Autores

Petsch, C. (UFRGS) ; Rosa, K.K. (UFRGS) ; Vieira, R. (UFF) ; Ribeiro, H.M. (UFF) ; Simões, J.C. (UFRGS)

Resumo

O objetivo deste artigo é investigar a dinâmica de transporte e modificação dos sedimentos de duas bacias de drenagens em ambiente periglacial na Península Fildes, Antártica. Em fevereiro de 2015 foram coletadas amostras sedimentares em transectos ao longo de dois vales formados pela atividade glacial, analisando-se e comparando-se suas características a granulométricas e o índice C40. A análise granulométrica e a análise do índice C40 evidenciam registros de intemperismo físico retrabalhando os grãos localizados no vale 1 voltado para o sul, com fraturamento dos grãos e, movimento gravitacional de detritos pela alta declividade. No vale 2 evidencia-se a presença de musgos e valores menores de C40 e maior arredondamento indicando modificação por intemperismo químico in situ, além da presença de argila no setor jusante da vertente. Estes processos evidenciam a dinâmica de modificação dos grãos em ambientes periglaciais determinada pela localização e configuração dos vales glaciais.

Palavras chaves

geomorfologia glacial; ambiente periglacial; sedimentologia

Introdução

A Península Fildes apresenta-se como uma área importante a ser monitorada pois representa uma das áreas livres de gelo de maior extensão (área de 1.8 km²) na Antártica Marítima, sendo considerada uma área Especialmente Protegida (ASPA 125) desde 1966 em concordância com o Protocolo de Madrid (SSFC, 2009). A geologia da área é representada por espessas camadas de basaltos andesíticos intercalados com rochas vulcanoclásticas, fazendo parte de importante evento vulcano-sedimentar relacionado a processos de subducção meso-cenozóicos do assoalho do Oceano Pacífico, sob a Península Antártica (BIRKENMAJER, 1982). Evento vulcânico semelhante também ocorreu no Eo- Terciário (BIRKENMAJER, 1982). Muitos vales glaciais na península Fildes encontram-se livres de gelo desde fases de deglaciação no Holoceno e ainda desde a Pequena Idade do Gelo (HALL, 2007) e os depósitos sedimentares submetidos a condições de retrabalhamento por processos paraglaciais e relacionados ao ambiente periglacial. A morfologia dos grãos reflete a forma original do fragmento ao ser liberado na rocha de origem, a sua estrutura e durabilidade, a energia de transporte e deposição, a distância e o tempo de transporte (BENN e BALLANTYNE,1994). Além disso, os sedimentos podem ter sido retrabalhados. Sendo assim, o estudo da morfoscopia possibilita a identificação dos ambientes sedimentares,bem como a reconstrução da história de transporte, erosão e deposição dos depósitos glaciais (BENN e BALLANTYNE, 1994). O objetivo deste artigo é investigar a dinâmica de transporte e modificação dos sedimentos de duas bacias de drenagens com características diferentes em ambiente periglacial na Península Fildes, Ilha rei George, Antártica.

Material e métodos

As atividades de campo foram realizadas no verão de 2015 na península Fildes (Ilha Rei George, Antártica). As 7 amostras foram obtidas em pontos de altitude diferentes em duas bacias periglaciais da Península Fildes. As amostras sedimentares foram coletas com uma pá, em pequenas cavidades, a fim de evitar o material meteorizado da superfície, na quantidade de 100 gramas e acomodadas em sacos plásticos, contendo o código de cada amostra. Em cada local de coleta foram anotados pontos de controle de GPS (altitude e coordenadas), fotografia com escala e observação do ambiente de entorno (orientação, tamanho do deposito, matriz). Os sedimentos foram analisados no laboratório de sedimentologia do CECO (Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica - UFRGS) e no Laboratório do Centro Polar e Climático para determinar a distribuição granulométrica e características morfoscópicas. Foram elaborados gráficos ternários para representar a distribuição granulométrica de cada amostra e histogramas para analisar se o comportamento é unimodal, bimodal ou multimodal da distribuição.Estes dados foram processados com métodos estatísticos, usando os softwares EXCEL, GRADISTAT e TRI-PLOT obtendo-se assim a distribuição percentual das classes texturais dos sedimentos segundo a escala de Wentworth (1922). A forma do clasto foi definida pela dimensão relativa dos três eixos ortogonais, chamados a (maior), b (intermediário), e c (menor) (HUBBARD e GLASSER, 2005). O índice RA (% dos clastos angulosos) foi plotado em relação ao índice C40 (% de clastos cujo eixo c/a é < 0.4) na forma de gráficos de dispersão. Este método proporciona distinguir os sedimentos transportados ativamente dos transportados passivamente na geleira, além de quantificá-los (BENNET et al., 1997), sendo assim, útil para discriminar ambientes glaciais (BENN e BALLANTYNE, 1994).

Resultado e discussão

Os pontos de coleta e a localização dos vales 1 e 2 estão demonstrados na Figura 01. Figura 1 Análise granulométrica Esta análise objetivou medir a distribuição do tamanho dos grãos das amostras, a qual é evidenciou ser fortemente influenciada pela litologia original e também pela história dos sedimentos, pois ela é produto dos processos geradores dos mesmos. Processos pós deposicionais modificam a distribuição original do tamanho dos grãos de um depósito, assim como destaca Lewis e Mcconchie (1994). Desta forma, os resultados da distribuição granulométrica foram base para a interpretação dos ambientes deposicionais dos sedimentos. A amostra A do vale 1 (Figura 02), possui característica trimodal com uma porcentagem de 64% de cascalho, 35% de areia e 1% de argila, na alta vertente com altitude de 164 metros. Há 624 metros abaixo na vertente, têm- se a amostra B, também com característica trimodal, 71% de cascalho e 27% de areia e 2% de argila na altitude de 25 metros. A amostra C, 400 metros abaixo, na altitude de 6 metros, é unimodal, moderadamente selecionada com 99% de areia e 1% de argila. O ambiente deposicional do vale 1 apresentou características de retrabalhamento pela ação da água de degelo na área jusante com deposição moderadamente selecionada e composta basicamente por areia, onde os sedimentos mais finos (argila) foram transportados para o mar. É importante destacar que entre o ponto A e B houve uma diferença de altitude de 139 metros e aumento da porção de cascalho evidenciando um arrancamento de material pela ação glacial anterior, sendo que possui áreas rochosas íngremes susceptíveis a movimentos de massa, tais como fluxo de detritos dos materiais intemperizados. Os setores de acumulação de neve que perduram por mais tempo no verão estão inseridos junto as vertentes orientadas para o sul na península, caso deste vale 1 onde o intemperismo físico é mais evidenciado. Figura 2 Na alta vertente do vale 2 (Figura 3), a amostra A com maior altitude, 70 metros, possui características bimodais e pobremente selecionada, a porção de areia e cascalho predominam com aproximadamente 57% e 40. São 270 metros que separam a amostra A da amostra B, que já se encontrada unimodal, pobremente selecionada, com predominância de areia (80%) e cascalho com 18%, com 50 metros de altitude. A amostra C mantém as características da amostra anterior com 87% de areia e 12% de cascalho, e 20 m de altitude. A amostra D próxima do canal de escoamento para o mar, têm uma amostra pobremente selecionada ainda, unimodal. A presença de areia é praticamente o total do material com 97% e 3% de argila com 5 metros de altitude. Assim observa-se que há preservação de argila na porção final, amostra A, o que caracteriza a ação glacial menos intensa. São 370 metros separando as amostras A e D, com variação altimétrica de 65 metros, resultando numa média de acréscimo de 0,7% de areia por metro considerando a descida na vertente. Entre as amostras A e B também ocorreram significativas alterações com aumento da areia de 57 para 80%. Figura 3 Análise do C40 Comparando os valores de C40 (Figura 4), era esperado que estes valores poderiam ser maiores no vale com maior cobertura pedológica e que não sofreu o processo de descongelamento e fluxo da água de degelo de maneira tão intensa (vale 2).Contudo os valores (comparando altitudes próximas) são parecidos, o que indica menos retrabalhamento pela água líquida. Isso indica a alteração e intemperismo químico in situ, para o vale com maior cobertura pedológica, sendo mais importante que a ação das águas de degelo em fluxo não canalizado. O vale mais trabalhado, apresenta indícios de quebra de rochas e intemperismo físico pronunciado, indicado pelo alto valor de C40 (39) na alta vertente A baixa vertente do vale 2 indica um valor de C40 muito baixo (6 na amostra D), indicando sedimentos esféricos, e para média vertente valores entre 29 e 9, enquanto para o vale 1 têm-se para a média e baixa vertente valores de 26 e 10 (amostra B e C). Figura 4

Figura 1

Pontos de coleta amostrados em diferentes níveis altimétricos dos vales glaciais 1 e 2.

Figura 2

Análise granulométrica do vale 1.

Figura 3

Análise granulométrica do vale 2.

Figura 4

Vale 1 apresentando maior “lavagem” pelo descongelamento no verão; Vale 02 apresenta depósitos sedimentares mais espessos e presença de musgos.

Considerações Finais

Pela análise granulométrica, e pela análise do índice C40 conclui-se que há intemperismo físico atuando no vale 1 voltado para o sul, com fraturamento dos grãos e movimento de detritos em setores de alta declividade. A vertente menos íngreme do vale 1 se caracterizou pela presença de valores mais altos de C40 e 99% de areia, material selecionado, com argila sendo transportada pelo mar durante a dinâmica da maré. Já para o vale 2, com presença de musgos, e com presença de material alterado têm-se valores menores de C40 indicando material mais arredondado pelo intemperismo químico in situ, além da presença de argila na baixa vertente. Mesmo áreas tão próximas com condições periglaciais e configurações de bacia de drenagens semelhantes evidenciou-se possuem processos diferentes, associados nesse caso principalmente a configuração do relevo, e exposição à radiação o que aumenta a rapidez e volume de degelo da neve e influencia na relação entre intemperismo químico e físico e ainda na pedogênese. Os resultados poderão ser base para melhorar a compreensão dos processos de modificação de grãos relacionados à dinâmica de vertentes em vales glaciais de ambientes periglacial comparados aos localizados em ambientes marginais ao gelo, recentemente expostos pela ação glacial.

Agradecimentos

Este trabalho foi apoiado pelo Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo 475478/2013-4) e da FAPERGS.

Referências

BENN D.I. & BALLANTYNE C.K. Reconstructing the transport history of glaciogenic sediments – a new approach based on the covariance of clast form indices. Sedimentary Geology, vol. 91, n. 1-4, p. 215-227. 1994.

BENNETT, M.R.; HAMBREY, M.J.; HUDDART, D. Modification of clast shape in High-Arctic environments. Journal of Sedimentary Research,vol. 67, n. 3, p. 550-559. 1997.

BIRKENMAJER, K. Report on geological investigations of King George Island and Nelson Island (South Shetland Islands, West Antarctica) in 1980-81. Studi Geologica Polonica, Vol. 74, p. 175-197. 1982.

HALL, B. L. Late-holocene advance of the Collins Ice Cap, King George Island, South Shetland Islands. The Holocene, vol. 17, p. 1253. 2007.

HUBBERD, B. & GLASSER, N. Field Techniques in glaciology and glacial geomorphology. John Wiley & Sons Ltd, West Sussex, 400 p. 2005.

WENTWORTH, C.K. A scale of grade and class terms for clastic sediments. Journal of Geology, 30, p. 377-392. 1922.