foram os seguintes: bambus e madeiramento para cerca, além de sacos preenchidos com solo, cavadeira, arame e enxadão. A primeira etapa de montagem das paliçadas consistiu no corte dos bambus e seu posterior transporte até a área do terraço rompido. Em seguida, os bambus foram cortados, as barreiras foram montadas, sacos de suplemento mineral bovino foram preenchidos com solo retirado das imediações. Posteriormente, os sacos foram posicionados a montante de cada barramento. Tendo em vista entender a textura dos sedimentos contidos a montante das paliçadas, realizou-se a coleta e a posterior análise granulométrica de sete amostras. Não foi possível fazer a coleta de sedimentos em uma das paliçadas do “Setor 1”, pois houve desmoronamento da alcova de regressão onde a mesma se localiza. Esta análise revelou a porcentagem de areia, silte e argila de cada amostra, o que possibilitou inferir apontamentos sobre as características dos solos da área, bem como a correlação com as características de uso e cobertura da terra. Os procedimentos para a coleta do material e a análise laboratorial seguem as convenções estabelecidas pela EMBRAPA (1997), valendo-se do método da pipetagem. A classificação textural foi obtida através do triângulo para classificação das classes texturais do solo, adotado pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e proposto pelo United States Department of Agriculture (U.S.D.A.). Os totais pluviométricos foram obtidos por meio de pluviômetro presente na propriedade rural, cujos registros foram realizados pelos proprietários e repassados ao pesquisador. Essa etapa permitiu estabelecer relações entre a quantidade de precipitação e a retenção de sedimentos nas paliçadas e, assim, inferir apontamentos sobre sua efetividade no controle das erosões.

Resultado e discussão

Na propriedade rural onde foram montadas as paliçadas, colinas com declividades superiores a 20% são recobertas por pastagens que servem para a criação de gado de engorda. Nesta propriedade, as práticas agropecuárias inadequadas pretéritas e presentes, como o plantio de café, amendoim, algodão e a criação de gado, foram/são responsáveis pelo avanço das erosões e a perda da capacidade produtiva. Para minimizar o problema, sugeriu-se a técnica de paliçadas e sacarias de ráfia preenchidas com solo, em virtude do baixo custo de implantação, além de sua eficácia no controle dos processos erosivos, conforme mostra a Figura 1. Drugowich et al. (2012) consideram que o rompimento de terraços e o consequente estabelecimento de erosões a partir do pisoteio do gado é uma constante em áreas de pastagens. Ressaltam que o gado, por hábitos imanentes a espécie, procura se deslocar para as áreas de drenagem dos vales para dessedentação; por se deslocar sempre pelo mesmo caminho, cria “trilhas” que atravessam os terraços, compactando suas cristas, provocando rompimento e criando canais de escoamento concentrado das águas pluviais, o que dá origem às erosões (DRUGOWICH et al., 2012). Apesar de o gado transitar a área onde as paliçadas foram montadas, os resultados podem ser considerados satisfatórios até o momento. A gramínea Brachiaria decumbens se desenvolveu ao longo dos meses. Além disso, ficou evidente o acúmulo de grande quantidade de sedimentos a montante da maior parte das barreiras, o que comprova que as sacarias auxiliam na contenção dos sedimentos carreados durante as precipitações. Na Figura 2, é possível acompanhar a evolução têmporo-espacial de algumas paliçadas. As imagens assinaladas com o número 1 são correspondentes ao dia 17/04/2015, aquelas assinaladas com o número 2 correspondem ao dia 26/09/2015, e as assinaladas com o número 3 foram sacadas no dia 17/02/2016. Transcorridos cerca de seis meses, observa-se que as sacarias posicionadas a montante das paliçadas se deterioraram, permitiram o brotamento de gramíneas e acumularam grande quantidade de sedimentos. Após dez meses (Figura 2 – imagens de número 3), a gramínea Brachiaria decumbens consegue se desenvolver satisfatoriamente, em virtude do considerável volume de precipitação registrado, principalmente na primavera e verão. Entre 30/06/2015 e 16/02/2016, registrou-se 1446 mm de precipitação, considerado acima da média para os padrões regionais, já que a média pluviométrica anual é de cerca de 1200 mm. Os resultados da análise laboratorial das amostras de sedimentos retidos a montante dos barramentos podem ser visualizados na Figura 3 e permitem fazer considerações sobre as características naturais, bem como de uso e ocupação da terra na propriedade rural. As amostras apresentaram mais de 80% de fração areia na sua composição, sendo classificadas como areia franca e areia. As inúmeras visitas de campo, o trabalho empregado na montagem das paliçadas, o estudo das características geológicas, geomorfológicas e pedológicas da área, bem como de uso e cobertura da terra, já permitiam inferir essa característica textural constatada na análise laboratorial. Assim, os arenitos da Formação Adamantina, que formam o substrato geológico da área de estudo, deu origem aos solos com predominância de classe textural arenosa, como os Latossolos e Argissolos. Além disso, há porções do espaço em que a camada de solo é menos espessa e o arenito está mais próximo à superfície, o que, aliado as características do histórico de uso e cobertura da terra, conformaram um quadro em que os horizontes A e B do solo, que já eram superficiais, foram removidos, deixando exposto o horizonte C e os arenitos da Formação Adamantina, já fortemente intemperizados. Neste sentido, a posição dos barramentos, já no final da vertente ocupada por pastagens, ajuda a conter os sedimentos carreados de montante. Cabe salientar que, além do pastoreio, a compactação provocada pelo pisoteio constante do gado facilita o escoamento superficial e impede o desenvolvimento da gramínea, de forma que esta perde sua capacidade de diminuir os efeitos do splash das gotas de chuva e o transporte de sedimentos presentes nessa área de solo tão frágil. Assim, o transporte de sedimentos arenosos ocorre de forma pronunciada e reflete os resultados apresentados na Figura 3. Após oito meses de implantação, houve a necessidade de manutenção das paliçadas, notadamente a reposição de parte das sacarias preenchidas com solo, deterioradas pela ação das intempéries. Havia sacarias nas quais a vegetação se desenvolvera satisfatoriamente, como mostrado anteriormente. Porém, em alguns barramentos a vegetação não conseguiu se desenvolver e novos canais de escoamento se formaram em suas laterais, pois a água da chuva procura o caminho mais fácil em seu percurso pela superfície. Apesar da eficácia das paliçadas, a técnica apresenta algumas fragilidades. Um dos barramentos, apesar de conter grande quantidade de sedimentos, não conseguiu suportar a força das águas pluviais, que escavaram suas laterais (Figura 4). Neste sentido, dependendo das características da área onde a paliçada for implementada: sentido, velocidade e intensidade de escoamento das águas pluviais, maior ou menor cobertura de gramínea (ou outro tipo de vegetação) e capacidade de resistência do solo, o barramento não conseguirá impedir esse solapamento lateral. É preciso considerar, ainda, que a realidade na qual o pequeno produtor rural está inserido impôs adaptações para a implementação das paliçadas. Isso porque, o gado continua tendo acesso ao local, o que impede a regeneração e o adensamento da gramínea. A rotação de pastagens permitiria o manejo mais racional nessas áreas cujos solos apresentam maiores fragilidades, mas o trabalho, que demanda vigor físico e assessoria técnica, é um impedimento de ordem prática que essa população idosa enfrenta no cotidiano do campo. Portanto, as limitações apontadas e vivenciadas em campo já eram previstas, pois a realidade é muito complexa e apresenta uma diversidade de situações com as quais o pesquisador deve adaptar-se.

Figura 1

Localização da área de estudo e posição das paliçadas na vertente que apresenta o terraço rompido

Figura 2

Evolução têmporo-espacial das paliçadas do “Setor 1” (superior) e do “Setor 2” (inferior)

Figura 3

Resultados da análise textural

Figura 4

Evolução têmporo-espacial da paliçada 3 (“Setor 2”): 1 (17/04/2015); 2 (26/09/2015)

Considerações Finais

A apropriação do relevo pelas sociedades tem provocado impactos negativos que desequilibram as dinâmicas naturais, como a erosão acelerada, responsável pela perda de solos agricultáveis, bem como pela contaminação e assoreamento da rede hidrográfica. Por isso, faz-se necessário fomentar a adoção de práticas agropecuárias que sejam adequadas às características físicas e químicas dos solos. Além disso, buscar formas de controlar a erosão já constituída é importante para estabilizar as vertentes degradadas. Assim, a técnica de paliçadas se constitui como alternativa de baixo custo de implementação. A técnica foi implementada em um terraço rompido de uma propriedade rural de Regente Feijó/SP, área fortemente antropizada e de predomínio de solos com classe textural arenosa. Mesmo com alguns problemas enfrentados em campo, como o trânsito do gado, os resultados parciais apontam para sua efetividade na diminuição da velocidade cinética da água, na contenção de grande parte dos sedimentos, além da recomposição da gramínea, que funciona como barreira natural ao escoamento concentrado das águas pluviais. Portanto, em que pesem os percalços encontrados em campo, e de algumas fragilidades da técnica de paliçadas, é importante fomentar iniciativas que procuram aliar teoria e prática na solução e/ou minimização de problemas materializados no espaço geográfico.

Agradecimentos

Este trabalho conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.

Referências

BRASIL. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Manual de Métodos de Análise de Solos. 2. ed. Rio de Janeiro, 212p. Il. (EMRAPA – CNPS. Documentos; 1), 1997.

______Forma de controle da erosão linear. Disponível em:
<http://www.cnpma.embrapa.br/unidade/index.php3?id=243&func=unid>. Acesso em: 10 mai. 2016.

CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991.

DRUGOWICH et al. Projeto para a recuperação de áreas degradadas a partir de diagnóstico da situação atual no Estado de São Paulo. Disponível em:<http://www.cati.sp.gov.br/integrasp/docs_tecnicos/ProjetoRecAreasDegradadas%2010_12.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2015.

GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. Erosão dos solos. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (Orgs). Geomorfologia do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertarnd Brasil, 2001. p. 181-227.

ROSS, J. L. S. Geomorfologia: ambiente e planejamento. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

ROSS, J. L. S.; MOROZ, I. C. Mapa geomorfológico do Estado de São Paulo. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n.10, 1996. p. 41-56.

SOIL SURVEY STAFF. Soil survey manual. Washington: USDA, 1951 (USDA. Handbook, 18), 503p.