Autores

Tratz, E. (UFSC) ; Silva, W.B. (UFSC/UNICENTRO) ; Waichel, B.L. (UFSC) ; Castro, R.A. (UNICENTRO)

Resumo

Cavernas vulcânicas resultantes do esvaziamento de tubos de lava caracterizam o segundo tipo mais comum de cavernas na Terra. Em várias partes do globo atraem turistas pela morfologia curiosa e pesquisadores que seguem atrás de registros arqueológicos, espécies endêmicas, configuração geomorfológica e respostas para o modelo de colocação e espalhamento da lava em superfície a partir de aparelhos vulcânicos. Na Província Magmática do Paraná feições como essas ainda não haviam sido reconhecidas, sendo os registros do sistema de tubos Casa de Pedra e Perau Branco os primeiros da literatura desta província. Esses registros contribuíram e ainda têm a contribuir para o avanço de estudos de caráter vulcanológico referentes ao Evento Serra Geral. Além disso, abre precedentes para investigações em outros campos das ciências naturais, como arqueologia, paleontologia e biologia.

Palavras chaves

Tubos de Lava; Configuração Geológica; Configuração Geomorfológica

Introdução

Na Era Mesozoica, durante o período Cretáceo, ocorreu uma das mais expressivas manifestações vulcânicas de caráter continental do Planeta, o evento Serra Geral. As rochas vulcânicas resultantes deste evento recobrem uma área ~1.000.000 km2 na América do Sul (Bigarella et al, 1985; Milani, 1997; Melfi et al, 1988). O vulcanismo ocorreu entre 139 e 129 M.a com um clímax entre 135-133 M.a (Turner, 1994, Thiede e Vasconcelos, 2010). A explicação para o espalhamento dos grandes derrames em superfície em província ígneas do tipo Basaltos de Platô é atrelada a formação e transporte da lava por canais subterrâneos de lava, denominados de tubos de lava (SELF et al., 1997; WAICHEL, 2006; WAICHEL et al, 2013). A presença de tubos de lava em sistemas vulcânicos implica na rápida e eficiente distribuição da lava, tendo em vista a pequena perda de calor constatada nestes sistemas, facilitando a formação de derrames com grandes extensões (Hon e Kauahikaua, 1994). Quando a atividade vulcânica cessa a lava é drenada deixando como remanescente os antigos tubos de lava vazios, que podem ser preservados por milhares de anos abaixo da superfície formando cavernas vulcânicas. No processo de formação dessas cavernas a lava proveniente de grandes derrames tem a superfície resfriada em contato com o ar formando uma carapaça vítrea tubular por onde o magma continua a escoar. Esses canais quando drenados formam tubos de lava. No interior dessas cavidades ocorre o desenvolvimento de morfologias vulcânicas características, inclusive com formação de estalactites de lava. Em geral, quanto maior o derrame maior o numero canais secundários. Na Província Magmática Paraná, tubos de lava drenados e preservados foram reconhecidos, pela primeira vez no município de Palmital, região central do Paraná (Casa de Pedra e Perau Branco). Os tubos ocorrem nas margens ou porções proximais de estruturas circulares, reconhecidas por imagens de satélite nesta região. Predominam localmente derrames pahoehoe e em menor proporção são reconhecidos depósitos vulcano-sedimentares. Neste trabalho são descritos dois sistemas de tubos no município de Palmital, juntamente com dois tubos simples, descobertos nos municípios de Pinhão e Marquinho.

Material e métodos

A primeira etapa do trabalho consistiu na realização de trabalhos de campo para reconhecimento, descrição e medição dos tubos de lava e georreferenciamento dos pontos de controle para previa localização e orientação das cavidades no mapa de lineamentos. Em um segundo momento foi feito o levantamento de material bibliográfico acerca da temática e material cartográfico para a confecção do mapa de lineamentos. Por fim, foi montado o mosaico de imagens SRTM os quais foram sombreados em azimutes diferentes (Az 45°, Az 135°, Az 225° Az 315°) para melhor visualização e traçado dos lineamentos. Base cartográfica utilizada para a confecção do Mosaico de Imagens: • MIRANDA, E. E. de; (Coord.). SRTM-Brasil em Relevo. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 12 fev. 2015.Resolução 90 metros. • Imagens: SRTM Shuttle Radar Topography Mission disponibilizadas pela NASA (Resolução espacial 30 m). Por fim foi efetuada a interpretação das imagens traçado dos lineamentos, estruturas circulares e posicionamentos dos tubos de lava. Programas utilizados: 1)Global Mapper - Utilizado para sombrear as imagens. 2) Auto Cad map 2012-Usado no traçado dos lineamentos e confecção do grid de coordenadas.

Resultado e discussão

Os tubos de lava encontrados na região central da Província Magmática Paraná encontram-se distribuídos em bordas ou centro de estruturas circulares espacialmente distribuídas sobre lineamentos NW e SE. São associados a derrames pahoehoe e formas de relevo dissecado com topos tabulares bem marcados. Conforme mostra a Figura 1. Nesta área foram reconhecidos os sistemas de tubos Casa de Pedra e Perau Branco localizados no município de Palmital, tubo de lava de Pinhão, localizado no município homônimo e tubo de lava Dal Pae, localizado no município de Marquinho. Sistema de Tubos Casa de Pedra O sistema de tubos Casa de Pedra está localizado no Vale do Rio Cantú, na região de Palmital, é conhecido pela população local há mais de 60 anos. Ao longo do tempo a caverna vulcânica tem sido usada para abrigar animais domésticos, caprinos e bovinos das propriedades adjacentes. Em função disso os dois salões principais (maiores) encontram-se bastante danificados com pouca preservação das morfologias vulcânicas características de tubos de lava. Na caverna são reconhecidos derrames pahoehoe compostos vesiculados, esses derrames são caracterizados de acordo com Walker (1971, 1973) pela sobreposição de unidades de fluxo distintos. Em menor proporção ocorrem derrames rubbly nas proximidades da abertura principal da caverna. Os derrames rubbly apresentam morfologia brechada (blocos irregulares) resultante do resfriamento da superfície da lava. A morfologia é caracterizada por uma abertura principal de ±8 metros de altura orientada para SW. Essa abertura dá acesso a dois salões principais de forma elipsoidal com altura de ±8 metros. Esses salões são unidos por uma abertura mais estreita com feições colunares de cerca de 2,5 metros. O segundo salão é menor com estreitamento para SW onde ocorre a ramificação de três canais secundários com cerca de ±1 m. Os canais secundários novamente subdividem-se em canais menores e ainda mais afunilados com diâmetros entre 70 e 30 cm com até 3 metros de comprimento. Esses canais secundários marcam a direção do fluxo de lava que no local correu na direção SW. Nos canais secundários as feições morfológicas comuns de tubos de lava são melhores preservadas, principalmente nas aberturas mais estreitas onde são observadas estruturas típicas de tubos de lava como: estruturas colunares (Figura2A), revestimentos de lava (linings), bancadas laterais (Figura 2B), quedas de lava, fraturas de resfriamento, escorrimento de lava e estruturas de teto resultantes da drenagem do tubo. Os revestimentos de lava são observados nas paredes dos tubos circulares e são caracterizados por finas camadas (1-5 cm) de lava que solidificaram em períodos que o tubo estava completamente ou parcialmente preenchido por lava. As bancadas laterais da lava foram formadas quando o tubo estava parcialmente preenchido e o nível da lava se manteve estável por tempo suficiente para ocorrer à solidificação nas laterais do tubo, estas feições podem ainda marcar a altura dos fluxos de lava na parede. Sistema de Tubos Perau Branco O Sistema de tubos Perau Branco encontra-se orientado para SE e é constituído por 5 aberturas principais localizadas em um penhasco de nome homônimo A base do penhasco é constituída por derrames pahoehoe compostos vesiculados de ±4 metros recobertos por uma unidade de derrame pahoehoe maciço de ±12 metros de altura. Estes derrames são também denominados por Walker (1971) e Walker et al. (1973) como derrames simples e sugerem uma única e grande unidade de fluxo de lava. O acesso a algumas aberturas deste sistema de tubos é complicado em função da extensão dos canais secundários, alguns bastante estreitos com mais de 20 metros de comprimento o que implicada na falta de luminosidade e oxigênio. A dificuldade de acesso nesse sistema de tubos ajudou na preservação das morfologias vulcânicas, nas ramificações menores é possível observar estalactites e estalagmites de lava. Os tubos apresentam aberturas de ±1,5 metros de altura que são conectadas por salões elipsoidais achatados de ±1, 5 metros de altura por 5 metros de largura (Figura 3 A). A separação entre os dois salões é feita por estruturas colunares. Neste local são observados ainda feições de resfriamento no teto e nas estruturas colunares. Também no teto são observados linings compostas por camadas de até 3 cm de espessura, essas feições marcam a altura que o fluxo de lava alcançou enquanto percorria o tubo (Figura 3B). Assim como no sistema de tubos Casa de Pedra o salão ramifica-se em tubos secundários bastante estreitos (0,5 e 0,8 m) que conectam a um pequeno salão de ± 0,7 metros de altura por 1,6 metros de comprimento com pequenas ramificações centimétricas. Nessas ramificações é possível observar feições de escorrimento de lava, estalactites e estalagmites de lava, ambas formadas pelo resfriamento da lava após a drenagem do canal. Tubo de lava de Pinhão A abertura de acesso ao tubo de Pinhão está localizada próxima a superfície, apresenta diâmetro de ± 3 metros e 15 metros de comprimento orientado para SW (Figura.4A). A morfologia da cavidade lembra um cilindro sem ramificações secundárias. Entretanto, exibe prateleiras de lava (lava shelfs) bem marcadas no piso da cavidade vulcânica. As prateleiras de lava marcam os níveis alcançados e trajeto percorrido pela lava durante o transporte. No teto e piso do tubo são observadas lentes sedimentares (areia fina e areia média). São observados ainda nas paredes linings de até 5 cm de espessura ( Figura. 4B) e injetitos de arenito de até 1 cm de espessura. A presença de sedimentos na cavidade indica contemporaneidade entre as manifestações vulcânicas e processos de transporte e sedimentação Tubo de Lava Dal Pae O tubo de lava Dal Pae encontra-se localizado no município de Marquinho na fazenda de nome homônimo. O tubo encontra-se inserido na parede lateral de um sistema de drenagem. A parede tem aproximadamente 7 metros de altura tendo a base constituída por derrame pahoehoe composto vesicular. O topo da parede é constituído de basalto maciço. A abertura da cavidade tem forma de lapa com 2,20 de altura por 5 metros de comprimento. Desta abertura emerge o tubo de forma elíptica com 4 m de largura e 1,7 m de altura na porção inicial que vai afunilando e se estende por 10 m. O tubo está alinhado para um salão principal situado na abertura que afunila-se na direção SW quando atinge menos de 1 metro de altura por ±1,20 de largura no final da cavidade. As morfologias características de tubos de lava observadas são: 1) revestimentos de lava (linings) 2) bancadas laterais; 3) estruturas colunares e 4) fraturas de resfriamento no teto da cavidade e coluna.

Figura 2:

Figura 2: A) Canais secundários no sistema de tubos Casa de Pedra separados por uma coluna; B) Bancadas laterais.

Figura3:

Figura 3: A) Salão elipsoidal achatado de Sistema Casa de Pedra; B) Linings centimétricos no teto do salão.

Figura 4

A) Aspecto geral do tubo de Pinhão; B) Linings nas paredes do tubo.

FIGURA 1

Localização dos tubos na área de estudo, principais lineamentos e estruturas circulares.

Considerações Finais

Tubos de lava são resultantes do transporte e esvaziamento de condutos de lava superficial em sistemas vulcânicos ativos, por isso, é o segundo tipo mais comum de cavernas no planeta Terra. Entretanto, em províncias magmáticas antigas, caso da Província Magmática Paraná o reconhecimento deste tipo de feição é raro e quando estudados fornecem informações sobre o modelo de colocação e espalhamento da lava em superfície a partir de aparelhos vulcânicos. Na área de estudo os tubos de lava ocorrem dentro ou próximos de estruturas circulares marcadas por falhas anelares e localizadas na junção de lineamentos NW e SE. O relevo dos locais onde foram encontrados os tubos de lava apresenta maior dissecação e topos tabulares, uma característica dos derrames pahoehoe espessos. É provável que os derrames da província magmática do Paraná atingiram grandes extensões em função destes sistemas que permitem à rápida e eficiente distribuição da lava tendo em vista a pequena perda de calor proporcionada pelo revestimento do canal por uma camada vítrea solidificada. Além disso, o estudo dessas cavidades contribui para outros campos da ciência como arqueologia, biologia e paleontologia uma vez que, no interior dos sistemas de tubos Perau Branco foram encontradas ossadas de animais selvagens que ali se abrigaram e a hipótese das feições guardarem registros arqueológicos, por isso, a preservação e o estudo de detalhe dos tubos de lava são importantes.

Agradecimentos

Referências

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